15 Mai 2019
"Celebrar 40 anos da CPT-MG, em 2019, em plena ascensão do fascismo, dos militares e de falsos pastores ao poder deve ser tempo de resgatar todas as lutas de 1979 a 2019 para lutarmos de modo emancipatório nos próximos 40 anos, de forma profética e revolucionária", escreve Gilvander Moreira, Frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, assessor do Serviço de Animação Bíblica – SAB – e da Via Campesina em Minas Gerais.
No Brasil, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, em plena ditadura militar-civil-empresarial. Em Minas Gerais, a CPT foi criada em 1979. Em 2019, a CPT-MG celebra 40 anos de luta por justiça agrária ao lado dos camponeses e das camponesas. Segundo Ivo Poletto, o primeiro secretário da CPT, "os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade em uma terra livre da dominação da propriedade capitalista" (POLETTO, 2015)[1]. A CPT iniciou sua atuação na Amazônia acompanhando pastoralmente a luta dos camponeses posseiros. O fato de estar vinculada à CNBB[2] contribuiu para a CPT defender as/os camponesas/es da repressão imposta pela ditadura militar. Já nos primeiros anos, a CPT se tornou ecumênica, porque dela participavam camponesas/es de várias igrejas e também porque incorporou agentes de outras igrejas cristãs. Ao longo de quatro décadas, a atuação da CPT ampliou dos posseiros para muitas outras expressões do campesinato. A CPT mantém uma Campanha Permanente contra o Trabalho Escravo lutando pela libertação dos "peões", submetidos, muitas vezes, a condições análogas à da escravidão.
O objetivo maior da existência da CPT é ser um serviço pastoral à causa dos/as camponeses/as, sendo um suporte para a sua organização. A CPT os acompanha, não cegamente, mas com espírito crítico e com compromisso eclesial e político (CPT, 1990).[3] A defesa dos direitos humanos dos camponeses permeia toda a atuação da CPT. Por isso, a CPT é também uma entidade de defesa dos Direitos Humanos: uma Pastoral dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da terra.[4] A CPT está organizada em todo o Brasil em 21 regionais e contribuiu na criação de muitos movimentos sociais camponeses. As lideranças históricas do MST são unânimes em reconhecer a importância da CPT na criação do MST enquanto movimento em nível nacional, conforme asseverou João Pedro Stédile em reiteradas ocasiões. Bernardo Mançano Fernandes registrou uma dessas falas de Stédile no livro Brava gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil: “O surgimento da CPT, em 1975, em Goiânia (GO), foi muito importante para a reorganização das lutas camponesas. Num primeiro momento ela reuniu os bispos da região amazônica, que percebiam o altíssimo grau de violência cometida contra os posseiros das regiões Norte e Centro-Oeste do país. [...] Outro aspecto importante, com o surgimento da CPT, é o pastoral. [...] A CPT foi a aplicação da Teologia da Libertação na prática, o que trouxe uma contribuição importante para a luta dos camponeses pelo prisma ideológico. Os padres, agentes pastorais, religiosos e pastores discutiam com os camponeses a necessidade de eles se organizarem. A Igreja parou de fazer um trabalho messiânico e de dizer para o camponês: “Espera que tu terás terra no céu”. Pelo contrário, passou a dizer: “Tu precisas te organizar para lutar e resolver os teus problemas aqui na Terra”. A CPT fez um trabalho muito importante de conscientização dos camponeses. Há ainda mais um aspecto que também julgo importante do trabalho da CPT na gênese do MST. Ela teve uma vocação ecumênica ao aglutinar ao seu redor o setor luterano, principalmente nos estados do Paraná e de Santa Catarina. Por que isso foi importante para o surgimento do MST? Porque se ela não fosse ecumênica, e se não tivesse essa visão maior, teriam surgido vários movimentos. A luta teria se fracionado em várias organizações. [...] A CPT foi uma força que contribuiu para a construção de um único movimento, de caráter nacional” (STEDILE; FERNANDES, 2005, p. 19-21)[5].
A vinculação do MST com a CPT é histórica. O trabalho de base feito pela CPT de 1975 a 1984 foi imprescindível para a criação do MST. Em Minas Gerais, a CPT fez o trabalho de base que viabilizou a 1ª Ocupação do MST em MG, em fevereiro de 1988: Aruega em Novo Cruzeiro. Para Stédile, “A CPT, lá nos primórdios de 1975 a 1984, ia para o interior fazer o trabalho de base e dizia assim: Deus só ajuda a quem se organiza, não pensem que Deus vai ajudar vocês se ficarem só rezando” (STÉDILE, 1997, p. 87-88)[6].
Ao longo de sua história, a CPT realizou quatro congressos nacionais. O I aconteceu em Bom Jesus da Lapa, BA, em 2001 com o tema: “Terra, água, direitos: eis o tempo jubilar”. Foi definida a terra como espaço de vida, não simplesmente como área de produção; a água como direito natural e inalienável que não pode ser reduzida a mercadoria; e a pessoa humana como sujeito de direitos e como necessárias e legitimas as várias formas de luta para garantir estes direitos.[7] Em 1977, cerca de 120 camponeses da Bahia foram até o Santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, pedir forças espirituais ao Bom Jesus e denunciar sua luta desesperada contra a grilagem de suas terras. Assim se deu a origem das Romarias da Terra no Brasil. Em julho de 2018, em Bom Jesus da Lapa, BA, aconteceu a 41ª Romaria da Terra e das Águas do Estado da Bahia. Em Minas Gerais, em 2018, realizamos a 21ª Romaria das Águas e da Terra do Estado de Minas Gerais, na cidade de Lagoa da Prata, no centro-oeste de Minas, na Diocese de Luz.
Nos 30 anos da CPT, o II Congresso Nacional da CPT foi realizado em 2005, na Cidade de Goiás, GO, com o lema “Fidelidade ao Deus dos Pobres, a serviço dos povos da terra”. “Podemos afirmar, com todas as letras, que, em muitos casos, as terras do agronegócio intensivo e extensivo, não cumprem a necessária e obrigatória função social, exigida pelo art. 186 da Constituição Federal” (CARTA FINAL do II CONGRESSO DA CPT, 2006, p. 15). Na Plenária do II Congresso da CPT, o Sr. Sebastião, camponês cearense, 67 anos, gritou com entusiasmo: “Novos céus e nova terra a gente é quem faz, com a nossa prática!” (CARTA FINAL, 2006, p. 17). Foi acordado no II Congresso da CPT que “a reforma agrária que ainda faz sentido, e pela qual não abrimos mão de continuar lutando, é a que, além de democratizar a propriedade da terra, reestruture ecologicamente o território, para potencializar os benefícios civilizatórios do campesinato atual” (II CONGRESSO DA CPT, 2006, p. 26). O agronegócio, enquanto braço da fase atual do capitalismo no campo, “afeta duplamente os assalariados rurais. Primeiro, tira-lhes a terra, ao tomar-lhes a que têm ou ao dificultar-lhes o acesso à terra que eles nunca tiveram. Segundo, superexplora (destaque nosso) o seu trabalho “livre”, em condições de crescente precarização, até a escravidão” (II CONGRESSO DA CPT, 2006, p. 28).
O III Congresso Nacional da CPT aconteceu em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, em 2010, com o tema: “Biomas, Territórios e Diversidade Camponesa” e o lema: “No Clamor dos Povos da terra, a Memória e a Resistência em Defesa da Vida.” No III Congresso da CPT enfatizou-se uma cosmovisão ecológica integral sobre a Terra, que afirma: “O planeta no qual vivemos se comporta como ser vivo, tem sua alteridade em relação ao ser humano, precisa de sua própria cobertura vegetal para respirar, de uma determinada média de temperatura para abrigar a atual comunidade da vida, de seu ciclo de águas, enfim, tem seu próprio metabolismo, e que o ser humano é parte deste metabolismo, como tudo que existe. Pensar que temos o controle sobre a Terra é uma ilusão da arrogância humana. Nós dependemos da Terra e das condições que ela nos oferece para viver. Somos parte integrante desta imensa vida e temos que aprender que nosso existir é fruto do gigantesco milagre da evolução e da interação de todos os elementos que vêm acontecendo há bilhões de anos” (III CONGRESSO DA CPT, 2010, p. 20).
O IV Congresso Nacional da CPT foi realizado, em Porto Velho, RO, em 2015 com o tema/lema: “Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança dos pobres do campo.” Celebramos os 40 anos de atuação da CPT no Brasil e assim nos expressamos na Carta Final: “Com as mãos cheias de esperança, convocamos os povos originários e o campesinato em suas mais diversas expressões: quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos, retireiros, geraizeiros, vazanteiros, camponeses de fecho e fundo de pasto, extrativistas, seringueiros, castanheiros, barranqueiros, faxinalenses, pantaneiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, assentados, acampados, peões e assalariados, sem-terra, junto com favelados e sem-teto, para fortalecer estratégias de aliança e de mobilizações unitárias. Convocamos também igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo urgente de MOBILIZAÇÃO REBELDE E UNITÁRIA pela vida, que inclua a defesa do planeta TERRA, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade. Com o Papa Francisco reafirmamos que queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, na nossa realidade mais próxima, uma mudança estrutural que toque também o mundo inteiro. Se no passado a escuridão não nos calou, mas acendeu em nós a esperançosa rebeldia profética, hoje também ela nos impulsiona a continuar a luta ao lado dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, em busca de uma terra sem males e do bem viver” (CARTA FINAL do IV Congresso da CPT).
Em Minas Gerais, ao longo de 40 anos, a CPT contribuiu para a conquista de 412 assentamentos de reforma agrária para cerca de 20 mil famílias em cerca de 900 mil hectares; animou a criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais autênticos; estimulou oposição sindical quando necessário; combateu trabalho escravo; animou a criação e o fortalecimento de grupos de base, de associações e de cooperativas de pequenos produtores na linha da agroecologia e nos últimos 15 anos está também atuando na resistência diante dos grandes projetos do capital e priorizando a organização e a luta dos Povos e Comunidades Tradicionais. Porém, celebrar 40 anos da CPT-MG, em 2019, em plena ascensão do fascismo, dos militares e de falsos pastores ao poder deve ser tempo de resgatar todas as lutas de 1979 a 2019 para lutarmos de modo emancipatório nos próximos 40 anos, de forma profética e revolucionária.
[1] Cf. “CPT - 40 anos caminhando com o povo da terra”.
[2] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
[3] Cf. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Compromisso Eclesial e Político da Comissão Pastoral da Terra. 4ª Ed. São Paulo: Loyola, 1990.
[4] Cf. "CPT - Histórico".
[5] STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3ª edição. Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
[6] Entrevista com João Pedro Stédile. In: ESTUDOS AVANÇADOS. O MST e a questão agrária. São Paulo: IEA, v. 11, n. 31: 69-97, 1997.
[7] Cf. "I Congresso Nacional da CPT".
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CPT, em MG, 40 anos de luta por justiça agrária ao lado dos camponeses e camponesas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU