09 Janeiro 2023
Contrapor Bento XVI e Francisco não faz sentido, porque, do ponto de vista teológico, eles eram “muito mais próximos do que se pensa”, e seria melhor que o secretário particular de Ratzinger, que nos últimos dias está externalizando críticas disparatadas a Bergoglio, “se calasse”.
Francisco, por sua vez, não tem nenhuma intenção de renunciar: ele fará isso sem problemas em caso de grave impedimento médico, mas, como ele mesmo disse, “não se governa com as pernas, mas com a cabeça”, e ele já olha para o Jubileu de 2025.
O cardeal Walter Kasper é uma figura de peso no Vaticano: colega de Ratzinger nas universidades alemãs, depois bispo de Stuttgart, foi o “ministro” para o ecumenismo primeiro de João Paulo II e depois de Bento XVI, e é um teólogo várias vezes citado por Francisco como ponto de referência.
Hoje, ele rejeita a ideia de que o papa emérito seja declarado “santo súbito” (“Não se vai ao céu com um trem de alta velocidade”), expressa perplexidade diante da escolha de adotar o título de “papa emérito” (seria mais apropriado “bispo emérito de Roma”) e considera que o embate entre “os chamados progressistas e os chamados conservadores” na Igreja pode encontrar uma síntese no Sínodo global convocado pelo Papa Francisco: “Cada um tem sua própria convicção, mas também se deve respeitar o outro, dialogar”.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada em La Repubblica, 08-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É possível contrapor Joseph Ratzinger e Jorge Mario Bergoglio?
São personalidades diferentes, obviamente, vêm de culturas diferentes, um vinha de uma cultura europeia, o outro, de uma cultura latino-americana. Isso é claro. Mas, do ponto de vista teológico, eram muito mais próximos do que se pensa. O Papa Francisco citou Bento muitas vezes e teve relações amigáveis com ele. Não é preciso encontrar outras diferenças, e o fato de haver uma diferença de ênfase entre os dois é absolutamente normal.
Durante os funerais de Bento XVI, alguns fiéis pediram, como ocorreu com João Paulo II, que ele fosse tornado “santo súbito”: isso é plausível?
Eu não concordo com isso: o direito canônico diz que se deve esperar pelo menos cinco anos após a morte antes de abrir tal processo, e essa é uma indicação muito prudente e sábia. Não se vai de trem de alta velocidade para o céu.
Nestes dias, o secretário particular do papa emérito, Dom Georg Gänswein, está fazendo declarações contra o Papa Francisco: o que o senhor acha?
Teria sido melhor se calar. Agora não é hora para essas coisas.
Em sua opinião, o pontificado de Francisco vai mudar a partir de agora? O senhor fica convencido pela ideia de quem defende que, pelo fato de não haver mais um papa emérito, é mais provável que o papa renuncie?
Não sei se seu pontificado vai mudar agora ou não. Temos que esperar para ver, não posso antecipar o papa. Mas não, não creio que ele renunciará. Ele mesmo disse explicitamente que, neste momento, não tem essa intenção. Ele vai renunciar se não for mais capaz de enfrentar os desafios de seu pontificado, sim, mas agora vai seguir em frente. Ele quer levar adiante o processo sinodal da Igreja universal, já faz reflexões sobre o Ano Santo de 2025, o jubileu do Concílio de Niceia. Neste momento, ele não está pronto para renunciar. Se necessário, sim, mas agora não: como ele diz, não se governa com as pernas, mas com a cabeça.
A ideia de chamar um papa que renuncia de “papa emérito” lhe convence?
O que assistimos foi uma situação única, que nunca tinha ocorrido antes, com dois homens vestidos de branco, um papa, e o outro, papa emérito. Mas se trata de uma situação indesejável. Na minha opinião, existe um amplo consenso sobre a necessidade de não se ter mais o título de papa emérito e de optar por uma alternativa, talvez bispo emérito de Roma. Faria sentido. Papa emérito não era um título muito apropriado. Mas não sei se o Papa Francisco vai tomar uma iniciativa nesse sentido e mudar alguma coisa. Não conversei com ele sobre isso.
Existe um confronto entre conservadores e progressistas na Igreja Católica?
É óbvio que há um confronto entre duas sensibilidades diferentes, os chamados progressistas e os chamados conservadores, mas precisamos continuar o diálogo entre posições diferentes, porque esses confrontos não fazem bem à Igreja.
O Sínodo global convocado por Francisco pode ser o lugar apropriado?
O Sínodo é uma forma para superar esses problemas: precisamos conversar uns com os outros, discutir os problemas e depois também encontrar compromissos. Cada um tem sua própria convicção, mas é preciso respeitar o outro, dialogar: é isso que o papa quer com esse processo sinodal.
Não há um risco de cisma, por exemplo nos Estados Unidos?
Eu não falo de cisma. Talvez possa haver cismas de fato, mas não se deve exagerar a situação. Só se a comunhão eucarística for interrompida é que podemos falar de um cisma de verdade, mas não é esse o caso agora: ainda falamos e celebramos a eucaristia juntos. Há uma diversidade de opiniões que certamente não é uma novidade na história da Igreja. Em cada Igreja pode haver preocupações diferentes: nos Estados Unidos, na Alemanha, mas também na África, na Ásia... O problema de hoje é que existe uma pluriculturalidade da Igreja, e isso é muito difícil de coordenar e pacificar. Mas a pluralidade não deve se tornar um cisma.
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“Bento santo súbito? Para o céu, não tem trem de alta velocidade.” Entrevista com Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU