“O verdadeiro sentido da fraternidade é o único caminho para a paz e para salvar o meio ambiente”. Entrevista com Mauro Gambetti

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15 Junho 2023

"Ser Fratelli tutti significa também preservar uma relação com o meio ambiente. Os outros seres vivos e também os inanimados são irmãos, são irmãs, porque somos moldados pelo mesmo pó, a mesma terra, a mesma água... Como podes tratar mal o que tens nas tuas células?", diz cardeal arcipreste Mauro Gambetti, vigário-geral do Papa para a Cidade do Vaticano, em entrevista concedida a Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 12-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista

E agora, Eminência?

Na quarta-feira, antes de ser internado no hospital Gemelli, Francisco nos disse: continuem em frente! Veja, a impressão é que estamos num divisor de águas da história. Ou se escolhe ser irmãos dos outros, de todos, ou se decide ficar sozinhos, dobrados num egoísmo que engole as pessoas e as coisas... [1]

Depois tudo recomeçou a ser como antes, houve a invasão russa da Ucrânia. A Igreja clama no deserto?

É, essa é a sensação, por isso dissemos que tínhamos de dar voz à verdade. Foi o início de uma jornada que esperamos possa envolver pessoas de todo o mundo. Para os crentes é uma evidência, porque pensamos que a existência que desfrutamos é fruto de um ato criativo de um Deus que é o Pai de todos nós. Mas a fraternidade é algo que antropologicamente deveria ser evidente para todos. Disso a escolha de trazê-la de volta às consciências, num mundo em que se perdeu a percepção da fraternidade.

Para guerras e migrações fica claro, mas quanto ao meio ambiente?

Ser Fratelli tutti significa também preservar uma relação com o meio ambiente. Os outros seres vivos e também os inanimados são irmãos, são irmãs, porque somos moldados pelo mesmo pó, a mesma terra, a mesma água... Como podes tratar mal o que tens nas tuas células?

O que significa invocar fraternidade e paz diante de agressão e despotismos?

Se um agride o outro, a força destrutiva deve ser interrompida. Mas não ser neutros, e distinguir entre o agressor e o agredido também não significa que eu esteja de um lado ou de outro. Pelo contrário, trata-se de mudar o clima, fazendo todo o possível para reconstruir as possibilidades de uma relação.

E como se reconstrói o sentido das relações?

Retornando a ideia de fraternidade ao seu sentido original. Vivemos em um mundo dividido, a "guerra mundial aos pedaços" de que fala Francisco, e um individualismo quase patológico que tende a isolar.

Muitas vezes, ser irmãos é entendido como algo limitado ao próprio clã, tribo, família ou nação. Numa cultura de fragmentação, até a globalização pode favorecer a comunhão entre os seres humanos e com o ambiente em que vivem. Aqui está, se pudéssemos nos desvencilhar um pouco das nossas pequenas visões de amizade ou pertencimento, nos compreenderíamos todos como irmãos, unidos pela mesma natureza humana”.

Nota

[1] - O cardeal fala do "Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana" promovido pela Fundação Fratelli tutti e reunido no sábado na Praça de São Pedro, em conexão com outras praças — de Buenos Aires a Jerusalém e Nagasaki — e uma declaração de 34 prêmios Nobel assinada em nome do Papa pelo cardeal Pietro Parolin: “Não mais guerra!”. Foi Gambetti quem leu o discurso de Francisco: “Não nos cansemos de gritar "não à guerra", em nome de Deus ou em nome de cada homem e cada mulher que aspira à paz" Francisco publicou a encíclica Fratelli tutti em 3 de outubro de 2020. Guerras, migrações, devastação do meio ambiente: a pandemia havia mostrado que "ninguém se salva sozinho" e que era a hora de "sonhar como uma única humanidade".

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