05 Abril 2023
"O Rodoanel visa viabilizar infraestrutura para as mineradoras escoarem o minério explorado, o que nos leva a dizer que o Rodoanel será na prática um Rodominério e crime maior que o que a Vale S/A causou a partir de Brumadinho", escreve Gilvander Moreira.
Gilvander é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia Bíblica no Serviço de Animação Bíblica, em Belo Horizonte.
Seria cômico, se não fosse trágico, o fato de o (des) governador de Minas Gerais, Romeu Zema, com política de extrema direita, ter assinado o contrato para realização do Rodoanel/Rodominério na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), projeto da época da ditadura que já foi refutado várias vezes entre 2005 e 2016, justamente no dia 31 de março de 2023, dia de execrar o que foi a ditadura militar-civil-empresarial instalada no Brasil em 1964 e que durou até 1985.
Nós do Movimento “Somos Todos Contra o Rodoanel na RMBH” e da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Rodoanel defendemos propostas alternativas justas, éticas e democráticas à construção do Rodoanel, dentre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH, metrô público e não privatizado; b) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte, realidade que existia até a década de 1970. Existem estudos avançados, inclusive no âmbito da própria SEINFRA [2] do Governo de MG e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), neste sentido; c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e mais 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de MG e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo (des)governador Zema, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel [3].
Temos que denunciar que o leilão realizado dia 12 de agosto de 2022, na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), pelo governo de Minas Gerais, para a construção do Rodoanel/Rodominério na RMBH, aconteceu com farsas de audiências públicas, SEM Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais impactados por esta obra faraônica eleitoreira, ecocida, hidrocida, cavalo de Tróia, dragão do Apocalipse, e SEM estudos técnicos que indiquem a viabilidade e segurança socioambiental desta obra de interesse das mineradoras, considerando os direitos sociais e culturais das comunidades impactadas e o patrimônio ambiental, cultural, histórico e arqueológico das áreas afetadas. Uma Ação Civil Pública da Federação Quilombola de Minas Gerais (N’Golo) tramita na Justiça Federal, no TRF6, exigindo a anulação do leilão do Rodoanel, por ter sido realizado SEM a Consulta Prévia, Livre e Informada aos Povos e Comunidades Tradicionais que direta e indiretamente serão brutalmente impactados por esta obra do grande capital.
Foram ignorados os impactos ambientais do Rodominério sobre as áreas de Mata Atlântica, protegida por Lei Federal 11.428, de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica e também os impactos e plano de salvaguarda de bens arqueológicos e imateriais, como por exemplo, o Cemitério dos Escravos de Santa Luzia, MG, o que prescreve a Lei 3.924, de 1961, que dispõem sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Este Rodominério causará a devastação de vários mananciais imprescindíveis para o abastecimento público de Belo Horizonte e para as 34 cidades da RMBH, tais como: mananciais da APA [4] da Lajinha em Ribeirão das Neves, mananciais de Vargem das Flores em Contagem e Betim e quatro mananciais em Ibirité (Taboões, Bálsamo, Rola Moça e Barreirinho).
A autopista do Rodominério implicará em desapropriação de mais de 15 mil moradias e sítios, sendo 50 igrejas, dezenas de terreiros, UPAs [5], cerca de 20 escolas, bairros serão devastados, sitiados e segregados. Como mais de 90% das moradias da RMBH não têm escritura e nem registro, mas apenas contratos de compra e venda, a indenização será profundamente injusta e deverá agravar em muito o déficit habitacional em 13 cidades da RMBH. Além da devastação ambiental, causará também a supressão de áreas rurais, pois como toda grande rodovia sempre induz à povoação nas suas margens, ao final da construção do Rodominério deverão estar mais de 60 mil famílias ocupando as margens desta autopista “privada”. É importante lembrar que ao lado do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, em apenas 26 Km, se assentaram mais de 7.000 famílias em 40 ocupações. A construção de estradas induz à ocupação humana regular e irregular. O “Rodoanel” não será rodoanel, pois não vai passar nas bordas da RMBH, mas vai dividir 13 cidades ao meio e sitiar/segregar centenas de bairros, já que vai rasgar brutalmente a RMBH ao meio, desalojando milhares de famílias que não foram informadas que perderão suas moradias e receberão uma indenização muito injusta.
O principal objetivo da criação do Parque Estadual Serra do Rola Moça na RMBH, o 3º maior em região metropolitana do Brasil, é a proteção dos mananciais de abastecimento público Catarina, Bálsamo, Mutuca, Barreiro, Rola Moça e Taboões. Mananciais estes que abastecem grande parte da população de BH e da RMBH. O projeto do rodoanel/rodominério é passar nas áreas de amortecimento desta Unidade de Conservação, o que dizimará os mananciais.
Este rodominério não será uma estrada pública e democrática, pois será construída no sistema Parceria Público Privado (PPP) e a empresa transnacional italiana INC S.P.A, em 30 anos de concessão, deverá ter um lucro de cerca de 60 bilhões de reais com pedágio mais caro do Brasil: 0,35 centavos por quilômetro rodado, R$70,00 para ir e voltar (preço de 2021). O pedagiamento do rodoanel induzirá o pedagiamento do Anel Rodoviário de BH, o que aumentará a já brutal desigualdade socioeconômica em BH e RMBH.
O sistema de abastecimento de água potável da COPASA [6] em Belo Horizonte e RMBH já perdeu vários mananciais, como o da Pampulha e do rio Paraopeba, que representava 50% da captação de água, mas foi devastado pelo crime da Vale S/A. Hoje há apenas três represas de onde se capta água para os quase seis milhões de habitantes de BH e RMBH: Serra Azul, Rio Manso e Vargem das Flores. As duas primeiras represas podem ser atingidas pelo rompimento de dezenas de barragens de rejeito de minério. Todas as nascentes do manancial Vargem das Flores estão em Contagem, entre BH e Betim. Estudos encomendados pela COPASA indicam que se adensar as áreas verdes na bacia hidrográfica de Vargem das Flores, a represa estará completamente assoreada em 23 anos e será secada.
Para tentar convencer a população de BH e a da RMBH, o governo Zema alega que construirá o rodoanel para acabar com as mortes no anel rodoviário. Isso não passa de falácia desse governo, pois o Rodoanel só aliviará 12% do trânsito do Anel Rodoviário e também não será estrada segura, pois terá curvas fechadas, subidas e descidas íngremes de 14 Km, muito mais do que no anel rodoviário. O rodoanel é uma obra que terá investimento público (dinheiro do povo) e também mais de três bilhões de reais oriundos do acordão do crime da Vale S/A em Brumadinho, que será entregue para a iniciativa privada (uma multinacional ligada à extrema direita na Itália, única empresa que concorreu ao leilão ilegal).
E o respeito ao Acordo Climático Internacional de investir em projetos de baixo carbono? O projeto do Rodoanel se enquadra nos padrões e exigências desse necessário Acordo? Óbvio que não. Enfim, o Rodoanel visa viabilizar infraestrutura para as mineradoras escoarem o minério explorado, o que nos leva a dizer que o Rodoanel será na prática um Rodominério e crime maior que o que a Vale S/A causou a partir de Brumadinho. Exigimos a anulação do leilão e do contrato do Rodoanel, já.
[2] Secretaria de Estado de Infraestrutura e de Mobilidade do Governo de Minas Gerais.
[3] Disponível aqui.
[4] Área de Proteção Ambiental.
[5] Unidades de Pronto Atendimento do SUS.
[6] Companhia de Saneamento de Minas Gerais.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Rodoanel na RMBH, crime maior que o da Vale em Brumadinho. Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU