28 Julho 2023
"Dominando o ciclo total da energia, que compreende ciência, tecnologia, compreensão dos processos, capacidade de compreensão, antevisão e projeção das ações dos governos para evitar os efeitos negativos dessa expansão e o fim da remessa de emergia bruta para além-mar – e além das divisas nacionais. Ou então a Amazônia estará condenada a se submeter ao colonialismo que explorou a África e a Ásia a partir de meados do século XIX", escreve Lúcio Flávio Pinto, em artigo publicado por Amazônia Real, 26-07-2023.
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014.
O primeiro choque do petróleo completa neste ano meio século. Pode parecer que a Amazônia nada tem a ver com esse acontecimento, distante da região por, no mínimo, 10 mil quilômetros. Não só tem, como 1973 é o ano da reinserção definitiva da Amazônia na economia mundial, o ano um da Amazônia contemporânea. Essa vinculação, profunda e definitiva, como não foi o ciclo da borracha, deveu-se à abundância de energia na região, como, talvez, não haja em nenhuma outra parte do planeta.
Quando alguns países árabes, liderados pelo Egito e a Síria, surpreenderam Israel com um ataque maciço, mas novamente foram derrotados, como na guerra dos seis dias, de 1967, eles encontraram uma arma mais eficaz do que canhões: o petróleo. Formando um cartel, elevaram subitamente – e em valor extremamente alto – o preço do principal combustível mundial.
Sem qualquer envolvimento no conflito, o Japão foi o país mais atingido pelo alto custo da energia. Imediatamente seus líderes procuraram uma solução para suas 41 fábricas de alumínio, o bem industrial mais caro da economia, que consumiam 1,2 milhão de toneladas.
Uma missão japonesa chegou à Amazônia em 1973 mesmo e concluiu que a melhor alternativa era instalar no Pará, que tinha uma grande potência de geração hidrelétrica nos seus rios, totalmente sem aproveitamento (o Estado se servia de velhas usinas térmica à base de petróleo).
A princípio, os japoneses pensaram em instalar uma metalurgia de 600 mil toneladas, correspondendo à metade das suas necessidades do metal. Alguns problemas para a montagem de uma fábrica tão grande numa área pioneira, sem qualquer conhecimento sobre a produção de alumínio, levaram à redução do tamanho do empreendimento à metade da previsão inicial.
Ainda assim, seria a maior fábrica japonesa, implantada a 20 mil quilômetros do Japão, capaz de assegurar em torno de 10% de toda demanda do país. Com expansões posteriores, é a 8ª maior do mundo e a maior do continente.
No local onde está a Albrás (funcionando a plena carga, com 475 mil toneladas por ano) se formou um polo industrial, no qual se destaca uma unidade de fabricação de alumina (o produto intermediário entre o minério de bauxita e o metal, a maior do mundo fora da China) e vários outros empreendimentos industriais.
A partir da chegada dos japoneses, empresas de várias partes do mundo se dirigiram para a Amazônia, principalmente para o Pará e Rondônia, atraídas pela energia de fonte hidráulica disponível. As quatro grandes hidrelétricas que funcionam nos dois Estados têm um potencial nominal de geração de 26 mil megawatts, sendo 20 mil no Pará (com Tucuruí e Belo Monte) e 6 mil em Rondônia (com Jirau e Santo Antônio).
Em tese, poderiam atender a 20% das necessidades brasileiras, com seus 220 milhões de habitantes. Como a variação das águas dos rios é considerável entre os períodos de chuvas intensas e de estiagem, a energia firme se reduz a quase metade desse total. Ainda assim, a Amazônia, em especial o Pará, é a maior exportadora interna de energia bruta.
Esse fato a torna uma província enérgica, à semelhança da sua condição de província mineral. Isso quer dizer que o efeito germinativo, a agregação de valor à matéria prima e aos insumos básicos, ocorrerá no local que beneficiará a energia, transformando-a em produto acabado, o mais aproximado do final da cadeia produtiva. No alumínio, pode atingir até 40 vezes mais do que o valor obtido na fundição do metal.
Mesmo com tantos números grandiosos envolvidos na chegada dos “grandes projetos”, conectados ao mercado mundial, que fez do Pará o maior fornecedor de divisas líquidas ao país, a Amazônia não se desenvolve nem progride. Os enclaves multinacionais engendram as ilhas de riqueza em torno deles e em suas extensões nas capitais regionais. Mas criam também uma periferia de pobreza, violência e marginalização.
Como evitar esse modelo de crescimento semelhante ao do rabo de cavalo, sempre para baixo? Dominando o ciclo total da energia, que compreende ciência, tecnologia, compreensão dos processos, capacidade de compreensão, antevisão e projeção das ações dos governos para evitar os efeitos negativos dessa expansão e o fim da remessa de emergia bruta para além-mar – e além das divisas nacionais. Ou então a Amazônia estará condenada a se submeter ao colonialismo que explorou a África e a Ásia a partir de meados do século XIX.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A energia pode libertar ou condenar a Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU