12 Agosto 2016
Irmã Paula Gonzalez, da Congregação Irmãs da Caridade, e o carro solar construído por ela, chamado “Sunny”. (Cortesia da Sisters of Charity of Cincinnati)
A reportagem é de Sharon Abercrombie, publicada por National Catholic Reporter, 09-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ambientalistas estão de luto pela morte da Irmã Paula Gonzalez, da Congregação das Irmãs da Caridade de Cincinnati, que passou os últimos 45 anos de sua vida defendendo o uso de energias renováveis. Gonzalez, de 83 anos, morreu no dia 31 de julho na Casa Provincial da congregação em Ohio.
Nascida em 25-10-1932, em Albuquerque, no Novo México, Gonzalez entrou para as Irmãs da Caridade de Cincinnati em 1954. Mais tarde, doutorou-se em fisiologia celular pela Universidade Católica da América e lecionou biologia na Mount St. Joseph University, em Cincinnati, entre 1965 e 1980 antes de se dedicar em tempo integral a causas ambientais.
Esta sua atuação a fez participar da Cúpula das Nações Unidas, em 1992, no Rio de Janeiro – que produziu um plano global para o desenvolvimento sustentável e estabeleceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – e acompanhar os dez anos de seu desenvolvimento até a edição Joanesburgo, na África do Sul.
Segundo o jornal londrino Catholic Herald, Gonzalez chamava o evento no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 20 mil pessoas, de um evento divisor de águas na história humana, dizendo: “Uma grande quantidade de pessoas se unindo para decidir o futuro: eis o início da era ecológica”.
Conhecida como “a freira solar”, não deve surpreender que “Paula morreu em um dia ensolarado”, refletiu a Irmã Maureen Wild, membro da mesma congregação religiosa e porta-voz da Sisters of Earth, organização de leigas e religiosas dedicada a curar o planeta. Em 1996, participantes desta nova ONG visitaram a casa ecológica “La Casa del Sol” da Irmã Gonzalez durante um encontro em Grailville, Ohio.
La Casa del Sol era a primeira grande incursão da feira no campo da energia renovável. A casa superisolada, de 400 metros quadrados, custou menos de 3 dólares por metro para ser construída, disse ela à revista MotherEarth na edição de maio/junho de 1986. Começando em 1982, todos os sábados durante três anos um grupo de mais de 30 voluntários trabalhou para renovar um antigo celeiro usando materiais reciclados. Irmã Gonzalez financiou o projeto através de vendas à moda “garage sale” (espécie de brechó temporário nos EUA) que angariou cerca 13 mil dólares.
A experiência foi um sucesso. Quando a temperatura chegou a zero em fevereiro de 1985, La Casa del Sol manteve-se em 50 graus. Ela aumentou um pouco o calor alimentando o fogão a lenha com alguns restos de construção que sobraram. A religiosa e La Casa del Sol foram destaque na série EarthKeepers da rede de tevê PBS em 1993.
Em 1991, usando a mesma fórmula para angariar fundos, a religiosa transformou uma antiga garagem para quatro carros na EarthConnection, uma construção feita na base do conceito de eficiência energética com aquecimento solar. Ministério das Irmãs da Caridade de Cincinnati, a EarthConnection serve como centro de formação onde se oferecem programas de agricultura sustentável, energias alternativas, ecojustiça e ecoespiritualidade.
Gonzalez disse ao National Catholic Reporter em entrevista no ano de 2011 que parte de sua paixão pela ecologia remonta ao Dia da Terra, em 1970, quando foi inspirada pela manifestação generalizada de entusiasmo que ocorrida em todo os Estados Unidos. Alguns anos depois, quando surgiu a polêmica em torno de uma nova proposta de usina nuclear, a irmã percebeu que protestar por si só não resolveria os problemas energéticos. Criar alternativas para a sustentação da via precisava fazer parte do plano também.
Mas as origens primeiras de sua paixão pela ecologia foram cuidadosamente cultivadas ao longo das suas experiências de infância. Ao crescer em Albuquerque, passou horas de contentamento ajudando o pai, Hilario, na horta.
“Ele me dizia: ‘A terra é sagrada’”, contou a religiosa ao blog Eco Catholic, do National Catholic Reporter, em 2011.
Em tenra idade, a sua alma foi tocada por Deus, a quem ela se referia como “The Great Living One”: divindade que a religiosa reconhecia como estando presente em toda a criação. Tópicos de algumas de suas palestras e escritos refletem esta ideia: “Vivendo em um universo eucarístico”, “Chamados para cuidar do Sagrado”; e “O Pai Nosso: A nossa oração ambiental”.
Gonzalez compartilhou uma meditação sobre a Oração do Senhor em artigo de outubro de 2007 na revista St. Anthony Messenger. Usando a tradução aramaica do autor sufi Neil Douglas-Klotz, Ph.D, a religiosa escreveu que no trecho “Nosso Pai, que estás no céu”, “Pai” na verdade significava criador do cosmos e que o “céu” seria, na verdade, o universo.
“Quando anunciamos o nome de Deus como ‘santificado’ (sagrado), reconhecemos o eco do nome de Deus na maravilha ao nosso redor? Será que Deus poderia estar nos chamando para ser cocriadores de uma Terra transformada, um paraíso de paz e harmonia?”, escreveu.
Gonzalez era hábil em combinar a prática com o místico nas mais de 1.800 palestras, conferências e retiros que deu em todo o mundo. Em artigo publicado na revista MotherEarth, ela explicou que muitas vezes convidava as pessoas a considerar “o que aconteceria se, em vez de lutar (…) para estender os ‘velhos e bons tempos’ da era do petróleo, começássemos a voltar a nossa criatividade ilimitada e a nossa imaginação para projetar ‘melhores novos dias’?”.
Em 2005, o capítulo de Ohio da American Solar Energy Society concedeu à religiosa o “Lifetime Achievement Award”, prêmio concedido pelo conjunto de realizações feitas ao longo da vida.
Dois anos depois, enquanto participava de uma conferência sobre energia solar em Cleveland, ela e engenheiro Keith Mills inspiraram-se em resolver a questão do aquecimento global e concordaram em fundar a filial de Ohio do “Regeneration Project”, ideia financiada pela ONG Interfaith Power and Light. Em 2014, o jornal Cincinnati Inquirer homenageou Gonzalez como uma das “Mulheres do Ano”.
A publicação, em junho de 2015, da encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum, emociou Gonzalez, que disse ao National Catholic Reporter que estava animada pelo papa ter incluído “muitas referências externas”, prevendo que “ele vai chamar a atenção da comunidade internacional com certeza”.
A notícia da morte de Gonzalez suscitou reações de tristeza e amor, por parte de algumas das pessoas que ela influenciou com o seu ministério.
Uma dessas pessoas é a compositora ambiental Joyce Rouse, também conhecida como Earth Mama, que conheceu Gonzalez no início dos anos 1990. A irmã da Caridade de Cincinnati deixou sua marca em algumas das canções de Earth Mama, entre elas: “We all breath the same air”, “The perfect house” e “Follow the sun”.
“Ela acabou se tornando uma grande apoiadora de minha música e do projeto Earth Literacy”, disse Rouse. “Toda conversa com ela era uma oportunidade para absorver um entendimento mais profundo da conexão universal de todas as coisas”.
Brian Swimme, professor de cosmologia evolutiva do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia e coautor do livro “The Universe Story”, junto com o padre passionista Thomas Berry, considerava Gonzalez como alguém “enviado do futuro para nos mostrar como viver com inteligência e sabedoria”.
“Paula Gonzalez era 20 anos mais velha do que eu e, quando a conheci, pensei comigo: ‘Espero ter a energia que ela tem quanto tiver a sua idade’ (...) Profetisa, inventora, cientista, líder, a Irmã Gonzalez foi, antes de tudo, uma inspiração para que tentemos viver uma vida ecológica”, disse Swimme.
Mary Evelyn Tucker, diretora do Fórum Yale sobre Religião e Ecologia, declarou que irá se lembrar da amiga como “uma força da natureza que vive no meio de nós”.
Sara Ward, diretora da filial de Ohio da Interfaith Power and Light, louvou Gonzalez por “nos ajudar a entender como a climatização para os pobres estava também ajudando a reduzir o uso de combustíveis fósseis, que estavam poluindo ar”.
Ward esteve com a religiosa em junho, quando a coordenação da Interfaith Power and Light se encontrou na EarthConnection para um retiro anual. “Mesmo em sua capacidade física limitada, ela reunia forças para se juntar a nós durante algumas horas por dia, elevando-nos com a sua presença e, sim, com a sua linguagem ainda afiada para cuidar da criação surpreendente de Deus”, disse ela.
Ward testemunhou o enterro ecológico da freira e o rito de encomendação em 2 de agosto no de Cincinnati, descrevendo-o como “doce e simples”.
“O sol estava brilhando, havia sopros de nuvens, libélulas, borboletas, pássaros e todos os tipos de criação divina se uniram para homenageá-la. Assim que foi apresentada para o enterro com uma vestimenta branca, nós nos reunimos, oramos e suplicamos como uma comunidade, aspergimo-la com água e depositamos flores ao seu redor”, contou Ward.
Ward acrescentou ainda que estava, ao mesmo tempo, triste e alegre “já que pude sentir a alegria dela conosco ali reunidos ao seu redor. Tão tranquila, bonita e cheia de graça”.
O grupo deu o seu último adeus à gigante ecológica de 1,80 de altura com esta oração:
“Para dentro da beleza da mãe-terra, nós a enviamos. Para dentro da liberdade do vento e da luz do sol, para dentro da dança das estrelas e dos planetas. Nós a enviamos para dentro da próxima parte da nossa jornada espiritual enquanto você anda, de mãos dadas, com o Deus criador. Nós a enviamos para ir com segurança, vá dançando, vá para casa com alegria”.
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EUA. “Freira solar”, morre aos 83 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU