15 Junho 2024
“A dura afirmação de Amin Maalouf sobre a falta de uma alternativa ao modelo ocidental, ou seja, o capitalismo, é absolutamente acertada e a realidade atual é semelhante aos conflitos inter-imperialistas que levaram à Primeira Guerra Mundial, em 1914”, avalia Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 14-06-2024. A tradução é do Cepat.
A profunda nebulosidade que o mundo atual apresenta impõe-nos ao menos duas tarefas permanentes: colocar em dúvida as análises unilaterais que tendem a simplificar realidades complexas e, por outro lado, consultar fontes diversas, que até mesmo se contradizem entre si, para oferecer ao menos um panorama que permite dissipar as trevas que cegam a nossa compreensão.
Semanas atrás, comentamos o livro de Emmanel Todd, A derrota do Ocidente, no qual afirma que o declínio da nossa civilização é inevitável. Nesse trabalho, considera que a ascensão da Europa e dos Estados Unidos esteve intimamente relacionada com o apogeu do protestantismo, devido ao seu apoio à educação que tornou possível a eficiência e a produtividade dos trabalhadores.
Contudo, o “desaparecimento dos valores protestantes”, segue Todd, levou ao fracasso educacional, à desordem moral e à fuga do trabalho produtivo que as práticas daquela religião propiciaram.
O escritor libanês Amin Maalouf acaba de publicar O labirinto dos desgarrados (Editora Vestígio), no qual avança em outras hipóteses que não entram em conflito com a de Todd, e que podem até ser complementares. Argumenta que durante cinco séculos “o domínio do Ocidente, e mais concretamente da Europa, não era questionado. Aqueles que se opunham ao Ocidente eram humilhados e vencidos. Isto mudou”, conclui (El Diario, 04/06/24).
Assim como Immanuel Wallerstein, afirma que o Ocidente não é mais hegemônico, mas que ninguém exerce esse papel nos últimos anos. Acrescenta que, no momento, nenhuma potência tem capacidade para resolver os conflitos, como o que existe entre Israel e a Palestina, como também não pode impedir que eclodam. Por esse motivo, diz que “a humanidade atravessa hoje um dos períodos mais perigosos de sua história”.
Penso que um dos pontos mais fortes das entrevistas que concedeu a vários meios de comunicação, nesta semana, é a sua forte afirmação de que o declínio do Ocidente afeta todo o planeta. “O declínio do Ocidente é real, mas nem os ocidentais e nem os seus inúmeros adversários são capazes de tirar a humanidade do labirinto em que anda perdida” (El Confidencial, 03/06/24).
Segue: “Os adversários do Ocidente não têm realmente modelos a propor. Possuem críticas ao modelo ocidental, sobre o papel desempenhado pelo Ocidente, porque o Ocidente tenta monopolizar as decisões em todo o mundo. Contudo, não há um modelo alternativo”.
Por isso, diz que o naufrágio não é apenas do Ocidente, mas global, “de todas as civilizações”. Ao lado dos Estados Unidos e a União Europeia, ressalta que a Rússia também apresenta um declínio, pois enfrenta problemas semelhantes aos de outras potências. No caso da China, Maalouf destaca que segue o modelo ocidental, não só o capitalismo, mas também o neoliberalismo e a acumulação por espoliação.
Para Maalouf, o risco de uma terceira guerra mundial é “real”, em especial porque as sociedades não querem admitir os riscos evidentes, que podem ser visíveis no desenvolvimento frenético de novas armas pelas grandes potências.
Em minha opinião, a dura afirmação de Maalouf sobre a falta de uma alternativa ao modelo ocidental, ou seja, o capitalismo, é absolutamente acertada e a realidade atual é semelhante aos conflitos inter-imperialistas que levaram à Primeira Guerra Mundial, em 1914. É árduo observar como movimentos que foram revolucionários agora celebram a ascensão da China e que alguns considerem esse país socialista e seus líderes marxistas. Isto faz parte da fenomenal confusão que existe no campo emancipatório.
A segunda questão é o forte enraizamento do colonialismo no pensamento crítico, que não consegue ver para além dos Estados-nação como espaço para mudanças e transformações revolucionárias. Por um lado, os Estados na América Latina são uma evidente herança colonial, estão estruturados de modo hierárquico e patriarcal e não podem ser mudados, nem refundados, como pretendem algumas correntes do progressismo.
Por outro, a experiência histórica nos diz que as revoluções bem-sucedidas, que se limitaram às fronteiras dos Estados, não puderam avançar nas transformações desejadas. Precisamos tirar alguma conclusão de um século de revoluções centradas em Estados que nunca podem ser democráticos, nem democratizados. Alguém sequer consegue imaginar a democracia nos exércitos e na polícia? Ou no sistema de justiça?
As alternativas que Maalouf não encontra na China, na Rússia e nem no Irã, podemos rastrear nos povos organizados que resistem e criam mundos novos, em muitos rincões de nosso continente. Certamente, não é o suficiente para derrubar o sistema capitalista, por isso o EZLN recomenda trabalhar desde já para que daqui a 120 anos, sete gerações, as pessoas que vão nascer possam escolher livremente o seu futuro.
Não existem atalhos institucionais, nem partidaristas.
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O Ocidente em declínio persiste sendo o modelo. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU