07 Outubro 2023
“Mais uma vez, nenhum país do mundo protege totalmente os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, diz-nos o relatório do Índice Global de Direitos. Nada de novo aqui, uma vez que isso já acontecia no relatório de 2022, e em todos os relatórios que o precederam. O neoliberalismo não tem ‘rosto humano’”. A reflexão é de Pete Dolack, em artigo publicado por Counterpunch e reproduzido por Alencontre, 04-10-2023. A tradução é do Cepat.
Pete Dolack dirige o blog Systemic Disorder. Publicou, entre outros, It’s Not Over: Learning From the Socialist Experiment, John Hunt Publishing Ltd., 2015. Ele escreve em sites como ZNet, The Ecologist, Green Social Thought.
As condições de vida dos trabalhadores continuam se deteriorando. O direito de greve ou de adesão a um sindicato é negado por um número cada vez maior de governos em todo o mundo. O 2023 Global Rights Index – Índice Global de Direitos. Os Direitos dos Trabalhadores em 2023 publicado pela Confederação Sindical Internacional (CSI) [com sede em Bruxelas, a CSI reivindica ter 200 milhões de filiados] faz uma leitura sombria, pois tem sido assim há dez anos, quando a CSI começou a publicar os seus relatórios anuais.
Mais uma vez, nenhum país do mundo protege totalmente os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, diz-nos o relatório do Índice Global de Direitos. Nada de novo aqui, uma vez que isso já acontecia no relatório de 2022, e em todos os relatórios que o precederam. O neoliberalismo não tem “rosto humano”.
Observando que “os fundamentos e pilares da democracia estão sob ataque”, o relatório começa com um resumo preocupante:
“Tanto nos países de alta renda como nos de baixa renda, enquanto os trabalhadores suportam o peso da crise do custo de vida, os governos restringem os seus direitos de negociação coletiva por aumentos salariais e de greve por denunciar a indiferença dos empregadores e das autoridades diante dos efeitos da espiral inflacionária sobre a população economicamente ativa. Seja em Essuatíni [ex-Suazilândia, na África Austral], em Myanmar ou no Peru, na França, no Irã ou na Coreia, os trabalhadores exigem respeito pelos seus direitos, mas não são ouvidos, e a polícia reage cada vez mais brutalmente ao seu descontentamento”.
O fato de viver num país do Norte não protege da repressão. O relatório, que constata que 87% dos países em todo o mundo violam o direito à greve, observa que a Bélgica, o Canadá e a Espanha estão entre os países onde os trabalhadores foram submetidos a processos penais e demissões depois de uma decisão de greve. Na Coreia do Sul, a Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering entrou com uma ação judicial contra os líderes do Sindicato dos Metalúrgicos da Coreia pelas perdas financeiras que alegadamente sofreram após uma greve [em julho de 2022], exigindo 47 bilhões de wons (35,3 milhões de dólares).
Quase o mesmo número de países – 79% – violou o direito à negociação coletiva. Trabalhadores dos Países Baixos, Macedônia do Norte, Montenegro e Sérvia relataram que os direitos de negociação coletiva foram severamente restringidos. Quase três quartos dos países – 73% – impediram o registro de sindicatos através de legislação governamental, inclusive o Canadá.
No geral, a CSI afirmou que na última década assistiu-se a um aumento constante nas violações dos direitos dos trabalhadores em todas as regiões. “A fronteira entre autocracias e democracias se dilui e os trabalhadores estão na linha de frente, enquanto os governos e as empresas mantêm a confusão”. Embora a CSI não se refira explicitamente ao capitalismo no seu documento, esta tendência, que remonta a muito mais tempo do que os últimos dez anos em que a CSI publica os seus relatórios, é sintomática da guerra de classes unilateral travada pelos industriais e financistas contra os trabalhadores. Devemos sempre ter em mente que os lucros advêm da diferença entre o valor daquilo que produzimos, sejam bens materiais ou serviços, e o valor de troca desses bens ou serviços.
Não deveria, portanto, surpreender que alguns dos piores governos quando se trata de respeitar os direitos dos trabalhadores sejam os policiais do sistema capitalista internacional. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão entre os países com pior classificação, apesar das críticas que estes governos gostam de dirigir a outros países. Por exemplo, de acordo com a CSI, "o governo do Reino Unido apresentou ao Parlamento uma série de novas leis para impor unilateralmente níveis mínimos de serviço aos trabalhadores ferroviários, condutores de ambulâncias e bombeiros", com disposições para a extensão destas leis a vários outros setores de emprego: transportes, cuidados de saúde, forças de segurança fronteiriças, educação, energia nuclear, bem como serviços de bombeiros e segurança. Este projeto de lei entrou em vigor em julho. Do outro lado do Atlântico, o Presidente dos Estados Unidos Joe Biden, embora se afirme ser “o presidente mais favorável aos sindicatos”, impôs aos ferroviários, a maioria dos quais votou contra a sua aceitação, um contrato que os priva de licenças por doença e impõe-lhes outras condições penosas de trabalho.
O Índice Global de Direitos 2023 da CSI classifica os países de 1 a 5, sendo a nota 1 a melhor categoria e correspondendo a “violações esporádicas de direitos”, ou seja, “violações de direitos ao trabalho são cometidas, mas não de forma regular”. Apenas nove países receberam a classificação 1 – os mesmos de 2022. Estes nove países são: Áustria, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália, Noruega e Suécia. (Esses países aparecem em verde no mapa abaixo).
Os países classificados com nota 2 são aqueles com “repetidas violações de direitos”, ou seja, aqueles onde “certos direitos são alvo de repetidos ataques por parte das autoridades públicas e/ou empresas, o que compromete a luta por melhores condições de trabalho”. Os países classificados nesta categoria são: República Checa, França, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Espanha, Suíça e Uruguai. (Esses países aparecem em amarelo no mapa acima).
Os países classificados com nota 3 são aqueles que apresentam “violações regulares de direitos”, ou seja, aqueles onde “governos e/ou empresas interferem regularmente nos direitos coletivos de trabalho ou não garantem plenamente aspectos importantes desses direitos” devido a lacunas legais “que tornam possíveis violações frequentes”. Os países classificados nesta categoria são: Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, México e África do Sul. (Eles aparecem em laranja claro nos mapas do relatório).
Os países classificados com nota 4 são aqueles com “violações sistemáticas de direitos”, ou seja, aqueles onde “os governos e/ou empresas procuram intensamente silenciar a voz coletiva da força de trabalho”, ameaçando constantemente os direitos fundamentais. Entre os países classificados nesta categoria estão: Grã-Bretanha, Grécia, Peru, Estados Unidos e Vietnã. (Eles aparecem em laranja escuro no mapa).
Os países classificados com nota 5 são aqueles onde “não existe nenhuma garantia de direitos”, ou seja, “os trabalhadores não têm acesso na prática aos direitos [estabelecidos na legislação] e estão, portanto, expostos a regimes autocráticos e a práticas de trabalho injustas”. Os países classificados nesta categoria são: Brasil, China, Colômbia, Equador, Índia, Filipinas, Coreia do Sul e Turquia. (Estes países estão em vermelho no mapa.)
Além disso, alguns países têm uma classificação de 5+, ou seja, os seus direitos não são garantidos devido à falência do Estado de direito. Afeganistão, Mianmar, Síria e Iêmen estão entre os dez países classificados nesta categoria e são coloridos em vermelho escuro.
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O fato de as condições para os trabalhadores – que, afinal, constituem a esmagadora maioria da população mundial – continuarem a se deteriorar é coerente com outras tendências econômicas. Cerca de 20 bilhões de dólares foram destinados a apoiar os mercados financeiros desde a crise econômica de 2008. Cinco dos maiores bancos centrais do mundo – a Reserva Federal dos EUA, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão, o Banco da Inglaterra e o Banco do Canadá – destinaram cerca de 10 bilhões de dólares para apoiar artificialmente os mercados financeiros durante os primeiros dois anos da pandemia de Covid. Isto soma-se aos 9,36 bilhões de dólares que foram gastos para socorrer os mercados financeiros nos anos que se seguiram ao colapso econômico internacional em 2008.
Poderíamos citar a ganância corporativa que alimentou a pandemia da Covid-19. Na verdade, esta ganância tem sido facilitada pela maioria dos governos em todo o mundo, que desvalorizam os cuidados de saúde pública em favor das finanças, como ilustra a contínua incapacidade de disponibilizar vacinas para os países do Sul. A União Europeia, com a sua recusa obstinada em desviar-se das regras de propriedade intelectual em obediência aos fabricantes de vacinas contra a Covid-19 [e às grandes empresas farmacêuticas], tem sido o maior obstáculo. A manutenção dos direitos de propriedade intelectual foi considerada mais importante do que a vida humana. Poderíamos também citar as chamadas “parcerias público-privadas”, nas quais os governos vendem infraestruturas públicas abaixo do custo às empresas, que depois aumentam os custos, cortam serviços e empregos com o objetivo de obter lucros astronômicos. [Ver os estudos de Brett Christophers, da Universidade de Uppsala, sobre o papel dos fundos de investimento – como BlackRock, Blackstone, Amundi e AXA Investment Managers, na Europa – no controle crescente de infraestruturas como estradas, parques eólicos, redes de água, habitação, eletricidade, saúde, educação. Ver sua entrevista com Jean-Christophe Catalon publicada no site Alternatives Économiques, 30-09-2023.]
A natureza unilateral da luta de classes é ainda ilustrada pela “solução” do Banco Mundial (ver o artigo publicado no site Systemic Disorder, 01-02-2023) para a deterioração dos salários e das condições de trabalho: apelar a uma maior flexibilização das legislações trabalhistas porque as regulamentações atuais são “excessivas”. Em outras palavras, trata-se de trabalhar até desfalecer!
Portanto, espera-se que você trabalhe mais tempo até entrar em colapso, uma vez que as regulamentações sobre horas de trabalho excessivas são frequentemente violadas; como resultado, os trabalhadores são obrigados a trabalhar mais horas, ou por medo de perder o emprego se se recusarem, ou para sobreviver, porque os salários continuam a cair em relação à inflação e ao custo de vida. E este custo de vida está particularmente sujeito a aumentos à medida que o custo da habitação dispara, aumentando muito mais rapidamente do que a inflação e os salários em todos os países do mundo.
Quanto tempo demorará até que os trabalhadores de todo o mundo se unam e contra-ataquem no que tem sido uma guerra unilateral durante meio século?
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“Nenhum país do mundo respeita os direitos dos trabalhadores”. Artigo de Pete Dolack - Instituto Humanitas Unisinos - IHU