16 Novembro 2022
"Foco deve ser fortalecer negociações coletivas assegurando incremento virtuoso da produtividade e qualidade das ocupações", escreve Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, consultor, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE.
Eis o artigo.
Melhorar as condições e a qualidade de vida dos trabalhadores é um objetivo a ser perseguido nos próximos 4 anos. Quais os caminhos possíveis para alcançar esse objetivo? A base de um processo de transformação virtuoso para o mundo do trabalho é o país ter uma dinâmica de desenvolvimento econômico assentada na inovação tecnológica e na agregação de valor em todas as cadeias e estruturas produtivas. Combinado a isso, um programa de longo prazo de investimentos em infraestrutura econômica e social.
Portanto, será necessário mobilizar investimentos para que as frentes de expansão e de incremento da produtividade do trabalho criem produtos e serviços com alto valor agregado, vinculados à uma economia de baixo carbono, com uma indústria e agricultura moderna e compromissada com a sustentabilidade ambiental. Num cenário onde cultura, esporte, turismo, saúde, educação e bem-estar mobilizam serviços de qualidade.
Nessa economia de crescimento originada do incremento virtuoso da produtividade, expande-se os empregos e as ocupações de qualidade, com boas condições de trabalho, aumento dos salários e dos rendimentos dos ocupados.
Essa dinâmica econômica transformadora precisa ser estimulada, sustentada e favorecida por sistemas de relações de trabalho, sindical e de proteção social, laboral e previdenciário modernos. Isto é, conectados com as mudanças no mundo do trabalho e capazes de regular a forma de produzir e a distribuição do produto do trabalho.
O desafio é desenhar processos de mudanças e de transições para esses 3 sistemas com o objetivo de responder às demandas de flexibilidade do trabalho e de proteção efetiva de todos os trabalhadores. Redesenhar e projetar um sistema universal de proteção social, laboral e previdenciário que garanta a todos os trabalhadores a plena seguridade para as diversas formas de ocupação é uma tarefa essencial.
Formular a articulação das políticas e programas a partir da perspectiva do mundo do trabalho é pensar a educação desde a creche até a transição da escola para o mercado; é assegurar, durante a vivida laboral, a proteção de renda diante da desocupação, do acidente, do problema de saúde e da maternidade; é universalizar o acesso à aposentadoria a partir de uma certa idade, independente da contribuição. Essa concepção de sistema integrado exige articular e redesenhar as políticas de renda e proteção existentes, reorganizando-as e formulando novos instrumentos que garantam seguridade laboral efetiva durante toda a vida.
Essa seguridade universal e permanente é a contraface básica à demanda por flexibilidade do sistema produtivo. Cabe, portanto, a complexa tarefa de construir os mecanismos de financiamento e as regras de acesso à proteção.
A negociação permanente das regras e de monitoramento e gestão do sistema de proteção será tarefa de uma organização sindical nacional, capaz de mobilizar e de representar o interesse geral da classe trabalhadora, especialmente daqueles que hoje não têm proteção sindical. Caberá à essa organização também, estabelecer acordos e compromissos para proteger a efetividade das regras pactuadas.
As Centrais Sindicais são o instrumento dessa representação ampliada e da representatividade que conforma os interesses em demandas e propostas desse conjunto de aproximadamente metade da força de trabalho ativa do país. Há a outra metade da classe trabalhadora assalariada e que conta com a proteção sindical.
O sistema de relações de trabalho que define as regras das representações e das negociações precisa colar no mundo do trabalho em mudança. Há exigências de transformações na organização sindical para ampliar a base de representação, aprofundar a representatividade das entidades e favorecer a agregação em categorias por ramo, num sistema sindical que recepciona o trabalhador ao longo de toda a sua vida laboral, independentemente das profissões e formas de ocupação que cada um venha a ter durante a vida.
Esse sistema sindical robusto, amplo e representativo deve inovar com a criação de áreas de negociação que estejam articuladas e coordenadas desde o nacional até o local – nas empresas –, passando pelo setorial e pela cadeia produtiva.
Fortalecer a negociação coletiva significa desenvolver as regras e instrumentos dos processos negociais, subsidiar a formulação dos conteúdos negociados e tratar de resolver diretamente os conflitos. Trata-se de dar às partes interessadas a autonomia efetiva e ampla para a regulação a partir dos marcos constitucionais e legais.
Uma forma de avançar no fortalecimento da negociação coletiva é criar um órgão privado de interesse público para ser o ente que regula e faz a gestão do sistema de relações do trabalho. Por exemplo, criar uma agência administrada pela representação dos trabalhadores e dos empregadores, que colabore para o funcionamento do sistema sindical e na solução de conflitos.
A representação e a negociação dos servidores públicos devem seguir as mesmas diretrizes acima, com a devida adequação ao direito administrativo conforme projeto de lei já em trâmite no Senado Federal. Esse fortalecimento da negociação coletiva no setor público ganharia novo patamar de efetividade se fosse desenvolvido como parte de um órgão dedicado à política de gestão de pessoas no setor.
O desafio é implementar um processo de mudança e de transição que favoreça e estimule transformações no sentido das inovações que se busca promover. Trata-se, portanto, de construir na trajetória da história futura, por meio do diálogo social e ao mesmo tempo, o caminho e os caminhantes.
Leia mais
- Reforma trabalhista completa 5 anos com piora de empregos e promessa de revisão
- ‘‘Reforma’’ trabalhista deve ser revista: reforçou desigualdade e não beneficiou a economia
- Promessas de geração de 2 a 6 milhões de empregos não se concretizaram com a Reforma Trabalhista
- No Brasil das reformas, retrocessos no mundo do trabalho. Revista IHU On-Line, Nº 535
- A ‘uberização’ e as encruzilhadas do mundo do trabalho. Revista IHU On-Line, Nº 503
- A volta da barbárie? Desemprego, terceirização, precariedade e flexibilidade dos contratos e da jornada de trabalho. Revista IHU On-Line, Nº 484
- A necessária reversão da perda dos direitos trabalhistas no Brasil
- Reforma trabalhista completa quatro anos e enfrenta informalidade, uberização e precarização de direitos
- As “reformas” trabalhistas e previdenciárias – prioridades absolutas. Artigo de Jorge Luiz Souto Maior
- Radiografia da nova contrarreforma trabalhista
- MP 1045: a nova (e sorrateira) “reforma” trabalhista
- Trabalho precário e horas em excesso matam
- No Brasil, trabalho informal é a nova regra
- Avanço da informalidade é obstáculo para o futuro da economia, alerta Dieese
- Nova ofensiva contra os direitos trabalhistas e a proteção social: o relatório do GAET
- Depois de ‘reforma’ trabalhista, emprego precário cresce e salários caem
- Para conter avanço da miséria, Dieese defende revisão das reformas trabalhista e da Previdência
- Reforma abriu espaço para a criminalização do trabalho
- Depois de ‘reforma’ trabalhista, emprego precário cresce e salários caem
- Aumento da miséria extrema, informalidade e desigualdade marcam os dois anos da Reforma Trabalhista
- Espanha revoga reforma trabalhista precarizadora
- Um novo caminho para o encontro entre crescimento, emprego e desenvolvimento. Espanha: diálogo social gera novos compromissos. Artigo de Clemente Ganz Lúcio
- Reformar constantemente a legislação trabalhista é a saída?
- Manifesto: Em defesa do mundo do trabalho
- A “nova informalização” e a perversidade da plataformização do trabalho. Entrevista especial com Ruy Braga
- Direitos trabalhistas e sindicais no pós-pandemia. Artigo de Clemente Ganz Lúcio
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Caminhos para um novo mundo do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU