07 Junho 2023
"Com a decisão acima, está pavimentado o caminho para que o presidente Lula, segundo a lei 4.132, decrete a desapropriação do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis e destine definitivamente os quase 4.000 hectares de terra para a reforma agrária, o que vem sendo feito na marra nos últimos 25 anos", escreve Gilvander Moreira.
Gilvander é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia Bíblica no Serviço de Animação Bíblica, em Belo Horizonte.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conquistou sentença judicial da Vara Agrária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) garantindo a posse do Quilombo Campo Grande para 459 famílias que ocupam o latifúndio da ex-usina Ariadnópolis há 25 anos, no sul de MG, no município de Campo do Meio. Dia 23 de março de 2023, a juíza Janete Gomes Moreira, substituta da Vara Agrária TJMG, baixou sentença negando reintegração de posse ao espólio da ex-usina Ariadnópolis que reivindicava judicialmente o despejo do Acampamento Quilombo Campo Grande, composto por 459 famílias que se auto-organizam e subdividem-se em 12 Acampamentos, quais sejam: Acampamento Girassol, com 45 famílias; Acampamento Potreiro, com 63 famílias; Acampamento Fome Zero, com 30 famílias; Acampamento Resistência, com 43 famílias; Acampamento Tiradentes, com 27 famílias; Acampamento Rosa Luxemburgo, com 76 famílias; Acampamento Irmã Dorothy, com 13 famílias; Acampamento Chico Mendes, com 16 famílias; Acampamento Betinho, com 27 famílias; Acampamento Sidnei Dias, com 78 famílias; Acampamento Marreco-Vitória da Conquista, com 31 famílias e Acampamento Coloninha, com 13 famílias.
Na decisão a juíza fundamentou sua decisão justa, constitucional e sensata usando, dentre outros, os seguintes argumentos jurídicos: “Para obter a procedência de sua pretensão, cabe ao autor provar, nos termos do artigo 561 do Código de Processo Civil, (I) sua posse. Possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, conforme artigo 1.196 do Código Civil. Ou seja, é considerado possuidor aquele que tem, de fato, o exercício dos poderes de fruição, ou utilização, ou reivindicação ou disposição da coisa.” O espólio da ex-usina Ariadnópolis não comprovou ter posse.
Laudo Socioeconômico e Produtivo das Comunidades Rurais da Área da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), desenvolvido pela Secretaria do Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA) (Id. 6437348032), concluiu que “as famílias organizadas pelo MST realizaram a primeira ocupação das áreas da antiga CAPIA no ano de 1998, o que restou demonstrado através de imagens de satélite de 2004 a 2018 o processo de ocupação das famílias nas áreas”. A requerente CAPIA não comprovou que exerceu a posse anterior sobre o imóvel objeto da Inicial que requeria reintegração de posse, sendo certo que a prova de domínio do bem é irrelevante para fins de proteção possessória, uma vez que não se discute o direito real de propriedade, mas apenas a existência de situação fática que configura a posse.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou em recurso sobre reintegração de posse: "Não basta ao autor da ação de reintegração de posse provar o domínio (ter escritura com registro em cartório e pagar tributos). Exige-se que demonstre a sua posse. Recurso não conhecido." [1] São requisitos para a reintegração na posse a prova da posse anterior do requerente, perdida mediante esbulho; o pedido de reintegração condiciona-se à coexistência dos requisitos previstos na norma do artigo 561 do Código de Processo Civil (CPC). As ações possessórias têm como objetivo discutir, tão somente, o direito de posse, sendo irrelevantes, portanto, alegações de direito de propriedade, conforme previsto na norma do §2º do artigo 1.210 do Código Civil. [2] Para o deferimento da liminar de reintegração de posse, se faz necessária a comprovação do preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC, quais sejam a posse anterior, o esbulho e sua data, que deverá ser inferior a ano e dia da propositura da ação possessória. Consubstanciando-se a demonstração da posse prévia em alegação de propriedade, deve ser indeferida a liminar possessória. Recurso desprovido. [3] Comprovado que o proprietário não exercia a posse do imóvel, inviável o manejo das ações possessórias para reaver o bem. [4]
Com a decisão acima, está pavimentado o caminho para que o presidente Lula, segundo a lei 4.132, decrete a desapropriação do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis e destine definitivamente os quase 4.000 hectares de terra para a reforma agrária, o que vem sendo feito na marra nos últimos 25 anos. Viva o MST e a luta pela terra! O conflito de Terras no Quilombo Campo Grande em Campo do Meio, região sul de Minas Gerais perdura por 25 anos, tendo 459 famílias acampadas e cerca de 2.000 pessoas morando no território. Ao longo de sua trajetória o acampamento passou por 11 reintegrações de posse, a mais recente foi em agosto de 2020, no meio da pandemia, onde 14 famílias tiveram suas casas e lavouras destruídas pelo aparato do estado em conluio com latifundiários, bem como a Escola Popular Eduardo Galeano.
Dia 03 de junho (de 2023) realizamos na Comunidade Quilombola de Pinhões, no município de Santa Luzia, MG, a IV Romaria pela Ecologia Integral da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG, que contou com a participação de Movimentos socioambientais e mais uma vez ecoaram fortemente gritos clamando pela anulação do leilão e assinatura do contrato do Rodoanel (Rodominério) na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tramita na Justiça Federal uma Ação Civil Pública da Federação Quilombola de Minas Gerais – N’Golo - que exige a anulação do leilão do Rodoanel feito de forma ilegal e autoritária pelo governador de MG, Romeu Zema, dia 12 de agosto de 2022, na Bolsa de Valores de São Paulo, SEM ter feito a necessária Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais que serão brutalmente atingidas pelo rodominério. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU (Organização das Nações Unidas), tratado internacional ratificado pelo Brasil em 2004 que o Estado faça Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais toda vez que um empreendimento do Estado ou de empresas afetar estas Comunidades. O Ministério Público Federal apresentou PARECER contundente exigindo a anulação do leilão do Rodominério, porque foi feito sem a necessária Consulta Prévia. Conseguirmos também na luta popular a revogação da Resolução do Zema/SEMAD/SEDESE, que amordaçava e aniquilava o Direito à Consulta ao tentar impor que em Minas Gerais a empresa que fosse implementar um projeto do grande capital tivesse o direito de fazer a Consulta às Comunidades Tradicionais, em apenas 100 dias, um absurdo inaceitável, pois seria o mesmo que “raposa consultar as galinhas no galinheiro” para determinar a ordem de morte para todas as galinhas.
Dia 04 de junho, realizamos o VI Abraço na Serra do Curral em Belo Horizonte, na divisa com Nova Lima, MG. Após concentração no Parque das Mangabeiras, subimos a pé uns 6 Km de caminhada até o Pico Belo Horizonte, que está tendo sua base carcomida pela mineradora Ipabra, sendo que do outro lado do Pico Belo Horizonte está a cratera da Mina de Águas Claras, que carcomeu quase toda a Serra do Curral, atrás do bairro Mangabeiras. Vimos que a “casquinha” da Serra do Curral, que ainda resiste impedindo que uma “montanha” de água da cratera da Mina de Águas Claras cause um tsunami inundando dezenas de bairros de BH. Filmamos no local um “grampeamento” com “cimento e ferro” desta “casquinha” de Serra do Curral, pois estava em processo de erosão e rachaduras.
Dia 05 de junho (de 2023), Dia do Ambiente, que nos interpela a defender com ardor os territórios, exercitando nosso direito de dizer NÃO aos grandes projetos do capital e defender a alegria de conviver em um ambiente livre e sadio, dezenas de representantes de Movimentos socioambientais, Povos Indígenas e parlamentares de esquerda, lançamos, em Ato Público, na Prainha da Represa de Vargem das Flores, em Contagem, MG, o Decreto Popular de Emergência Climática em Minas Gerais, considerando que durante o 19º Acampamento Terra Livre realizado em Brasília, entre os dias 24 e 28 de abril de 2023, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) decretou Emergência Climática Nacional fazendo eco ao clamor de cura da Mãe Terra. No Decreto Popular consta que “nas Minas Gerais não é diferente, pois com o governador Zema, em conluio com as grandes mineradoras, a “boiada” segue passando a todo vapor e, infelizmente, nos Gerais, ela é reforçada pelo trem da mineração, que solapa vidas e o meio ambiente.”
Entre muitas denúncias, no Decreto está que “O megaprojeto de construção do Rodoanel Metropolitano, concessão pública repleta de ilegalidades e violações que, na verdade, deveria se chamar 'Rodominério', talvez seja o melhor exemplo da opção do governo Zema pelo aprofundamento do rodoviarismo altamente poluente, baseado no veículo individual privado, ao invés do fomento e investimentos em transporte público e modais não motorizados, como determina a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012). Ainda, o bilionário Rodominério, no qual o Zema quer usar os recursos da reparação dos atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho, representa um projeto para viabilizar o escoamento de minério de diversas mineradoras para a criminosa Vale.”
No final do Decreto de Emergência Climática consta: “Para que possamos zelar pelo bem viver, contribuindo com o equilíbrio climático, decretamos a viva voz Emergência Climática nas Minas Gerais e reivindicamos de todos os poderes do Estado:
I. Revogação imediata da concessão privada de construção e operação do Rodoanel Metropolitano;
II. Respeito à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
III. Demarcação das terras indígenas;
IV. Reconhecimento, proteção e titularização das comunidades quilombolas rurais e urbanas;
V. Proteção da Serra do Curral, da Mata do Baleia e de todas as serras, matas e águas de nosso estado;
VI. Respeito aos Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas, dos Vales do Jequitinhonha e do Rio Pardo, fortemente afetados e ameaçados pela política de destruição do governo Zema com projetos como o “Vale do Lítio”, Nova Aurora, SAM e Mineroduto, que envolve a venda destruição de nossos territórios, reduzindo-os a “riquezas minerais”, para o capital estrangeiro. Não somos Vale do Lítio, somos Vale do Jequitinhonha! Somos Gerais e não distritos ferríferos. Em defesa da Serra e dos Povos do Espinhaço.
VII. Regularização dos territórios e Certificação de Autorreconhecimento dos Povos e Comunidades Tradicionais e respeito aos seus modos de vida;
VIII. Criação do Comitê Mineiro de Mudanças Climáticas (CMMC) com participação majoritária da sociedade civil organizada;
IX. Atualização e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, incluindo os planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento nos biomas e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas;
X. Imediata posse e reativação da Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT), com orçamento próprio e condições de funcionamento, para que tenhamos no estado de Minas Gerais um espaço institucional de proteção desses povos;
XI. Revisão da composição do COPAM garantindo representação paritária entre estado e organizações sociedade civil, representada efetivamente pelas organizações ambientalistas e não pelas concessionárias e entidades representativas do setor econômico;
XII. Estabelecimento de Zonas Livres de Mineração, com respeito e garantia definitiva dos nossos Parques, Reservas e Unidades de Conservação: Gandarela, MONA Moeda etc. no intuito de coibir as permanentes tentativas de ataque e desafetação dessas áreas e suas zonas de entorno.
XIII. Manutenção da COPASA como patrimônio público do povo mineiro. Não à privatização!”
Sigamos firmes na luta por direitos, com mobilização popular, na certeza de que somente com a união das forças vivas da sociedade é possível alcançar conquistas e empreender a necessária transformação do Estado e da sociedade, de forma que seja justa, fraterna, com respeito à vida em toda sua biodiversidade.
[1] STJ. 4ª Turma. REsp nº 150.267/PE. Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ: 29/05/00, pág. 157.
[2] TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.262011-5/001, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/06/2019, publicação da súmula em 14/06/2019.
[3] TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.112290-4/001, Relator(a): Des.(a) Amorim Siqueira, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/04/2019, publicação da súmula em 12/04/2019.
[4] TJMG - Apelação Cível 1.0433.11.030791-8/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2019, publicação da súmula em 08/02/2019.
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Conquista do MST, IV Romaria pela Ecologia Integral, VI Abraço na Serra do Curral e Emergência Climática em MG. Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU