Sem a Eucaristia, parece óbvio: não existe Igreja Católica. Alimenta-nos como comunidade de crentes e transforma-nos no corpo de Cristo ativo no mundo de hoje. Mas de acordo com a teologia católica, não podemos ter a Eucaristia sem sacerdotes.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 07-03-2024.
Segundo ele, "nem é permitir que os padres se casem simplesmente para torná-los mais felizes. Para a Igreja Católica é uma questão de saber se vamos ter a Eucaristia ou não. Na Última Ceia, Jesus disse: “Fazei isto em memória de mim”. Ele não disse: “Sejam celibatários”.
Eis o artigo.
Infelizmente, em muitas partes do mundo existe uma fome eucarística, precisamente porque não há sacerdotes para celebrar a Eucaristia. Este problema já se arrasta há décadas e só está piorando. No ano passado, o Vaticano informou que, embora o número de católicos em todo o mundo tenha aumentado 16,2 milhões em 2021, o número de padres diminuiu 2.347. Como resultado, havia em média 3.373 católicos para cada padre no mundo (incluindo padres reformados), um aumento de 59 pessoas por padre.
O Centro de Pesquisa Aplicada ao Apostolado – CARA - relata que em 1965 havia 59.426 padres nos Estados Unidos. Em 2022, eram apenas 34.344. Durante praticamente o mesmo período, o número de católicos aumentou para 72,5 milhões em 2022, de 54 milhões em 1970. Os padres também estão envelhecendo. Em 2012, um estudo da CARA descobriu que a idade média dos padres subiu para 63 anos em 2009, de 35 em 1970. Quando um provincial jesuíta, o diretor regional da ordem, disse aos jesuítas num asilo de idosos, não muito tempo atrás, que havia uma espera na lista para entrar, um residente respondeu: "Estamos morrendo o mais rápido que podemos."
Em muitas áreas rurais dos Estados Unidos, os padres já não trabalham nas paróquias, mas simplesmente visitam as paróquias uma vez por mês ou com menos frequência. Em 1965, havia apenas 530 paróquias sem padres. Em 2022, eram 3.215, segundo CARA.
Todos esses números só vão piorar.
No início da década de 1980, o arcebispo de Portland, Oregon, veio a uma paróquia rural para lhes dizer que não teriam mais padre e que na maioria dos domingos teriam um culto bíblico, não uma missa.
Um paroquiano respondeu: “Antes do Concílio Vaticano II, você nos disse que se não fôssemos à missa no domingo, iríamos para o inferno. Depois do Concílio, você nos disse que a Eucaristia era fundamental para a vida da Igreja. Agora você está nos dizendo que seremos como qualquer outra igreja em nosso vale”.
Muitos bispos americanos tentaram lidar com a escassez importando padres estrangeiros para as paróquias, mas as estatísticas do Vaticano mostram que o número de padres em todo o mundo também está a diminuir. As novas regras de imigração dos EUA também irão tornar mais difícil a contratação de padres estrangeiros nos Estados Unidos.
A hierarquia católica simplesmente ignorou a solução óbvia para este problema durante décadas. Sob os Papas João Paulo II e Bento XVI, a discussão sobre padres casados foi proibida. Os líderes da hierarquia tendiam a viver nas grandes cidades, onde a escassez tinha menos impacto do que nas zonas rurais. Mesmo o Papa Francisco, que expressou o seu respeito pelo clero casado nas igrejas católicas orientais, não respondeu positivamente quando os bispos reunidos no sínodo para a região pan-amazônica votaram 128-41 para permitir que diáconos casados se tornassem sacerdotes. Na recente reunião do Sínodo sobre a sinodalidade, a questão dos padres casados quase não foi mencionada.
A diminuição do número de vocações tem muitas explicações, dependendo de a quem se pergunta. Os conservadores culpam as reformas decorrentes do Concílio Vaticano II.
Certamente, o Concílio enfatizou a santidade do casamento e a vocação dos leigos. Os padres pareciam menos especiais depois do concílio. Antes do concílio, apenas um sacerdote poderia tocar a hóstia consagrada. Hoje, os ministros leigos da Comunhão fazem-no em quase todas as missas.
Contudo, os sociólogos observam que as vocações diminuem quando as famílias têm menos filhos e quando as crianças têm maiores oportunidades educacionais e de emprego.
Assim, numa família com apenas um ou dois filhos, os pais preferem os netos a um filho sacerdote. E, no passado, os padres eram as pessoas mais instruídas da comunidade e, portanto, tinham um grande estatuto. Hoje, as paróquias podem ter muitos advogados, médicos e outros profissionais, e ser padre não confere o estatuto de antes.
Aqueles que apontam para o aumento contínuo das vocações em África e na Ásia precisam de ouvir os sociólogos. Já existem menos vocações nas áreas urbanas da Índia, onde as famílias têm menos filhos e há mais oportunidades de educação disponíveis. África e Ásia não são o futuro da igreja. Eles são simplesmente mais lentos em acompanhar a modernidade.
O anticlericalismo também impactou as vocações, primeiro na Europa e agora na América. Os padres não são mais respeitados universalmente. Muitas vezes são ridicularizados e desprezados. Ser padre é contracultural.
Apesar disso, ainda existem muitos católicos que estão dispostos a assumir esta vocação. As pessoas estão sendo chamadas ao sacerdócio, mas a hierarquia diz não porque aqueles que se sentem chamados são casados, gays ou mulheres. Uma pesquisa de 2006 realizada por Dean Hoge descobriu que quase metade dos jovens envolvidos no ministério católico em campus universitários "consideraram seriamente" o ministério como padre, mas a maioria também queria se casar e constituir família.
Ter um clero casado não resolverá todos os problemas da igreja, como podemos ver nas igrejas protestantes. Os ministros casados estão envolvidos em abusos sexuais, têm vícios e podem ter as mesmas afetações clericais que qualquer padre celibatário. Mas todos os empregadores lhe dirão que se você aumentar o número de candidatos para um emprego, a qualidade da contratação aumentará.
Nem é permitir que os padres se casem simplesmente para torná-los mais felizes. Para a Igreja Católica é uma questão de saber se vamos ter a Eucaristia ou não. Na Última Ceia, Jesus disse: “Fazei isto em memória de mim”. Ele não disse: “Sejam celibatários”.
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