A Opção Francisco: sinodalidade, reformas e o clamor pelo clarão repentino da paz para evitar o apocalipse nuclear

Ciclo de estudos sobre a Opção Francisco, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, reflete sobre os principais desafios da Igreja, da cristandade e do mundo

Foto: Paul Haring | CNS

Por: Patricia Fachin | 01 Agosto 2023

"Hoje, poucos dos 1,3 bilhão de católicos do mundo sabem o que significa 'sinodalidade'". A constatação de Phyllis Zagano, nomeada pelo Papa Francisco para compor a Comissão de Estudo sobre o Diaconato Feminino do Sínodo, expressa em artigo publicado na revista Commonweal neste mês e reproduzido na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, indica os desafios em torno do processo sinodal na Igreja.

A professora de religião na Hofstra University, em Nova York, EUA, tem se ocupado das discussões sobre o papel das mulheres suscitadas na Etapa Continental do Sínodo, realizada em sete assembleias em todo o globo onde a Igreja está presente (África e Madagascar; Ásia; Europa; América Latina e Caribe; Oceania; Oriente Médio; e América do Norte), após a realização de um processo iniciado em nível local em outubro de 2021. O resultado desse processo é o Instrumentum Laboris do Sínodo sobre a Sinodalidade, documento que guiará o primeiro de dois encontros sinodais em outubro de 2023 e em outubro de 2024, divulgado pelo Vaticano em 20-06-2023. De acordo com Phyllis Zagano, "a maioria das Assembleias Continentais e as sínteses de várias Conferências Episcopais pedem que seja considerada a questão da inclusão da mulher no diaconato".

O Documento para a Etapa Continental, informa, "fez perguntas semelhantes às consideradas pelos fundadores de institutos religiosos e ordens em séculos passados. Por exemplo: 'Como esse 'caminhar juntos', que ocorre hoje em diferentes níveis (do local ao universal), permite que a Igreja proclame o Evangelho de acordo com a missão confiada a ela; e que passos o Espírito nos convida a dar para crescer como uma Igreja sinodal?' (Documento Preparatório, n. 2). Ou seja, quais são as necessidades da Igreja hoje e como podemos atendê-las juntos?"

Uma das respostas apresentadas a essas questões naquela etapa, menciona, é a ordenação de mulheres como sacerdotes. Embora essa seja uma via defendida por alguns para dar continuidade à evangelização, "é claramente uma questão em segundo plano e é considerada por muitos como doutrinariamente fechada. No entanto, dado que nunca houve nenhum um abandono formal da prática de ordenar mulheres para o diaconato, essa questão será abordada e talvez respondida", afirma.

Em artigo publicado no National Catholic Reporter em julho de 2023, disponível em português no sítio do IHU, a pesquisadora questiona se será possível imaginar isso e de que maneira, depois da publicação de dois relatórios sobre as diáconas na Igreja. "A Comissão Teológica Internacional, que assessora o Dicastério para a Doutrina da Fé, preparou relatórios sobre mulheres diáconas em 1997 e em 2002. A primeira teria determinado que não havia doutrina contra a ordenação de mulheres como diáconos, mas nunca apareceu: o prefeito da época, o cardeal Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI), recusou-se a assiná-lo. O segundo relatório, embora tentasse encerrar a discussão com passagens não citadas de um livro do professor de Munique, Pe. Gerhard L. Müller, concluiu que ordenar mulheres como diáconas era uma questão para o 'ministério de discernimento' da Igreja. Müller mais tarde se tornou prefeito da CDF", comenta.

A “Opção Francisco” e o caminho da sinodalidade será o tema da conferência de Phyllis Zagano no ciclo de estudos “Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal", promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU ao longo deste ano. A videoconferência será transmitida nesta quinta-feira, 03-08-2023, às 10h, na página eletrônica do IHU e nas redes sociais. A pesquisadora é autora e editora de 24 livros e centenas de ensaios acadêmicos e populares. De 1987 a 1997, lecionou na Faculdade de Comunicação, na Escola de Teologia e no Programa de Relações Internacionais, da Universidade de Boston, Massachusetts, onde também foi diretora do Instituto para a Comunicação Democrática.

Na avaliação dela, enquanto "ainda há brigas acontecendo sobre o Vaticano II" e "alguns se perguntam se a Igreja está caminhando para o Vaticano III", a iniciativa do Papa Francisco com este Sínodo é "impulsionar a Igreja Católica". "O objetivo de todas as reuniões – todas as conversas e orações – é que as pessoas entendam a missão da Igreja. Ou seja, pensar em como difundir o Evangelho da maneira mais eficaz para suas culturas", resume. Os católicos de seu país, os EUA, sublinha, "foram mais silenciosos sobre esses esforços, mas em muitos países, incluindo Austrália, França, Inglaterra e Gales, Alemanha, entre outros, as coisas se movimentaram a todo vapor".

Reforma

Outro tema que divide os cristãos católicos é a reforma da Igreja. Enquanto alguns argumentam pela sua necessidade, outros temem todo tipo de mudança. Em entrevista à emissora de rádio espanhola Cope, em setembro de 2021, questionado sobre a reforma da Cúria, o Papa Francisco assegurou que ela "está andando". O primeiro documento do seu pontificado que marca a reforma da Igreja, esclareceu, é a Evangelii gaudium:

"Se há um problema na Evangelii gaudium que eu gostaria de assinalar, é o da pregação. Sujeitar os fiéis a longas lições de teologia, de filosofia ou de moralismo, que não é pregação cristã. Na Evangelii gaudium, peço uma reforma séria da pregação. Alguns entendem, outros não entendem... (...) E com relação à constituição apostólica Praedicate Evangelium, que está sendo elaborada sobre esse ponto, e o último passo é que eu a leia - eu tenho que ler porque tenho que assiná-la e tenho que ler palavra por palavra - ela vai não apresentar nada de novo em relação com o que estamos vendo até agora. Talvez alguns detalhes, algumas mudanças sobre os dicastérios que se uniram, dois ou três dicastérios a mais, mas tudo já foi anunciado: por exemplo, Educação vai se unir à Cultura. Propaganda Fide vai se unir ao dicastérios da Nova Evangelização. Mas tudo já foi anunciado. Não haverá nada de novo em relação com o que foi prometido. Alguns me dizem: 'Quando sairá a constituição apostólica da reforma da Igreja, para ver a novidade?' Não. Não haverá nada de novo. Se houver algo novo, são pequenos ajustes. (...) Que fique claro que a reforma não será nada além do que os cardeais disseram, o que pedimos no pré-conclave e o que está sendo visto. Está sendo visto."

A Opção Francisco e a reforma da Igreja. Desafios e perspectivas é o tópico da videoconferência que o historiador italiano Massimo Faggioli, da Villanova University, EUA, ministrará em 10-08-2023, às 10h. Fiel a si mesmo, disse, "o papa jesuíta acredita mais em reformas que não dependam de mudanças estruturais e institucionais. Há uma mudança de nomes de congregações para dicastérios, mas ainda é uma estrutura centrada no sistema das chamadas congregações permanentes". A Prædicate Evangelium, constituição apostólica promulgada por Francisco em junho de 2022, sobre uma série de reformas na Cúria Romana, frisa, "continua nessa trajetória, levando a uma profissionalização das elites administrativas, mas também dando menos espaço para consultas colegiais entre os cardeais em Roma. Apesar da intenção declarada de reduzir o número de dicastérios, a expansão da burocracia vaticana continua".

Segundo ele, a Praedicate Evangelium lista 28 departamentos permanentes, enquanto a Pastor bonus, de João Paulo II, de 1988, elencava 24 entidades. As mudanças, entretanto, estão nas prioridades. "É interessante ver que o primeiro dicastério da lista não é mais o escritório encarregado da ortodoxia – o Dicastério (não mais Congregação) para a Doutrina da Fé. O Santo Ofício, como era chamado anteriormente, era considerado como a principal entidade da Cúria Romana desde o século XVI. Mas o número um da lista agora é o Dicastério para a Evangelização. Isso ocorre exatamente 400 anos depois de a sua antecessora – a Congregação da Propaganda Fide – ter sido fundada em 1622 e logo se tornar um dos departamentos mais poderosos da história da Cúria Romana", ressalta. A novidade, por sua vez, está no estabelecimento de um Dicastério para o Serviço da Caridade. "A Praedicate Evangelium também estabelece um novo Dicastério para o Serviço da Caridade. Não havia nenhum paralelo a isso até agora", apesar de "a maior mudança, e que tem sido saudada (às vezes ingenuamente) como revolucionária pela grande mídia, diz respeito à possibilidade de ver mais leigos e leigas em postos-chave no Vaticano".

Na opinião do historiador, "a possibilidade de ter leigos e especialmente mulheres no comando dos dicastérios (...) é potencialmente revolucionário", mas, adverte, "leituras ideológicas disso podem gerar expectativas injustificadas". Para ele, "não há dúvida de que a Praedicate Evangelium é uma reforma da Cúria Romana típica da Igreja pós-Vaticano II" porque "abrange todas as incertezas da teologia católica sobre as instituições, que ainda tenta encontrar um equilíbrio entre urbs e orbis, primado e episcopado, burocracia e carisma".

Em artigo publicado no La Croix International em setembro de 2018, Faggioli também comentou o outro lado do clericalismo que assola a Igreja: o dos leigos. “A antiguidade nos ensina que os leigos são em grande parte hostis ao clero, fato que também fica claro a partir das experiências dos tempos atuais”. Com essa frase da bula papal Clericis laicos, publicada pelo Papa Bonifácio VIII em 1296, ele exemplifica que "o incidente serve como exemplo dos problemas que enfrentamos na Igreja quando pensamos na reforma em termos de relação entre clero e laicato – que é, sem dúvida, uma das principais questões no centro da crise atual".

Em outubro daquele mesmo ano, Massimo Faggioli advogou em favor da sinodalidade como "o melhor modelo eclesiológico para uma Igreja que quer sair dessa confusão". Para o doutor em História da Religião, "o pontificado de Francisco ofereceu oportunidades para uma Igreja sinodal, apesar de algumas claras limitações e pontos cegos, o que também pode ser encontrado no documento sobre a sinodalidade publicado há alguns meses pela Comissão Teológica Internacional".

O apelo do Papa Francisco à paz

Outro assunto que igualmente divide os cristãos é o posicionamento do Papa Francisco em relação à guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Enquanto chefes de Estado católicos apoiam o confronto armado, seguidos de inúmeros cristãos, o pontífice clama pela paz e repudia a matança. Entre os analistas que se ocupam de analisar o jogo de xadrez envolvendo as potências econômicas e políticas, mas também os representantes das principais religiões mundiais, o jornalista Raniero La Valle tem destacado a opção Francisco pela paz, objeto de sua videoconferência ainda neste mês no IHU. Em 17-08-2023, o jornalista e ex-senador italiano refletirá sobre A Opção Francisco, a nova configuração geopolítica e o fim da cristandade no ciclo de estudos. "Se houvesse um pacifismo a ser jogado fora, o papa também seria naturalmente obsoleto, ele que gostaria de ir a Moscou para fazer Putin fazer a paz e para fazer as pazes com Putin", disse em artigo publicado pela Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, no ano passado, três meses depois do início do conflito.

Na avaliação dele, a guerra sinaliza a existência de dois níveis da crise que precisam ser respondidos para sair dela. O primeiro, garante, é o problema humanitário. "A missão do papa em Moscou seria – e esperamos poder dizer 'será' – uma missão humanitária. Como ele disse de si mesmo e do Patriarca Kirill, 'nós não somos clérigos de Estado', somos pastores de povos, não podemos e nem seríamos capazes de oferecer soluções políticas". O segundo, é político. "Tanto Washington quanto Moscou poderiam se ofender se apenas o problema humanitário fosse levantado, como se eles não fossem humanos, e se apelássemos apenas ao bom coração, como se fosse evidente que o coração deles é de pedra. Nesse caso, não haveria nada a ser feito. Mas, se o problema é político, ele pode ser identificado e resolvido. Seria possível, então, reconhecer que, sendo a OTAN uma aliança defensiva e não ofensiva, o plano há muito tempo perseguido e implementado para expandi-la para Leste até cercar a Rússia foi ditado pela necessidade de defender da Rússia as nações localizadas em sua fronteira ocidental", afirma.

Em outro artigo, publicado em abril deste ano, La Valle lembrou que a Constituição italiana repudia a guerra, assim como também o fez o Papa João XXIII na encíclica Pacem in terris, que completou 60 anos recentemente. "Existe um repúdio à guerra que está na Constituição italiana, à qual não nos mantivemos fiéis (da participação na guerra contra o Iraque, depois contra a Iugoslávia, na enxurrada de armas enviadas para alimentar o conflito na Ucrânia) e existe um repúdio à guerra proclamado por João XXIII na 'Pacem in terris' à qual a Igreja sempre se manteve fiel: do 'guerra nunca mais!', gritado por Paulo VI da tribuna da ONU, à oposição frontal de João Paulo II à Guerra do Golfo, ao Papa Francisco que definia a guerra como uma 'mística da destruição'".

As manchetes dos principais jornais mundiais, que apresentam a guerra como "a coisa mais normal do mundo", lamenta, nos mostram diariamente que "assistimos a uma inversão total: o que é diabólico é abençoado por quem dele tira proveitos". E acrescenta: "A guerra que não pertencia mais ao humano foi reintroduzida como compatível com a própria natureza do homem e aquela que havia ido além da razão como um meio adequado para ressarcir os direitos violados foi posta de volta sem que seja permitida outra razão além da vitória. O revés da razão é tanto maior porque durante todo o período da Guerra Fria a incompatibilidade entre a guerra e a razão havia sido mantida firme e, aliás, havia sido vigiada pelo terror (a 'dissuasão'), dado o risco de guerra nuclear".

O apocalipse nuclear "bastante provável", nas palavras de Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança russo ao Repubblica no início de junho de 2023, confirma a conclusão de Raniero La Valle: "A história não ensinou nada. (...) A 'Pacem in terris' não foi, portanto, um clarão repentino, que irrompe na história e imediatamente se apaga. Mas a história ainda está esperando para ser iluminada por ela".

Programação do segundo semestre

A segunda edição do Ciclo de Estudos “Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal” começará em setembro, com objetivo de discutir a crise do cristianismo e da Igreja. Os impasses em torno da paz serão o ponto central da conferência intitulada Papa Francisco, a paz e a guerra no mundo de hoje, a ser ministrada em 12-09-2023, pelo historiador e estudioso do papado moderno e contemporâneo e professor emérito de literatura e filosofia da Scuola Normale Superiore di Pisa, na Itália, Daniele Menozzi.

A Opção Francisco e a missão da Igreja rumo às periferias da nova ordem global será o aspecto abordado por Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, em 28-09-2023. Dom Joaquim presidiu a Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação (2011-2015) e é o atual presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação (2015-2023), ambas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.

No dia 10-10-2023, o jornalista italiano e vaticanista Marco Politi ministrará a videoconferência As opções geopolíticas de Francisco: trajetória e perspectivas na dimensão da Igreja universal. Ele acompanhou João Paulo II e Bento XVI em mais de oitenta viagens ao redor do mundo e é autor de Joseph Ratzinger: crisi di un papato (Laterza, 2011).

Para novembro, estão previstas três videoconferências.

A primeira será transmitida em 01-11-2023 e tem como temática A questão de Deus e a imaginação do cristianismo do futuro. Será ministrada pelo jesuíta Paolo Gamberini, professor de teologia na Pontifícia Faculdade Teológica de Nápoles, na Itália, e pesquisador na área de Teologia Sistemática, com especial enfoque na Cristologia, Doutrina da Trindade, Eclesiologia Ecumênica, Teologia do Diálogo Inter-religioso, Teologia Comparada das Religiões, Teologia Fundamental e Teologia Pós-teísta.

A segunda conferência ocorrerá em 14-11-2023 e tem como objeto de reflexão A Opção Francisco e a(as) herança(s) do Concílio Vaticano II. O palestrante será Gilles Routhier, professor titular de Teologia na Faculdade de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade de Laval, em Québec, Canadá.

Por fim, em 29-11-2023, o Christoph Theobald, teólogo jesuíta e professor de Teologia Fundamental e Dogmática na Faculdade de Teologia do Centre-Sèvres, em Paris, abordará A opção Francisco e o cristianismo como estilo em face à mudança epocal. Todas as conferências serão transmitidas ao vivo na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e nas redes sociais às 10h.

As conferências já ministradas estão disponíveis aqui e a programação do segundo semestre, aqui.

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