16 Abril 2024
A medicalização da sociedade terapêutica tapa as interrogações. Tapa o pensamento. Tapa a ação. É o "como se nada" das autoridades universitárias diante do caso de suicídio, mas com outra linguagem.
O artigo é de Amador Fernández-Savater, pesquisador independente e ativista que vai e vem entre o pensamento crítico e a ação política, buscando sempre seu encontro. Editor da Aquarela Livros, dirigiu durante anos a revista Archipiélago e participou ativamente em diferentes movimentos coletivos e de base em Madri. É autor de Filosofia e ação (Editorial Limite, 1999) e coautor de Red Ciudadana tras el 11-M: cuando el sufrimiento no impide pensar ni actuar (Acuarela Livros, 2008), publicado por CTXT, 09-03-2024.
Uma garota se joga no vazio do 12º andar da Faculdade de Geografia e História da Universidade Complutense, de Madri. A decania decide continuar as aulas como se nada tivesse acontecido, supostamente aconselhada por uma equipe de psicólogos. As aulas continuam e são tiradas anotações enquanto o corpo da garota é retirado. Seus colegas e outros estudantes protestam, conseguem interromper o silêncio.
Quem pensa que o melhor, quando algo assim acontece, é reproduzir a normalidade e não falar? Negar a palavra, a troca de palavras, justamente o que pode curar algo, como sabemos desde Freud. Essa garota decidiu tirar a própria vida logo pela manhã no lugar onde estudava, não há nada para se pensar a respeito disso? Continuar como se nada tivesse acontecido é não responder de forma alguma ao seu gesto. Não acolhê-la de maneira alguma. Reduzi-la a nada pela segunda vez.
A Faculdade de Geografia e História foi minha durante muitos anos como estudante, mas não me lembro de nada parecido. Os tempos mudaram muito desde então, de forma rápida e imperceptível. A pressão neoliberal pelo desempenho transformou nossas sociedades profundamente. Adolescentes e jovens falam hoje sobre sintomas, medicações e terapias com total naturalidade, assim como em outros tempos falávamos sobre cigarros de maconha, motos e roupas.
A normalidade não é nenhum refúgio que deva ser protegido, mas exatamente o ninho da serpente. O que deve ser interrogado e pensado radicalmente. Infelizmente, o "negacionismo" de tudo o que é disruptivo, dos sinais de dano psíquico, social ou ambiental, não é apenas um atributo da extrema-direita, mas transversal a todas as ideologias políticas. Uma questão de sensibilidade, não de ideias.
Aprenderemos a ver e a ler esses sinais? A parar com o maldito "como se nada" da normalidade mortífera para pensá-los juntos e nos responsabilizarmos?
Precisamos mudar o mundo, não que nos mediquem para suportá-lo - Grafite
Os chamados problemas de saúde mental atravessaram a barreira do som com a pandemia e começaram a ser audíveis publicamente na sociedade. Durante muitos anos, diversos autores, grupos e movimentos pensaram na extensão do mal-estar psíquico e emocional em paralelo com a transformação neoliberal do mundo, dando o alarme. Agora foi criado um novo cargo no Ministério da Saúde, o Comissariado de Saúde Mental, com o objetivo de "diminuir o sofrimento na sociedade".
As declarações de Belén González, a primeira comissária, são impressionantes. Pelo que ela aponta e por sua análise. Onde só se veem problemas de saúde mental, ela convida a pensar uma questão política e social. É uma mudança decisiva de perspectiva. O que é rotulado como mal-estar psíquico está relacionado com a precarização da moradia e do trabalho, dos laços e afetos, da própria existência.
O mal-estar não é algo que deva ser "curado" às pressas e de qualquer maneira, mas primeiro interrogado. Não se trata simplesmente de contê-lo ou aliviá-lo, mas de ouvi-lo e acompanhá-lo. Porque o mal-estar fala, nos fala, está nos falando da necessidade de mudar as condições de vida. É um sinal de que algo está errado na organização da vida coletiva.
"Não é depressão, mas deserção", diz Franco Berardi (Bifo). O que é classificado como problema de saúde mental é um protesto silencioso contra o estado das coisas. Não estamos deprimidos, mas em greve. Uma greve de um novo tipo, existencial, humana, que ainda não encontra sua forma política, sua maneira de se compartilhar.
A medicalização da sociedade terapêutica tapa a pergunta. Tapa o pensamento. Tapa a ação. É o "como se nada" das autoridades universitárias diante do caso de suicídio, mas com outra linguagem.
O que temos que curar? Não sei com precisão, mas pelo menos isso em primeiro lugar: a doença de querer curar - Jean-François Lyotard
As abordagens de Belén González, que retomam outras como as que Guillermo Rendueles vem expondo há décadas, me parecem impecáveis em termos de "economia política": a precarização, a exploração e a atomização social resultantes como causas objetivas do sofrimento.
Proponho agora complementar essa abordagem com uma análise "em economia libidinal". O que isso significa? Pensar na dimensão desejante, psíquica e emocional de nossa sociedade. Perguntar pela relação entre capitalismo e desejo. As causas subjetivas do mal-estar.
Como as coisas aparecem, como experimentamos a vida, o que nos faz vibrar? O mal-estar também tem a ver com uma relação com o mundo. Com a internalização das lógicas de desempenho e competição. Não somos apenas vítimas passivas ou inocentes da vida-mercado, mas também seus agentes ativos e entusiastas.
Hoje, o mandato de produtividade passa para dentro. Para dentro de quê? De nós mesmos. Cada um de nós reproduz o sistema que nos prejudica ao nos tomarmos como capital humano a ser gerenciado: capital-corpo, capital-erótico, capital-imagem, capital-visibilidade, capital-relações, capital-contatos, capital-projetos, capital-ideias, capital-saúde e capital-capacidades.
A pressão pelo desempenho e pela competição nos faz vibrar. A demanda por hipercomunicação e hiperexpressividade encontra eco em nós. O mandato de produtividade se baseia em nossos ideais de perfeição e controle, em nossos ideais de eu. Por isso, há também pessoas com bons salários que sofrem psiquicamente e emocionalmente, como analisa David Graeber em seu Bullshit Jobs.
O movimento do capital, como analisa Marx, busca sempre expansão: sempre mais produtividade, desempenho e competitividade, independentemente do bem-estar, satisfação e felicidade dos sujeitos. Nessa lógica autônoma, os territórios, os recursos e as populações aparecem como imensas zonas de sacrifício. Zonas a serem devastadas e consumidas em prol do imperativo insaciável do lucro.
Nós mesmos, quando nos identificamos intimamente com o capital, também obedecemos a essa lógica de sempre-mais. E nosso próprio corpo então aparece como uma zona de sacrifício. Sacrifício dos laços e afetos, da satisfação e felicidade, do repouso e descanso na busca insensata pelo benefício, exigência e autoexigência, culpa e dívida.
Nossos pais e avós sacrificaram o corpo através da repressão disciplinadora e autoritária. Hoje o fazemos através da mobilização total, otimização e maximização, gestão empresarial de si mesmo e marca pessoal. Uma renúncia ao corpo - a suas inclinações, ritmos e altos e baixos próprios - não mais por repressão e negação, mas por aceleração e autoaperfeiçoamento permanente. A academia envidraçada como novo altar público da lógica sacrificial.
É ridículo considerar nossa sociedade como "hedonista" quando ela absolutamente desconhece o prazer como gratificação e recompensa que se basta a si mesma. O consumo - o único prazer que se conhece - é a compensação de uma vida amputada, sem projeto ou sentido próprios, submetida ao desejo do Outro, ao imperativo de desempenho e competição. Uma compensação que, como sabemos bem por experiência, não acalma, não aplaca, não satisfaz nada. A insatisfação é estrutural. Um poço sem fundo.
Para acabar com a massacre do corpo - Félix Guattari
Como desfazer o nó da produtividade? Como deixamos de nos identificar e vibrar com os imperativos de sempre-mais? Como sair da lógica do sacrifício?
Desfazer o nó da produtividade depende da melhoria das condições objetivas: salários e renda, condições e espaços de trabalho, tempo e recursos. Mas também depende de uma mudança do desejo. Primeiro um desapego do mandato de desempenho, depois a instauração de outra relação com o mundo, uma nova experiência de vida.
Seria necessário voltar a pensar Marx com Freud, Freud com Marx, retomar o diálogo entre política e psicanálise. Sem Marx, sem crítica da economia política e lutas sociais, a psicanálise se torna adaptativa: minimização de danos através da aprendizagem pessoal de outra relação com o mundo. Sem Freud, sem crítica da economia libidinal e lutas pelo desejo, a política acaba prescindindo dos sujeitos e retornando ao ponto de partida, incapaz de mudança qualitativa.
Politizar o mal-estar é uma bela consigna, mas um caminho difícil. O mal-estar é ao mesmo tempo íntimo e comum. A pressão pelo desempenho se inscreve em cada corpo de maneira diferente, dependendo de sua história particular, de sua biografia psíquica, de suas feridas e cicatrizes pessoais. A "classe" dos sintomáticos nunca existirá como bloco homogêneo e identitário, apenas como trama complexa de corpos e vozes singulares. Uma conversa entre diferentes, uma configuração de únicos, uma banda de solistas.
Freud chamava "sublimação" ao saber-fazer com os males íntimos. Em vez de sofrer o sofrimento de forma isolada, ser capaz de elaborar algo comum e compartilhado a partir dele (uma obra de arte, por exemplo). Mas ele estava errado ao atribuir essa faculdade apenas a alguns artistas geniais. Qualquer um pode, e também em coletivo. É possível pensar a politização do mal-estar como um trabalho de sublimação ao mesmo tempo íntimo e comum: sair do sofrimento individual, encontrar-se e elaborar o mal-estar como energia de transformação.
Politizar o mal-estar começa por uma pergunta: O que (nos) está acontecendo? Uma pergunta que interrompe os automatismos, em primeiro lugar o automatismo do silêncio, da normalidade onde reside o mandato de desempenho e competição. E continua com uma conversa, um espaço-tempo de elaboração coletiva a partir do mais singular e do mais próprio, do corpo e da vida danificados. Para ler juntos os sinais e nos responsabilizarmos.
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O corpo como zona de sacrifício; economia política e libidinal do mal-estar. Artigo de Amador Fernández-Savater - Instituto Humanitas Unisinos - IHU