19 Mai 2023
"A décima mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais – e a 57ª da instituição conciliar – tem uma função bussolar na medida em que, lida em conjunto com as anteriores, norteia a comunicação que devemos fazer", escreve Marcus Tullius no artigo publicado por Vatican News, 17-05-2023, e enviado pelo autor para o Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Marcus Tullius é coordenador-geral da Pascom Brasil, membro do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da CNBB, mestrando em Comunicação Social pela PUC Minas e apresentador do programa Igreja Sinodal em emissoras de inspiração católica.
A décima mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais – e a 57ª da instituição conciliar – tem uma função bussolar na medida em que, lida em conjunto com as anteriores, norteia a comunicação que devemos fazer. As escolhas temáticas feitas pelo Papa Francisco nas mensagens aos comunicadores reforçam grandes traços pastorais do seu pontificado, presentes também em outros documentos como encíclicas e exortações apostólicas. De fato, como bem aponta (e repete) na Laudato Sì, “tudo está interligado” (cf. n. 91; 117; 138; 240), logo, é preciso encarar a vida concreta, cientes de que “a realidade é mais importante do que a ideia” (cf. Evangelii Gaudium, n. 231-233) e que não há processo de evangelização desconectado das situações vividas por todas as pessoas.
Francisco consegue propor respostas práticas aos grandes desafios contemporâneos e as suas contribuições vão além dos muros da Igreja Católica, dialogando com toda a sociedade, com líderes políticos e com as demais religiões. No campo da comunicação, uma de suas grandes contribuições está em resgatar uma comunicação mais humanista, superando uma dimensão puramente tecnicista, um fazer pelo fazer. Em sua Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, que pode ser lida como um programa de governo, o pontífice deixa claro “que as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos” (n. 87).
Assim, no seu método, é preciso ir e ver (mensagem de 2021), escutar com o coração (mensagem de 2022), falar com o coração, recuperar a capacidade das narrativas (mensagem de 2020), reconhecermo-nos como comunidades (mensagem de 2019), combatendo as mentiras (mensagem de 2018). Esta comunicação promotora do encontro (mensagem de 2014) deve ser esperançosa (mensagem de 2017) e misericordiosa (mensagem de 2016), começando a partir das famílias (mensagem de 2015).
Tendo retomado o itinerário comunicacional proposto pelo Papa Francisco, de maneira bastante prática, quero destacar 10 propostas a partir do que o pontífice apresenta na mensagem deste ano, como uma forma de aplicá-la no cotidiano. Não é uma lista de tarefas a serem cumpridas de forma mecânica, mas um propósito de necessária conversão pastoral à qual somos chamados para promover uma comunicação que parta do coração e chegue ao coração das pessoas, “testemunhando a verdade no amor” (cf. Ef 4,15). Quis chamar estas propostas, carinhosamente, de decálogo da comunicação cordial. Não estão dispostos de forma hierárquica, mas se compõem um todo a ser vivido de forma integral.
O agente da comunicação é desafiado a romper com o ciclo vicioso do pré-julgamento e abrir-se à capacidade de comunicar compassivamente, purificando o coração, a partir da experiência que faz da pessoa de Jesus Cristo que se manifesta no outro. “Então pode ter lugar o milagre do encontro, que nos faz olhar uns para os outros com compaixão, acolhendo as fragilidades recíprocas com respeito, em vez de julgar a partir dos boatos semeando discórdia e divisões.”
Corremos o risco de fazer uma comunicação desencarnada, sem cheiro de gente, sem histórias, logo, distante da realidade. Para falar com o coração, é preciso uma comunicação envolvente e envolvida com todas as causas, “interpelando radicalmente este nosso tempo, tão propenso à indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade.”
Em um mundo polarizado e com tantas violências – estruturais, físicas e simbólicas -, a necessidade de reconhecer o outro em sua dignidade, de forma integral, deve ser abraçada como tarefa, responsabilidade e missão da comunicação. “Quem assim fala, ama o outro, pois preocupa-se com ele e salvaguarda a sua liberdade, sem a violar.”
Numa época de velocidade e esgotamentos (A sociedade do cansaço, refletida por Byung-Chul Han), a paciência é uma virtude em extinção. Contudo, ela é indispensável para o desenvolvimento de um falar amável, “para que a comunicação não fomente uma aversão que exaspere, gere ódio e conduza ao confronto, mas ajude as pessoas a refletir calmamente, a decifrar com espírito crítico e sempre respeitoso a realidade onde vivem.”
Dizer a verdade, para o cristão, não é apenas uma escolha moral, mas é a sua configuração a Jesus Cristo, que é “caminho, verdade e vida” (cf. Jo 14,6). Assim, esta é uma “responsabilidade de cada um. Todos somos chamados a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor.”
De forma delongada, na mensagem, o Papa Francisco apresenta o exemplo de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas, como uma inspiração para os comunicadores que desejam falar com o coração. “A sua mansidão, humanidade e predisposição a dialogar pacientemente com todos, e de modo especial com quem se lhe opunha, fizeram dele uma extraordinária testemunha do amor misericordioso de Deus.”
Teresa de Calcutá, Dulce dos Pobres, Francisco de Assis, mulheres e homens de nosso tempo – tantos! – colocaram o amor como critério de vida. São Francisco de Sales afirma que “somos aquilo que comunicamos” e, por conseguinte, somos aquilo que amamos também. “Uma lição contracorrente hoje, num tempo em que, como experimentamos particularmente nas redes sociais, a comunicação é muitas vezes instrumentalizada para que o mundo nos veja, não por aquilo que somos, mas como desejaríamos ser.”
Não se pode confundir intimidade com Deus com uma relação intimista, egoísta, vazia e interesseira muitas vezes se dissemina em discursos religiosas. A intimidade com Deus é um dom que Ele mesmo nos concede, uma dádiva de sua paternidade. Quem fala com Deus, fala de Deus de forma diferente. É do encontro com Ele que “nasce um falar segundo o estilo de Deus, que se sustenta de proximidade, compaixão e ternura. Na Igreja, temos urgente necessidade duma comunicação que inflame os corações, seja bálsamo nas feridas e ilumine o caminho dos irmãos e irmãs.”
Eis um caminho feliz para cumprir a vontade de Deus. Inclusive, a Igreja latino-americana e caribenha tem esta como a sua primeira contribuição para o caminho sinodal. Somos habitados pelo Espírito, ele nos confirma no seguimento autêntico de Jesus e nos lança ao novo. Sem o seu dinamismo, nos fechamos em nossas próprias convicções, perdemos o brilho de sua luz e, com isso, vamos ficando mofados, amargurados e perdemos a razão da missão. O conselho do Papa Francisco aos comunicadores é: “saiba deixar-se guiar pelo Espírito Santo, gentil e ao mesmo tempo profética, capaz de encontrar novas formas e modalidades para o anúncio maravilhoso que é chamada a proclamar no terceiro milênio.”
A instauração da cultura da paz passa, obrigatoriamente, pela comunicação. Na gramática do Evangelho, os verbos amar e armar não se conjugam juntos. O destino da paz passa por uma sociedade e por uma igreja desarmadas, com condições para se converter cotidianamente. “Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum desarmamento integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se aninha nos nossos corações.”
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Decálogo da comunicação cordial: 10 propostas para falar com o coração a partir da mensagem do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU