17 Abril 2023
"Para Morin, Putin é um déspota capaz de realismo: contrapartidas podem ser encontradas para a paz. É necessário, porque a guerra traz crises ecológica, econômica, civilizacional, e 'crise de pensamento, incapaz de pensar a crise'. Em seis anos, os seres humanos à beira da carestia quadruplicaram. Morin disse alguns anos atrás: existe 'evolução involutiva' da humanidade e 'ciência sem consciência'", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Fine Settimana, 13-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nesse livro, curto e denso como um clarão, Edgar Morin, 102 anos, filósofo da complexidade, confessa que não compreendeu de imediato, quando jovem, que "a guerra do Bem comporta em si o Mal". Como Kant (1795) já dizia claramente: “A guerra é má, por originar mais homens maus do que aqueles que mata". Mas hoje está claro. Os maciços bombardeios aliados de milhares de civis, na guerra contra Hitler, são crimes de guerra sistêmicos, e não ocasionais, cometidos pelas democracias. E ocultados, como os crimes do stalinismo”.
De guerre en guerre: De 1940 à l'Ukraine
“Eu me pergunto: o Ocidente democrático se vangloria de ter esmagado Hitler com a guerra, mas também não esmagou, junto com a glória mortífera, uma cultura de paz? E o nazismo não foi justamente o fruto envenenado de uma Vitória ultramilitar e de uma falsa paz? Assim - continua Morin - toda guerra espalha rios de sangue humano por resultados poluídos de crimes. Na Ucrânia, a espiral de ódios entre agressor e agredido só pode trazer um mal pior. Nossos meios de comunicação silenciam sobre o outro imperialismo, apenas apontam para aquele russo. Histeria de guerras, mentiras, criminalizações são em todos os lugares a alma das guerras, todas, até as nossas: Argélia, Iugoslávia, Palestina, ... Crimes que produzem contra-crimes”.
“Consulte na pág. 62 o conceito de "ecologia da ação": um jogo de interações que modifica seu sentido. Erros e ilusões têm um peso determinante. A "sociedade do conhecimento" ignora que, desde 1945, o mundo não é mais aquele de antes. Os EUA são uma democracia desde a origem e a Rússia é uma potência despótica, mas sua história paralela mostra muitas semelhanças (pp. 67-71). Gorbachev foi um "herói da humanidade", daquela "casa comum" que é a Terra para todos os humanos. Bush prometeu apenas verbalmente que não alargaria a OTAN, cujas bases, em vez disso, "cercaram" a Rússia”.
“Bombas dos EUA na Sérvia aumentaram as inquietações. Violaram o direito internacional tanto os EUA com a ofensiva "preventiva" no Iraque em 2003, como agora a Rússia invadindo a Ucrânia. Em 2014, desde a sangrenta revolução pró-ocidental de Maidan, começaram tanto as invasões russas quanto a guerra interna ucraniana contra os separatistas. Houve tanto a imposição russa dos kolkhoz quanto a carestia forçada de 1931, tanto a colaboração com a invasão nazista de forças ucranianas, minoritárias, lideradas por Bandera, que exterminaram 30.000 judeus. Depois de Maidan, em Kiev, 2014, a avenida Rússia passou a se chamar avenida Bandera, e fatos semelhantes em várias partes da Ucrânia. Quando a presente guerra estourou, se alistaram para a Ucrânia voluntários de dois tipos: democratas e fascistas. O comando do regimento Azov é de nacional-socialistas”.
A Rússia é o agressor, os EUA inspiram a política ucraniana depois de Maidan. A Ucrânia é uma presa geopolítica entre dois titãs: a Rússia, para manter o domínio sobre o mundo eslavo, os EUA, para enfraquecer, como declararam, a Rússia, um obstáculo à sua hegemonia planetária. A Ucrânia se ocidentalizou, na Rússia a economia é uma casta de oligarcas, com corrupção generalizada. Os conflitos internos na Ucrânia não foram apenas entre pró-ocidentais e pró-russos, mas também entre imperialismo estadunidense e imperialismo russo. Os acordos de Minsk de 2015 não foram respeitados, nem pela Ucrânia nem pela Rússia, e a guerra do Donbass causou 14.000 mortes, até 2022: é um “abscesso purulento”. Hoje, a histeria hipernacionalista também bane toda a arte russa na Ucrânia, como aconteceu da Alemanha nazista. A independência ucraniana deve ser apoiada, mas Zelensky só quer a vitória, que enfraquece a Rússia.
“Há três guerras numa só”: a guerra ucraniana interna, aquela da Rússia, aquela do Ocidente contra a Rússia. Patriotismo e ódio pelo inimigo integram a unidade ucraniana. Putin queria tomar rapidamente Kiev, teve que se contentar com o Donbass e o Sul. A "guerra internacional interna à Ucrânia" se espalhará para a Europa e além? A nova perigosa crise mundial favorece a crise das democracias. Rússia e China fazem um bloco contra os EUA. Numa situação tão perigosa, tão pouca consciência, vontade e vozes pela paz se levantam na Europa!
Para Morin, Putin é um déspota capaz de realismo: contrapartidas podem ser encontradas para a paz. É necessário, porque a guerra traz crises ecológica, econômica, civilizacional, e “crise de pensamento, incapaz de pensar a crise”. Em seis anos, os seres humanos à beira da carestia quadruplicaram. Morin disse alguns anos atrás: existe "evolução involutiva" da humanidade e "ciência sem consciência".
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A guerra do bem é o mal. Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU