02 Novembro 2023
“Este Sínodo, em qualquer caso, é o Sínodo do silêncio”. Sentado diante de um cappuccino à mesa de um conhecido bar do Borgo, bairro fronteiriço com o Vaticano onde se comentam interminavelmente as decisões dos papas, este funcionário da Cúria Romana suspira. Poucos dias antes, ao entrar no grande salão Paulo VI, onde aconteceu a primeira sessão de um grande encontro sobre o futuro da Igreja durante o mês de outubro, o Papa Francisco foi claro com os 364 membros presentes: eles deverão observar, durante um mês, um certo “jejum de falar em público”.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix Internacional e republicada por Il Sismografo, 31-10-2023.
O silêncio dos padres e mães sinodais, convocados a Roma após uma consulta de dois anos, foi imediatamente estabelecido como uma lei férrea. Uma forma de garantir a liberdade de expressão e reduzir a pressão mediática sentida, segundo ele, em reuniões anteriores de bispos, na Amazônia ou na família.
“O que mais me surpreende é que ainda há jornalistas”, irrita um bispo africano que se deparou com uma noite organizada nas alturas de Roma, à margem do Sínodo. Apesar da sessão fechada, La Croix falou durante o mês de outubro com cerca de trinta participantes, leigos e cardeais, homens e mulheres, bispos e teólogos.
Ao entrarem na grande sala Paulo VI, nesta quarta-feira, 4 de outubro, os 365 membros (364 participantes, mais o Papa Francisco) do Sínodo sobre a sinodalidade foram surpreendidos. Nesta imensa sala, que acolhe todos os invernos as audiências semanais do Papa, milhares de fiéis costumam reunir-se para conhecer o sucessor de Pedro. Mas esta manhã, as filas de cadeiras foram substituídas por mesas redondas – 35 no total – rodeadas por uma dúzia de lugares.
Entre os sessenta cardeais presentes, alguns têm vários Sínodos a seu favor. Normalmente, sentam-se na primeira fila da chamada sala “Sínodo” (situada no piso superior), enquanto os bispos tomam os seus lugares atrás deles, e atrás deles, os leigos e religiosos, por vezes convidados e sem direito a voto. Desta vez tudo mudou. O papa convidou 96 não-bispos entre os que perambulam pelas mesas em busca de seu lugar, incluindo 54 mulheres. Uma revolução.
Durante um mês, é em torno destas mesas, sinal de igualdade entre todos, que se sentam tanto durante os trabalhos de grupo como para ouvir as intervenções nas sessões plenárias. Falam de temas tão delicados como a governação, o lugar dos leigos, o das mulheres ou mesmo a evangelização das terras de missão. A regra, imposta pelos organizadores, compostos em grande parte por membros da espiritualidade jesuíta, como a francesa Nathalie Becquart ou o cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, consiste em partir sempre da experiência pessoal.
“Você pode realmente dizer o que pensa porque sabe que não será atacado pela pessoa à sua frente”, explica um bispo. Mas outros são menos entusiasmados e queixam-se de um método demasiado rígido, até infantilizante. À volta das mesas, as trocas são francas, mas nunca entram em debates teológicos. Numa mesa de língua italiana, para as sessões plenárias, encontramos o Arcebispo de Moscou, o chefe da Igreja Greco-Católica da Ucrânia, o cardeal italiano Matteo Zuppi, o jesuíta Antonio Spadaro ou o cardeal alemão, muito crítico de Francisco, Cardeal Müller.
Este último discípulo de Joseph Ratzinger será também o único a usar, ao longo da obra, a batina e o boné vermelho, enquanto todos os restantes participantes terão deixado cair os sinais distintivos da sua ordem. Aqui, nos deparamos com um cardeal de camisa, ali, o superior de uma ordem religiosa de camiseta. O Cardeal Müller também foi o único a aparecer na televisão desde o início dos trabalhos. Os seus compatriotas, empenhados no seu próprio “caminho sinodal”, e para alguns muito mais liberais, são muito mais discretos, desiludindo aqueles que previam que seriam o centro de todas as atenções.
Nesta sexta-feira, 13 de outubro, Luca Casarini acompanha o ritmo das canções cantadas pelo coral da Pontifícia Universidade Urbaniana diante do púlpito de São Pedro. Esta manhã, esta figura da Mediterranea Saving Humans, ONG que resgata migrantes no mar, participou, com outros membros do Sínodo, na missa celebrada pelo cardeal congolês Ambongo. Sob os altos tectos da basílica, a celebração é animada pelos representantes africanos presentes em Roma, como o foi na semana anterior pelos orientais e na semana seguinte pelos asiáticos. Este Sínodo, sem dúvida, é o do encontro de culturas... que às vezes se transforma em choque. Uma encruzilhada geográfica que desperta a consciência na sala: a Igreja deslocou-se para o Sul.
E se a confirmação era necessária, ela veio das estatísticas publicadas pelo Vaticano em pleno Sínodo: em 2022, o número de católicos aumentou em todo o mundo... excepto na Europa. “A Europa nada mais é do que um minúsculo ponto”, reconhece um cardeal europeu. Enquanto outro, o cardeal austríaco Christoph Schonborn, admitiu à imprensa: “A Europa já não é o principal centro da Igreja”. Naquela mesma manhã, o cardeal birmanês Charles Bo disse-o claramente: “Acolhemos com optimismo o apelo lançado à Ásia para que, inspirado no caminho sinodal da Igreja mundial, este continente se torne o século XXI de Cristo”. As coisas nunca foram ditas tão claramente.
No dia 16 de outubro, a voz de um padre ergueu-se na aula sinodal: “Lamento não ser mulher”. Na sala, sorrisos aparecem nos rostos, dependendo das traduções nos fones de ouvido. Esta segunda-feira, o assunto é precisamente o reconhecimento das mulheres, muitas das quais sublinham que constituem bem mais de metade das assembleias dominicais. Com exceção deste padre que fez sorrir a assembleia, todos os grupos de trabalho daquele dia escolheram uma mulher como relatora.
O lugar da mulher é um dos grandes temas do Sínodo. Não só porque 54 delas se inscreveram, pela primeira vez, entre os bispos, mas porque este tema emergiu, nomeadamente através da questão do diaconado feminino, abertamente debatida. Alguns bispos ousam até falar de mulheres sacerdotes. Um debate inimaginável há alguns anos.
Sentado à mesa presidencial, o Papa escuta, toma algumas notas, intervém pouco. Um dos seus raros discursos foi tornado público pelo Vaticano: recordou o carácter “feminino” da Igreja e castigou as “atitudes machistas e ditatoriais” de certos padres consumidos pelo “clericalismo”.
Na sala Paulo VI, um bispo reconhece isto: “Não falamos da mesma forma quando as mulheres estão no grupo”. Pela sua simples presença, as religiosas e os leigos parecem realmente ter mudado o clima dos debates. “A realidade entrou na sala”, resume um prelado europeu.
Mas a realidade emerge também através dos testemunhos, que repetidamente suscitam aplausos na sala, como o deste leigo que descreve a perseguição a que os católicos são sujeitos no seu país. Ou depois da história desta jovem americana de origem polaca cuja irmã, disse ela enquanto chorava, suicidou-se, sentindo-se culpada por ser lésbica.
Esta abordagem irrita alguns participantes, incluindo teólogos, que se sentem frustrados com esta primazia concedida, segundo eles, à “emoção”. Não evita tensões e resistências. O termo “LGBT” desaparece do relatório final, sendo substituído pelos termos “identidade de gênero e orientação sexual”. E a proposta de ordenar mulheres diáconas é fortemente contestada.
“O que vou dizer quando chegar em casa?”. No meio da sala Paulo VI, o Arcebispo de Milão, Dom Mario Delpini, expressa em voz alta o que muitos pensam silenciosamente. O que podemos dizer deste mês romano onde, basicamente, pouco foi decidido? Ao longo das semanas, no âmbito do Sínodo, surgiu a ideia de que o relatório final não conteria “nada”.
Nada decisivo, em qualquer caso. Nenhuma destas decisões que alguns desejam ardentemente e outros temem, sobre as mulheres diáconas, a bênção dos casais do mesmo sexo ou o celibato dos sacerdotes. O importante, disseram na sala, era nos encontrarmos e conversarmos. Adotar uma cultura de debate, um pouco mais democrática. “É um relatório de progresso”, insiste um teólogo. Outro especialista analisa: “É uma espécie de inventário da Igreja Católica, dos seus pontos fortes e dos seus pontos fracos no mundo de hoje”.
A última semana traz de volta questões sobre este Sínodo. Ainda é um Sínodo dos Bispos? E que autoridade real ele pode ter? As perguntas, feitas inicialmente por alguns líderes orientais, ofendidos pela presença de leigos, tornam-se agora mais pronunciadas. Perguntas que obrigam o Cardeal Mario Grech, Secretário Geral do Sínodo, a fazer um esclarecimento final na quarta-feira, 25 de outubro.
O Papa convocou esta reunião de acordo com as regras que ele próprio estabeleceu, resume o cardeal maltês. Ele tem, portanto, toda a autoridade, continua nesta intervenção, cuja transcrição será retransmitida a todos os membros do Sínodo. Essa reformulação abriu o exame do texto do relatório final, marcado por mais de 1.000 alterações. Depois de três horas e meia de leitura em voz alta, sábado, 28 de outubro, o relatório final foi aprovado e aplaudido.
Na hora de voltar para casa, quantos se lembraram das palavras de uma das grandes vozes do Vaticano II, o cardeal Paul-Émile Léger, em 1963, após a primeira sessão do Concílio? “Chegaremos em casa de mãos vazias”, escreveu ele então. No entanto, ocorreu um grande acontecimento na Igreja: é impossível pensar num regresso ao status quo. (…) O Santo Padre acredita que tudo estará terminado no Natal de 1963. “A grande questão que nos colocamos é esta: Ele ainda estará lá?”.
Uma pergunta feita também, em privado, por um bom número de participantes, que regressarão a Roma em outubro de 2024 para a segunda parte deste Sínodo: depois desta primeira etapa, ocorrerá a mudança de cultura? Francisco irá até o fim?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sínodo do Vaticano. O mês em que o Papa Francisco quis mudar a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU