16 Junho 2023
A humanidade vive, hoje, uma situação semelhante a que antecedeu a I Guerra Mundial, com uma grande concentração de renda e crise, analisou o cientista social Bendito Tadeu César ao participar, na quarta-feira, 14, do I Ciclo de Debates de Direitos Humanos “Novos Olhares sobre o século XXI”, reunido na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Na análise do professor de história Solon Eduardo Anne Viola, outro palestrante, é preciso uma nova declaração universal dos direitos humanos, que escute os africanos, dê atenção aos povos do Extremo Oriente, ouça os povos da Floresta e da periferia urbana da América Latina, “onde os Direitos Humanos são uma fantasia”. Ele defendeu o desenvolvimento de um processo cultural capaz de promover mudanças solidárias.
A coordenadora do Projeto Social da Educação em Direitos Humanos da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Rio Grande do Sul, Cristiaine Johann, que também integrou a mesa de debatedores, lembrou que a Declaração Universal dos DH foi assinada depois da humanidade assistir os horrores da II Grande Guerra, no horizonte da ética e da moral para a construção de um mundo mais fraterno. A concretização ampliada da dignidade humana é a razão da existência do Estado, apontou.
O Sermão da Montanha, registrado nos evangelhos, o mantra de Jesus “amai-vos uns aos outros”, são declarações de direitos humanos, de respeito e dignidade do outro, mencionou Tadeu César. Tais princípios estão presentes em códigos antigos, como o Código de Hamurabi. “São direitos individuais, mas que representam um grande avanço”, comparado aos tempos em que a vontade do rei era soberana.
“A emergência dos Direitos Humanos coloca limites aos poderes soberanos, e assim vão surgir as constituições”, explicou César. A assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU, em 1948, foi um marco histórico. No Brasil, arrolou, o positivismo é considerado uma filosofia conservadora, mas ela foi revolucionária, pois passou a reconhecer os direitos coletivos.
Em pleno Estado Novo, num período ditatorial, o presidente Getúlio Vargas, um filho do positivismo, instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, estabeleceu leis trabalhistas, introduziu o salário-mínimo, a carteira de trabalho, organizou a justiça eleitoral, avanços lembrados pelo cientista social.
No início dos anos 30 do século passado começa a se gestar o período áureo do capitalismo. Historiadores definem o século XX como o “século das mulheres”. A emancipação feminina mudou toda a relação do trabalho, que desencadeou uma série de outras mudanças, como o padrão familiar, desestabilizou valores tradicionais, desencadeou a defesa de direitos dos negros, da comunidade LGBT.
O que se viu nas jornadas de junho no Brasil, há dez anos, foi a manifestação de uma frustração, uma mudança de expectativa muito forte diante o avanço econômico experimentado nos anos 2000, também com uma grande inserção social, provocada pela crise do capitalismo. Mexeu no campo ideológico e dos costumes.
Mas a crise, frisou Tadeu César, não é local, ela é mundial. No campo político, a Constituição cidadã que, no seu preâmbulo, é o reconhecimento dos direitos sociais, de uma equidade social na construção de um Estado social, sofreu desmonte logo depois de promulgada, “tanto que devemos ter a Constituição mais emendada do mundo”.
Cristiaine apresentou pesquisa do Instituto Ipsos, de 2018, a qual constatou que 66% dos entrevistados entendem os Direitos Humanos como a defesa de pessoas que não merecem ser defendidas, no velho refrão “defesa de bandidos”. O dado mostra, segundo ela, que os valores dos Direitos Humanos não foram internalizados por boa parte da população brasileira.
Ela conclamou à ação, destacando que há plataformas norteadoras que subsidiam o empenho por um mundo mais fraterno, solidário e justo, e que as pessoas se deem conta de que a defesa dos direitos humanos é uma luta de todos. Os subsídios são os valores e preceitos da Declaração Universal dos DH, a Agenda 2030, a Constituição cidadã, a Declaração de Buenos Aires, a Convenção Americana contra o Racismo e a Discriminação Racial. “A principal arma é a educação para a tolerância e o respeito aos direitos humanos de todos e por todos”, disse.
O professor Solon apontou que há questões urgentes a serem resolvidas, que ocorrem em pleno século XXI. Comentou que a cada ano morrem dois moradores de rua no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, durante o inverno. A democracia, mencionou, é o lugar do conflito, o lugar plural onde se possa resolver as grandes questões em benefício da humanidade.
Otimista, Cristiaine encerrou sua fala na mesa do I Ciclo com a pichação em muro: “um outro mundo é possível”. Tadeu César lembrou que na história “temos avanços e recuos, o que depende da correlação de forças”. E Solon deu boa noite à plateia com a leitura de poema de Carlos Drummond de Andrade, “Mãos Dadas”.
O I Ciclo de Debates de Direitos Humanos é uma iniciativa da Associação dos Docentes da Unisinos (Adunisinos) e parceiros.
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Mundo precisa uma nova declaração dos Direitos Humanos, diz professor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU