06 Junho 2024
Se a dinâmica do campo de batalha vai dar o tom das negociações que envolvem o fim da guerra, o governo de Vladimir Putin está em ampla vantagem.
O artigo é de Caio Bugiato, professor de Ciência Política e Relações Internacionais na UFRRJ e no PPG em Relações Internacionais da UFABC, publicado por A Terra é Redonda, 04-06-2024.
O ano de 2024 não tem trazido boas notícias para as forças armadas ucranianas, para o governo de Volodymyr Zelensky e para o Ocidente e a OTAN. De acordo com o Institute for the Study of War nesse ano os russos avançaram cerca de 800 km2 no nordeste e no sul da Ucrânia. No nordeste as Forças armadas russas avançam para tomar completamente a região do Donbass e conquistar a integridade das províncias separatistas Donetsk e Luhansk.
Para além do Donbass, outro alvo russo na região é a cidade de Kharkiv, a segunda maior do país e centro industrial e energético. A tomada da cidade representaria não só perda territorial, mas também diminuição do potencial industrial da Ucrânia. Ao sul o objetivo russo é tomar integridade de província de Zaporizhzhia, sobretudo sua capital com o mesmo nome. Zaporizhzhia abriga a maior usina nuclear da Europa. Generais russos já falam em conclusão da primeira etapa da guerra: a libertação do Donbass e, acrescentamos, a conquista de uma faixa territorial – do nordeste ao sul – que liga essa região à Crimeia, anexada em 2014.
Do lado das forças ucranianas ocorrem grandes baixas de soldados nos combates, o governo adotou um processo de recrutamento mais rígido e a ajuda ocidental de 61 bilhões de dólares dos EUA, de 50 bilhões de dólares da União Europeia e outras inicitativas europeias ainda não se materializaram. O presidente Volodymyr Zelensky chegou a cancelar suas viagens ao exterior, diante das batalhas para conter a incursão de Moscou, o que revela o momento de defensiva. Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, em visita de dois dias a Kiev reiterou o apoio de seu governo a anunciou um pacote adicional de ajuda de 2 bilhões de dólares.
Se a dinâmica do campo de batalha vai dar o tom das negociações que envolvem o fim da guerra, o governo de Vladimir Putin, reeleito em março de 2024, está em ampla vantagem. Moscou já havia se pronunciado nesse sentido, no início da guerra, ao exigir neutralidade, desnazificação, desnuclearização e desmilitarização.
Isso significa, primeiro, que a Ucrânia adote um status geopoliticamente neutro e não entre na OTAN; segundo, banir os grupos neonazistas, em parte incorporados ao exército, que fustigam a população do Donbass; terceiro, abandone qualquer programa de armas nucleares; e quarto; limite o tamanho de suas forças armadas. Em 2023, Vladimir Putin declarou sua frustração com a sabotagem do Ocidente nas rodadas de negociações de paz que ocorreram em Istambul, na Turquia. E ainda alertou que se os ocidentais realmente querem o fim do conflito mediante negociações, precisam interromper o fornecimento de armas à Ucrânia.
Sobre as questões territoriais, se antes o Kremlin exigia a concessão de um status especial à região do Donbass, agora anuncia que as negociações devem reconhecer as atuais linhas do campo de batalha, decorrente na nova correlação de forças. A nomeação de um economista como ministro da defesa da Rússia, Andrei Belousov, em 13 de maio pode ser um sinal de que o governo de Vladimir Putin está disposto a um conflito prolongado.
O governo de Volodymyr Zelensky mantém como base para as negociações o que chama de 10 pontos para a paz, que podem ser resumidos da seguinte forma. A Rússia deve se retirar do território da central nuclear de Zaporizhzhia e ela deve ser transferida para Agência Internacional de Energia Atômica e para os ucranianos. A Rússia deve restaurar a integridade territorial da Ucrânia, inclusive a Crimeia. A Rússia deve retirar todas as suas tropas e formações armadas do território ucraniano e o controle ucraniano sobre todas as fronteiras com a Rússia deve ser restaurado.
É necessário organizar uma conferência internacional para estabelecer condições de segurança para a Ucrânia, no sentido de formar um Pacto de Segurança de Kiev (esse documento já existe e em geral solicita aos ocidentais recursos econômicos, políticos, militares e diplomáticos para fortalecer a capacidade defensiva de Kiev). Um documento que confirme o término da guerra deve ser assinado pelas partes. Estas são as condições ucranianas que devem se tornar base referencial de uma conferência de paz organizada pelo governo da Suíça, que acontecerá em meados de junho na região central do país europeu.
Os suíços pretendem construir “um entendimento comum entre os países participantes com o objetivo de alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia”. E para isso tiveram conversações com países do G7 e do Sul Global, como China, Índia, África do Sul, Brasil, Etiópia e Arábia Saudita. Menos com a Rússia. Moscou então classificou a conferência como inútil e fadada ao fracasso se não contemplar os interessas russos; e criticou a proposta por ser um esquema do Ocidente para procurar obter apoio internacional do Sul Global para a Ucrânia. O Kremlin ainda sinalizou novamente que pode entrar em negociações, mas que estas devem respeitar os interesses de segurança russos e refletir as novas realidades. Isto é, os europeus ainda não estão dispostos entender a dinâmica do campo de batalha.
Se russos e ucranianos sentarem à mesa, a resolução para a guerra é vista como o arranjo que dividiu as Coreias em 1973. Um armistício com uma zona desmilitarizada que tecnicamente não põe fim à guerra, mas estabelece uma trégua (de décadas) mediante a qual os dois lados continuam em tensão, com aproximações e distanciamentos. Contudo, uma resolução parece caminhar para o sentido que tem as Colinas de Golã. Os territórios tomados não são devolvidos, um acordo de armistício estabelece uma linha territorial de cessar-fogo e o reconhecimento internacional da nova situação fica suspenso, de modo então que as novas fronteiras sejam garantidas pela força.
China e Brasil assumem outra posição, de certa forma em resposta à conferência da Suíça. Pequim já havia apresentado seu próprio documento de 12 pontos, que estabelecia princípios gerais para o fim da guerra, mas não entrava em detalhes. À época o ministro das relações exteriores da Rússia Sergei Lavrov considerou o plano chinês o mais razoável até o momento. Vale destacar que recentemente, em maio de 2024, Sergei Lavrov se reuniu com o Xi Jinping em Pequim, em sinal de apoio recíproco e oposição compartilhada às potências capitalistas ocidentais e à OTAN, que operacionalizam a guerra na Ucrânia.
O Brasil, que já havia se disponibilizado a mediar e formar um grupo de negociação para paz, firmou com a China um pacto para resolução política do conflito. Assinado pelo assessor especial da presidência da república, Celso Amorim, e o ministro das relações exteriores chinês, Wang Yi, congrega 6 pontos, que reproduzimos na íntegra:
China e Brasil não vão à conferência europeia, por considerar a participação russa essencial para negociações de paz. Como visto, chineses e brasileiros apoiam a convocação de uma reunião internacional que seja reconhecida pela Rússia e pela Ucrânia, em que todas as partes possam participar igualmente e discutir todas as soluções de paz. Essa atitude foi criticada pelo governo de Volodymyr Zelensky, que acusou China e Brasil de estarem do lado do agressor.
Volodymyr Zelensky tem apenas a capacidade de fotografar o conflito, que para ele começou em 2022. É incapaz de enxergar, ou não quer, que o filme chamado por alguns de Nova Guerra Fria é mais complexo e longevo, mostra o imperialismo ocidental e revela uma possível transição de ordem mundial.
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O avanço russo na guerra na Ucrânia. Artigo de Caio Bugiato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU