19 Dezembro 2023
"A condenação de Becciu marca a vitória da linha de rigor financeiro iniciada por Pell, o histórico oponente do cardeal da Sardenha. Do céu o cardeal australiano estará observando tudo com grande satisfação". É a amarga constatação de um alto prelado do Vaticano, poucas horas depois da sentença que infligiu ao prelado de Pattada, antigo poderosíssimo número três da Santa Sé, cinco anos e meio prisão com interdição perpétua para o exercício de cargos públicos e multa de 8.000 euros. Foi reconhecido culpado de dois peculatos e uma fraude agravada no âmbito da gestão dos fundos da Secretaria de Estado e a compra-venda do prédio de Londres. Ontem à noite no Tg1 Mario Becciu declarou: “Meu irmão é inocente, o Tribunal não quis desmentir uma decisão já tomada pelo Papa”.
A reportagem é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 18-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
George Pell, falecido em 10 de janeiro passado aos 81 anos, era o prefeito do Secretaria da Economia (Spe), portanto foi o primeiro "ministro das finanças" vaticanas de Francisco, com a tarefa de supervisionar as contas da Santa Sé. Arrolado entre os conservadores, Pell foi um grande protagonista dos novos equilíbrios das finanças do Vaticano desenhados por Francisco. Os pilares foram listados pelo Cardeal Óscar Rodríguez Maradiaga, de 2013 a 2023\coordenador do C9, o Conselho dos Cardeais: “Sobriedade”, sem tocar na caridade; um código de licitações para bloquear as “pistas preferenciais" reservadas para os "amigos"; e depois a centralização dos investimentos, que devem ser avaliados pela Spe. Um plano de reforma para evitar escândalos financeiros que se tornou terreno de confrontos entre as diferentes correntes nos Sagrados Palácios.
O alto prelado australiano afirmou que a Secretaria de Estado se opôs aos controles: “Becciu (na época substituto para Assuntos Gerais, ndr) dizia que não tínhamos autoridade para entrar. Isso era falso, mas eles nos impediram". Pell acreditava que haveria condições para salvar o Vaticano do buraco de mais de 200 milhões de euros que emergiu do processo: “O Santo Padre me disse: o senhor afirmou muitas coisas certas".
Para decifrar o presente e o futuro dos cofres do Vaticano, é de suma importância o que o Pontífice escreveu numa carta ao pessoal da Spe algumas horas antes da sentença de Becciu.
Ele fala de prevenção para evitar “recair nos erros do passado que todos conhecemos”. O Bispo de Roma pede “a lealdade para dizer não quando o que lhes é representado ou vocês encontram nos controles trai a missão, quando o interesse individual de alguns prevalece sobre aquele coletivo, quando as regras são violadas ou artificialmente contornadas para perseguir finalidades estranhas àquelas da Santa Sé e da Igreja”. Olhando para trás e “constatando a situação atual, não posso deixar de ver o grande progresso que foi feito." E lembra a obra realizada primeiro por Pell e depois pelo Padre Juan Antonio Guerrero. Mas o que “foi feito não deve nos fazer pensar que o caminho das reformas econômicas está concluído. Pelo contrário, recém começou”, garante o Papa. Bergoglio sabe que “a Santa Sé regista todos os anos um déficit significativo. Toda a organização é para a missão e as fontes de financiamento são limitadas. Mas sabemos que quando se tem um déficit, isso significa que uma parte do patrimônio está erodida e isso compromete o futuro. Aqui está a razão pela qual é necessária uma inversão de tendência." Para conseguir isso, “precisaremos de novas competências, novas pessoas, mas também pessoas renovadas no espírito e no profissionalismo".
Uma delas é dom Giordano Piccinotti, salesiano, que há dois meses é o sucessor de monsenhor Nunzio Galantino – outro grande protagonista da renovação de Francisco – como presidente da APSA. É o órgão para o qual o Papa transferiu o cofre, colocando os fundos da Secretaria de Estado, pondo assim fim à plena autonomia econômica que durava há décadas.
E o IOR? Entre os vários pontos da sentença, o Tribunal do Vaticano ordenou que todos os ressarcimentos deverão ser depositados em conta especial aberta no IOR. Trata-se da primeira aplicação, ordenada por um Tribunal, sobre a obrigatoriedade da centralização dos recursos da Santa Sé e das instituições ligadas, no IOR, conforme disposto pelo Papa. O depósito dos ressarcimentos numa conta do IOR também havia sido, entre outras coisas, solicitado pelo advogado Roberto Lipari, do escritório Dentons, que defendeu o IOR como parte civil no processo.
O outro novo nome é o sucessor de Pell e Guerrero: um leigo, Maximino Caballero Ledo, prefeito do Dicastério há um ano. O Papa Francisco reitera continuamente aos seus colaboradores: “Para a Igreja começou o tempo da transparência".
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Rigor vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU