04 Janeiro 2021
São, em sua maioria, mulheres jovens as principais vítimas de um aumento acentuado dos suicídios no Japão. O que influencia o recrudescimento desse fenômeno – que infelizmente continua flagelando especialmente as gerações mais jovens – é o advento da Covid com a sua carga de ansiedade e a crise econômica, embora as razões não possam ser limitadas apenas ao drama do coronavírus e à recessão.
A reportagem é de Massimo Succi, publicada por Servizio Informazione Religiosa (SIR), 29-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Trata-se de um drama já apontado pelo Papa Francisco durante a sua viagem ao Japão em novembro de 2019, quando ele havia chamado os bispos japoneses e toda a comunidade católica do país a assumi-lo, com o forte convite “a criar espaços nos quais a cultura da eficiência, da performance e do sucesso possa se abrir à cultura de um amor gratuito e altruísta, a fim de oferecer a todos, e não só aos que ‘chegaram lá’, a possibilidade de uma vida feliz e bem-sucedida”.
“Mesmo que, pouco a pouco, está surgindo o caminho para enfrentar essa doença infecciosa, a sensação de estar na escuridão não cessa. Vivemos na angústia. Toda a sociedade parece estar abandonada na escuridão do coronavírus.” Essas são as palavras do arcebispo de Tóquio, Dom Tarcisio Isao Kikuchi, que, dialogando com os fiéis, refletiu sobre a situação atual e acrescentou: “Precisamos de alguém que anuncie a luz da vida que resplandece nas trevas, uma voz que indique o caminho a seguir”.
Era um desejo para o seu país, onde, à luz das intervenções realizadas pelo governo, que investiu muito na prevenção e na proteção da saúde, as expectativas sobre a vacina contra a Covid continuam muito altas.
O plano de medidas extraordinárias de 73,6 bilhões de ienes (3,71 bilhão de reais), aprovado pelo Executivo no início de dezembro, não parece ser suficiente, pelo menos por enquanto, para desacelerar mais cedo ou mais tarde os efeitos deletérios e dolorosos do vírus e, com isso, as ansiedades geradas pela pandemia.
A tendência dos contágios continua em constante ascensão, tanto que, segundo os especialistas, o Japão já teria ultrapassado o pico da “segunda onda” de meados do ano e já teria entrado na terceira onda, com consequências nefastas para o sistema de saúde, a economia e o emprego, que caiu para mínimos históricos.
Nesse contexto, por si só já complicado, veio à tona novamente, com toda a sua crueza, outro problema igualmente grave quanto o do coronavírus e da recessão econômica: o drama dos suicídios. Um flagelo com o qual o Japão foi forçado a lidar há décadas já.
A notícia dos 2.153 suicídios em outubro, que ultrapassaram de uma vez só o número total de mortes no Japão pela Covid-19 desde o início da pandemia e até aquele mês, causou estupor, também na imprensa internacional. Após o pico de 2003, com cerca de 34 mil vítimas, o número de pessoas que decidiram tirar a própria vida, infelizmente, manteve níveis elevados e preocupantes durante muitos anos.
Apenas nos últimos 10 anos, registrou-se uma ligeira mas constante tendência de queda, até cair, em 2019, para menos de 20 mil pessoas. Uma queda que continuou até junho de 2020, quando a Covid-19 começou a atingir corpos e mentes.
A partir de julho, o número de suicídios voltou a subir, registrando um recorde em outubro. Situação confirmada também em novembro, com um pico de 1.789 suicídios (+11% em comparação com o mesmo mês do ano anterior), registrando, de janeiro a novembro, um total de 19.101 vítimas.
Ao contrário do passado, os suicídios em tempos de Covid foram praticados principalmente pelas mulheres, especialmente jovens. De acordo com as pesquisas mensais da Agência Nacional de Polícia do Japão, no mês de outubro os suicídios femininos aumentaram cerca de 80% em comparação com o mesmo mês de 2018.
Sem falar das gerações mais jovens. O documento sobre as contramedidas ao suicídio, elaborado pelo governo no fim de outubro, destacou que, apesar da diminuição do número total de suicídios em relação a 2019, os jovens ainda são a faixa etária mais atingida e marcada por esse triste fenômeno.
“O suicídio – afirma o documento do governo – é a principal causa de morte na faixa etária entre os 15 e os 39 anos.” Números impressionantes que fazem do Japão o único país com essa primazia singular entre os países membros do G7.
Foram muitas as medidas decididas e implementadas pelo governo para tentar conter o fenômeno: desde a tentativa de humanizar a organização do trabalho à criação de estruturas de saúde específicas para apoio psicológico. Iniciativas de larga escala que têm obtido bons resultados, principalmente na faixa etária adulta e idosa.
Posteriormente, apostou-se no desenvolvimento de centros de escuta e de consultoria telefônica e, através das mídias sociais, também na intensificação da formação de voluntários dedicados e na organização de atividades de sensibilização nas escolas.
A ansiedade gerada pelo coronavírus e as inevitáveis consequências econômicas sobre a população japonesa certamente influenciaram a nova onda de suicídios que atingiu o Japão nos últimos meses. No entanto, é certo que existem razões ainda mais profundas por trás dessa chaga que afeta o país do Sol Nascente há anos.
Nunca como nos últimos tempos voltam à mente e continuam sendo de extrema atualidade as palavras proferidas há pouco mais de um ano pelo Papa Francisco durante a sua visita pastoral ao Japão em novembro de 2019. “Diversos flagelos – dizia o papa ao seu encontrar com os bispos japoneses – ameaçam a vida das pessoas das suas comunidades, que são marcadas, por vários motivos, pela solidão, pelo desespero e pelo isolamento. O aumento do número de suicídios em suas cidades, assim como o bullying e várias formas de autoexigência, estão criando novos tipos de alienação e desorientação espiritual. Como tudo isso afeta sobretudo os jovens!”
Não por acaso, naquela oportunidade, o Papa Francisco havia lançado um forte convite à criação de espaços nos quais “a cultura da eficiência, da performance e do sucesso possa se abrir à cultura de um amor gratuito e altruísta, capaz de oferecer a todos, e não só aos que ‘chegaram lá’, a possibilidade de uma vida feliz e bem-sucedida”.
Por isso, na sua viagem pastoral, o Papa Francisco, dirigindo-se sobretudo à pequena comunidade católica do Japão, recordou e sublinhou várias vezes que “proteger cada vida e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem opostas: elas se referem e se exigem mutuamente. Ambas pedem atenção e vigilância em relação a tudo o que hoje impede o desenvolvimento integral de cada pessoa que vocês confiam à luz do Evangelho de Jesus”.
“Como acontecerá isso?”, perguntou o pontífice ao se despedir do Japão, ao término da sua viagem, dirigindo-se aos cerca de 500 mil fiéis da comunidade católica, o equivalente a apenas 0,35% de uma população de cerca de 127 milhões de habitantes. Uma pergunta à qual ele mesmo foi o primeiro a dar uma resposta, cheia de fé e de esperança: “Nada é impossível para Deus”.
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Japão: o drama dos suicídios em tempos de Covid e crise econômica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU