20 Junho 2024
Olivier Leborgne é bispo de Arras, autor de Prière sur les temps présents (Le Seuil, 2022). Duas semanas depois do primeiro turno das eleições legislativas, ele fala sobre o voto a favor do RN, em especial sobre as escolhas feitas pelos católicos. Tenta entender o que pode motivar tal voto, lembrando que políticas de rejeição e exclusão são incompatíveis com o Evangelho.
A reportagem é de Théo Moy, publicada por La Croix, 17-06-2024.
O senhor está preocupado com uma vitória da extrema-direita nas eleições legislativas?
Para mim, parece que o objetivo da política seja de organizar a vida da polis no respeito pela dignidade da pessoa humana, da busca do bem comum e da paz. Qualquer outra perspectiva me preocupa. Sou bispo de todos e para todos e não posso aceitar que alguém seja excluído.
O bem comum não corresponde ao interesse geral, que muitas vezes se resume ao interesse do maior número. O bem comum visa o bem de cada pessoa, numa organização social que o permita.
Alguns partidos afirmam seguir uma certa tradição cristã. Mas a única tradição cristã possível nestas questões é aquela que se baseia nas palavras de Jesus, em particular em Mateus 25 - “quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” - caso contrário é uma mentira. Às vezes me dizem que não é possível, que temos que ser realistas. Para um cristão, o único realismo que importa é o do Senhor ressuscitado. É preciso a audácia para ousar novos caminhos e recusar cair em posições que não levam a lugar nenhum.
Desde que se tornou bispo de Arras, o senhor usou palavras e gestos fortes para defender os migrantes. O senhor tem alguma preocupação sobre esse tema específico?
Os atuais partidos não parecem anunciar nenhum progresso quando se trata de levar em consideração a dignidade das pessoas emigrantes. Não posso deixar de ficar preocupado. Reconheço que a situação é muito complexa. Sim, as questões de segurança são legítimas. Sim, o estado tem o dever de gerir os fluxos migratórios para evitar o caos. Mas esses problemas nunca poderão ser resolvidos apenas com medidas de segurança. Deveríamos trabalhar sobre a justiça internacional e favorecer situações que permitam que os países de onde vêm os migrantes tenham um desenvolvimento positivo.
Temos uma responsabilidade; sabemos do que somos devedores a eles historicamente. Eticamente, não podemos fugir a essa responsabilidade.
Muitas pessoas que se definem como católicas optaram por votar em um partido de extrema-direita: como interpreta isso?
Para mim, parece, em primeiro lugar, que um certo número de cristãos, bem como um certo número dos nossos concidadãos, não esteja convencido, mas sim zangado. Eles sentem que foram enganados. Eles dizem: "por que não tentar outra coisa? Basta circular pelo departamento de Pas-de-Calais para ver esse sentido de abandono, de onde provém esse voto desiludido e radical".
Em segundo lugar, numa França cada vez mais descristianizada, declarar-se católico não é suficiente. O batismo é muito mais que um rito ou uma tradição; abre-nos à vida “com Cristo e como Cristo” (uma bela fórmula do rito de confirmação). A fé é algo que se vive, se professa e se elabora. Para se tornar discípulos, é preciso querer se deixar moldar pelo Espírito Santo. O Evangelho requer uma ética precisa que não está disponível para as nossas opiniões.
Qual é o papel da Igreja neste momento?
É complicado. De ambos os lados há quem gostaria que fôssemos muito mais explícitos. Eu ouço cristãos que têm muito medo da extrema-direita, e outros que me dizem ter medo da extrema-esquerda. Depois de ter criticado a Igreja porque se impõe à consciência das pessoas, as pessoas esperam que a Igreja faça grandes declarações. Não esqueçamos o contexto da crise das violências sexuais na Igreja. Essa crise nos convida também a uma humildade que antes não tínhamos. Estamos procurando uma nova atitude depois desta crise, mas ainda não a encontramos.
O que pode ser dito nesse contexto?
Recordar às pessoas sobre as grandes referências à dignidade humana inalienável, da vida social e da busca pelo bem comum. Para os crentes, devemos recordar o Evangelho. Na sua dimensão ética, mas também nas consequências existenciais da profissão de fé. Por exemplo, acredito que se deveria pregar mais sobre o fim último. Se eu acredito que Cristo retornará na glória, o que estou vivendo adquire uma importância inesperada. Acreditar que tudo será resumido e recomposto em Cristo no amor significa afirmar que nada do que estou vivendo hoje será perdido e que toda boa ação, até o empenho ao serviço do bem comum e da polis, tem um valor de eternidade.
Essa convicção me pede para não ceder ao medo e à recusa do outro. Cristo trabalha na nossa história e, com ele, podemos entrar no verdadeiro realismo, na defesa da dignidade humana, dos emigrantes, da pessoa humana, do início ao fim da vida... o discernimento e empenho político não derivam diretamente do Evangelho, mas são iluminados e estimulados pelo Evangelho.
Há uma questão que me intriga: até onde devemos ir na reiteração das exigências éticas em geral? E, embora diga respeito a atos específicos, não apenas a ideias ou opiniões, quando teremos de dizer coisas muito importantes, como fez Dom Saliège em 1942, arriscando a nossa reputação e a nossa tranquilidade? Sobre esse ponto peço ao Senhor que me mantenha atento e, se necessário, que um dia ouse falar claramente.
O Evangelho nos dá indicações nas nossas escolhas políticas? Com base em que critérios?
Penso muito no novo mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Isso nos dá a energia para ousar amar como vontade e como liberdade. Não é uma injunção externa, é um chamado que nos diz “você pode”, porque o próprio Deus se empenha nesse sentido conosco.
O meu primeiro pároco recordava-me seguidamente: “Lembre-se de que Jesus disse: ‘amai-vos uns aos outros’, não 'amai-vos uns a vós mesmos’".
O mandamento do amor não nos diz em quem votar, mas tem um enorme poder político. Quando a nossa inteligência pode ficar encurralada pelo medo e pela violência, o amor nos salva. O amor como determinação da liberdade para o bem do outro, para o bem de todos e para o bem da polis, é um princípio político. Abre o caminho à contestação de todas as formas de dominação, de recusa e de exclusão e estimula o empenho para o bem, para a paz social e para a dignidade da pessoa.
Jesus não nos pede para defender uma cultura particular. Podemos nos orgulhar da nossa história, sem nos deixar enganar pelas suas divagações, pelos seus erros. Mas Jesus me pede para servir o ser humano. Como cidadão, quando voto, o novo mandamento de Jesus me segue. E muitas vezes faz com que surjam dúvidas na hora de votar.
De forma mais geral, o que pensa da vida política atual?
Penso que os cristãos deveriam contribuir para reabilitar a razão na política. Toda vez que algo acontece, uma lei é feita imediatamente. Em vez disso, é preciso olhar as coisas de uma certa distância e usar a razão. O desafio reside em perguntar que caminho pode ser proposto para permitir ao homem construir uma sociedade harmoniosa. Alguns caminhos não levam a isso, enquanto outros deixam uma brecha aberta. Mas deixe-me acrescentar uma última coisa.
Pode falar.
Vou lhes falar de Lourdes. Que não é uma bolha onde nos abstraímos da vida cotidiana. Em Lourdes os pobres estão no centro, estamos atentos aos mais pequenos. E quando colocamos os pequenos e os pobres no centro, todos encontram o seu lugar. Em Lourdes há um sinal político forte: Maria ensina-nos o que devemos viver na sociedade: uma vida à altura do ser humano.
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França - eleições. “O Evangelho não está à disposição das nossas opiniões”. Entrevista com Olivier Leborgne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU