06 Março 2025
"Os governos ocidentais e a imprensa finalmente expressaram sua discordância com esse novo passo. Mas quanto tempo vai durar? É plausível que o álibi da ameaça do antissemitismo, que até agora justificou o apoio incondicional a Israel, acabe fechando os olhos também para este último crime. Recentemente, essa linha foi contestada por dois documentos – um por 350 personalidades judaicas americanas, o outro por duzentos judeus italianos – que expressaram seu total desacordo com a ideia da 'transferência' dos habitantes de Gaza. É difícil atribuir essas posições assumidas pelos judeus a um ressurgimento do antissemitismo", escreve Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, Itália, em artigo publicado por Settimana News, 05-03-2025.
O vídeo criado e postado por Donald Trump, ambientado em Gaza, no qual ele e o primeiro-ministro israelense Netanyahu, em trajes de banho, estão confortavelmente deitados à beira de uma piscina luxuosa, tendo como pano de fundo arranha-céus ultramodernos e uma enorme estátua dourada representando o presidente dos EUA, deu a volta ao mundo. Uma provocação que resume os últimos desenvolvimentos sensacionais na tragédia da região.
Em 4 de fevereiro, poucos dias depois de assumir o cargo na Casa Branca, o novo presidente americano, em uma coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro do Estado judeu, anunciou a um mundo incrédulo sua intenção de ocupar Gaza diretamente, para construir um resort turístico de luxo sobre os escombros da guerra. "Acho que vamos transformá-lo em um lugar internacional e bonito. Será a Riviera do Oriente Médio".
É o estilo de Trump combinar política com negócios. E mesmo neste caso, o que deve ser alcançado é um negócio internacional, do qual, segundo o magnata, só haverá ganho: "Todo mundo gosta da ideia de que os Estados Unidos controlam aquele pedaço de terra criando milhares de empregos".
E os 2 milhões de palestinos que vivem atualmente lá? A resposta de Trump é que " Gaza é um inferno, ninguém quer viver lá. Os palestinos adorariam sair". É, de fato, um lugar destruído, inabitável: "Não se pode viver naqueles edifícios agora", explica, porque "são muito inseguros".
Mas não se preocupe: há uma solução à mão. Os habitantes de Gaza podem ser "transferidos" para os dois estados árabes vizinhos, Jordânia e Egito, onde estarão muito melhor do que em casa.
Israel cuidará da "transferência", que então entregará a Faixa, agora recuperada, aos Estados Unidos. E assim haverá finalmente na Palestina a paz desejada por todos os povos da região: "Muitos no Oriente Médio gostam da ideia" porque trará "estabilidade".
A proposta inesperada entusiasmou Netanyahu, que declarou que seu encontro com Trump levou a "enormes conquistas que podem garantir a segurança de Israel por gerações" e chamou o presidente americano de "visão revolucionária e criativa" que "abrirá muitas possibilidades" para Israel.
Quanto aos habitantes de Gaza, o presidente israelense descartou a possibilidade de falar sobre limpeza étnica, conforme definido pelo secretário-geral da ONU, Gustavo Guterres: "Não é um despejo forçado, nem uma limpeza étnica. Todo mundo fala sobre Gaza como uma prisão a céu aberto, então por que manter essas pessoas na prisão?"
A "transferência" seria de fato uma manifestação de liberdade: "Permitimos que as pessoas saiam. Nos últimos dois anos, 150.000 habitantes de Gaza partiram. Os ricos poderiam sair. Mas se outros quiserem emigrar, a escolha é deles".
O que nem Trump nem Netanyahu disseram foi que foi o exército israelense que transformou Gaza em um inferno onde não se pode viver, com a destruição sistemática de todas as casas e infraestrutura civil, com a intenção óbvia de tornar o território inabitável.
As imagens divulgadas pela mídia independente – quando foi possível para eles, após a trégua, entrar na Faixa (até então fechada para jornalistas) – mostram um cenário de devastação que lembra Hiroshima e Nagasaki.
E não é de admirar: de 7 de outubro de 2023 a janeiro de 2025, o exército israelense lançou mais de 85.000 toneladas de bombas (em grande parte fornecidas pelos Estados Unidos) em um território do tamanho de metade da cidade de Madri, quase 6 vezes mais do que a força de detonação da bomba lançada em Hiroshima em 1945.
Durante meses, a propaganda israelense tem falado sobre bombardeios direcionados a alvos militares. Agora, com nossos próprios olhos, todos nós pudemos ver que, nos centros habitados da Faixa, nem um único edifício está de pé. Casas, escritórios, escolas, hospitais, mesquitas, igrejas – tudo foi arrasado.
Não foram apenas os edifícios que foram destruídos. Era a vida de um povo. Dois milhões de pessoas foram deslocadas à força de um dia para o outro, desenraizadas dos lugares onde viviam e trabalhavam, forçadas a vagar em busca de lugares seguros, indicados pelo exército israelense, que foram então bombardeados da mesma forma, forçando-os a fugir deles também.
Houve quase 49.000 mortes. E mais uma vez foram as crianças as primeiras vítimas: 14.000 foram mortas, 25.000 feridas ou mutiladas, 17.000 ficaram órfãs, todas passaram fome, foram privadas de cuidados médicos e de escola. Feridas que nunca cicatrizarão e nas quais o ódio por aqueles que fizeram tudo isso será alimentado.
Trump vision for Gaza Plaza
— The Uri (@uricohenisrael) February 26, 2025
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O Hamas é o culpado, repetiram os governos e jornais ocidentais. O que vemos, dizem eles, é o doloroso, mas inevitável dano colateral de uma guerra destinada a obter a libertação de reféns israelenses.
Poder-se-ia talvez perguntar se os bombardeamentos em massa poderiam servir este objetivo e se não seria muito mais lógico prosseguir, como no passado e como foi feito, com as trocas de prisioneiros. Israel preferiu demonstrar seu poderio militar, embora até agora não tenha conseguido atingir seus dois objetivos, a libertação dos reféns mencionados e a destruição do Hamas.
Mas esse não é o ponto. O que é grave – no argumento dos chamados "danos colaterais" – é que essa é a lógica de todos os terroristas. Eles sempre explicam que não têm nada contra suas vítimas e que são forçados a sacrificá-las por uma causa justa, que geralmente é a libertação de alguns de seus companheiros presos e o enfraquecimento de um regime político injusto que "protege" seus cidadãos.
Na realidade, o direito internacional, de acordo com a moralidade, diz que atingir civis é sempre – sempre – um crime de guerra, quaisquer que sejam as motivações. E que o inimigo armado se misture com a população – como sempre acontece – não autoriza o massacre, a fome, a reduzir ao desespero.
É de acordo com esses princípios há muito estabelecidos que o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense Netanyahu e seu ministro da Guerra, por "crimes contra a humanidade".
Também sem sentido é a insistência obsessiva na diferença entre agressor e atacado para justificar os métodos do exército israelense. A origem de uma guerra é uma coisa, a maneira de conduzi-la é outra.
Você pode estar certo no primeiro ponto e errado no segundo. Caso contrário, na Itália, teríamos que abolir o "dia da lembrança" das vítimas do foibe, porque nesse caso fomos nós, os italianos, que em 1941 invadimos a Iugoslávia gratuitamente, ocupando-a até 1943.
Se fosse verdade, como nosso governo também repete, que a violência dos atacados é legitimada por seu direito de se defender, até mesmo os partidários de Tito, absurdamente, teriam que ser justificados.
Agora estamos diante do projeto de explorar cinicamente esses crimes para realizar outro impunemente – a limpeza étnica – alegando que a população, para quem Israel (com a cumplicidade do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos) tornou impossível a vida em sua terra natal, será "convidada" a emigrar por uma escolha "livre".
Os governos ocidentais e a imprensa finalmente expressaram sua discordância com esse novo passo. Mas quanto tempo vai durar? É plausível que o álibi da ameaça do antissemitismo, que até agora justificou o apoio incondicional a Israel, acabe fechando os olhos também para este último crime.
Recentemente, essa linha foi contestada por dois documentos – um por 350 personalidades judaicas americanas, o outro por duzentos judeus italianos – que expressaram seu total desacordo com a ideia da "transferência" dos habitantes de Gaza. É difícil atribuir essas posições assumidas pelos judeus a um ressurgimento do antissemitismo.
A irritação daqueles que foram tão retumbantemente negados foi expressa no coro de controvérsia levantado contra os documentos, especialmente o segundo, também por causa da coincidência com o funeral dos irmãos Bibas, os dois pequenos judeus, cuja morte despertou grande emoção em todo o mundo.
A ponto de esquecer que não duas, mas milhares de crianças palestinas morreram nos últimos meses sob bombas, de frio, de fome, de falta de cuidado, sem que essa emoção se manifestasse. E que, em todo caso, os signatários não justificaram a violência do Hamas – inaceitável exatamente como a do exército israelense – mas o direito do povo palestino de não ser deportado (talvez "voluntariamente").
Para tornar o projeto de Trump e Netanyahu mais sórdido, vem o clipe em que o futuro de Gaza é delineado, entre os modelos de Miami e Dubai. Na pele dos palestinos.
Em outros tempos, a indignação mundial teria dominado Trump e Netanyahu, forçando os governos até agora cúmplices do extermínio dos habitantes de Gaza a finalmente assumir uma posição política clara. Não parece que eles estão fazendo isso.
A começar pela italiana, que há poucos dias – apesar de ter avançado pela boca do ministro Tajani dificuldades cautelosas sobre a ideia do presidente americano e do primeiro-ministro israelense – pela segunda vez em poucos meses acolheu o presidente do Estado judeu Herzog com grande cordialidade, reiterando sua amizade incondicional por Israel, sem sequer uma palavra de crítica e reserva sobre o projeto desumano de seu governo.
Herzog, por sua vez, agradeceu à Itália porque, como poucos Estados, está disposta a "tomar partido" (ele usou esse termo) ao lado de Tel Aviv neste "choque de civilizações e valores".
Mas a grande maioria da mídia e da opinião pública não tinha nada a dizer. Portanto, já se pode prever que em alguns anos os ricos italianos também sairão de férias para a praia de Gaza.