31 Outubro 2022
Uma delegação do CMI (Conselho Mundial de Igrejas), liderada pelo secretário-geral interino Ioan Sauca, reuniu-se com o Patriarca Kirill em Moscou em 17 de outubro. Ao retornar, Sauca concedeu a seguinte entrevista.
A entrevista é de Marianne Ejdersten, publicada por Settimana News, 29-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por que você visitou Moscou?
A visita ocorreu a pedido do Comitê Central do CMI e faz parte de uma série de visitas que já incluiu Oriente Médio, Líbano, Síria, Palestina, Israel, Ucrânia e agora Rússia, com o objetivo de construir pontes de paz e reconciliação através de encontros e diálogos e de evitar conflitos militares, guerras e violência.
O programa também previa uma visita ao Centro Eclesiástico de Assistência aos Refugiados de Moscou e discussões com representantes da Academia Teológica de Moscou.
Fomos até lá a pedido do Comitê Central para tentar iniciar um diálogo sobre a teologia da guerra. Outras vozes pediram uma visita de emergência diante do perigo de uma conflagração nuclear.
Qual foi a primeira reação do Patriarca Kirill?
Nos encontramos por várias horas e tivemos tempo para uma discussão aprofundada. Também tive uma audiência privada com o Patriarca. Relatei os resultados da 11ª Assembleia do CMI em agosto-setembro, a declaração sobre a guerra na Ucrânia e a última reunião do Comitê Central em junho.
Nada foi evitado ou escondido; fomos claros no que dissemos em nossas declarações e fomos corajosos em nossa apresentação. Na delegação russa estavam presentes os membros do Comitê Central do CMI que participaram da elaboração da declaração de junho e aqueles que na 11ª Assembleia do CMI foram membros do comitê de redação que elaborou a declaração sobre a guerra na Ucrânia.
Tudo o que foi discutido durante o encontro não foi incluído no relatório (cf. aqui) devido a circunstâncias ligadas às leis locais e a urgente necessidade de continuar o diálogo. Entendemos como ser sensíveis à situação em que as igrejas vivem e, mesmo falando toda a verdade, nos certificamos de não causar mais danos.
O Patriarca Kirill disse que a guerra não é travada pelas igrejas, mas pelos políticos. E o papel das igrejas é ser construtores da paz, como anotamos no relatório.
Continuei com duas perguntas que não estão contidas em nossas declarações, mas que foram expressas por algumas de nossas Igrejas membros: 1) Qual é sua posição teológica sobre a guerra na Ucrânia, visto que se tem a impressão de que a apoie como "Guerra santa"? 2) Como explica o uso do termo "guerra metafísica" em relação à guerra na Ucrânia?
Recebemos sua resposta, conforme indicado no relatório.
Em conclusão: fizemos o nosso trabalho; visitamos e conversamos com o Patriarca Kirill; iniciamos um diálogo e constatamos o desejo do lado russo de continuar o diálogo. Na minha opinião, cumprimos o mandato que nos foi dado pelo Comitê Central.
Por que havia apenas homens na delegação do CMI?
Fomos lá com uma pequena delegação, porque não era uma visita eclesiástica normal e existe a guerra. Temos diferentes formas de gerir o protocolo ecumênico e diplomático e desta vez foi um encontro entre o Patriarca Kirill e o secretário-geral em exercício, como se pode ler no comunicado de 17 de outubro.
Comigo estava o Rev. Dr. Benjamin Simon, chefe do programa do CMI para as relações com as Igrejas, acompanhado pelo Pe. Mikhail Gundiaev, representante da Igreja Ortodoxa Russa no CMI. Eles estavam presentes por suas funções, não por seu gênero.
Sempre tentei ter uma liderança equilibrada nas delegações, mas devido às circunstâncias particulares da guerra, desta vez as funções eram o objetivo principal, e tentei manter o grupo pequeno para estabelecer um diálogo conforme solicitado pelo Comitê Central. Eu sabia que haveria reações. No grupo dos dirigentes mais altos do CMI somos três mulheres e três homens.
Nossa Vice-Secretária Geral, Profa. Isabel Apawo Phiri, liderou a delegação conjunta com a ACT Alliance na Rússia no final de maio. A Igreja Ortodoxa Russa decidiu sobre o gênero e as pessoas presentes em sua delegação.
No encontro, realizado na residência patriarcal do mosteiro de São Daniel, também participaram o Metropolita Antonij de Volokolamsk, presidente do Departamento de Relações Eclesiásticas Externas do Patriarcado de Moscou; o Arquimandrita Filaret (Bulekov), Vice-Presidente do Departamento; Padre Mikhail Gundyaev, representante do Patriarcado de Moscou junto ao CMI e organizações internacionais em Genebra; o hieromonge Stefan (Igumnov), secretário do Departamento para as relações intercristãs.
O que acontecerá após a visita?
Continuaremos monitorando e orando sobre a situação e continuaremos o diálogo. Estamos trabalhando em quatro focos: relações eclesiais, construção da paz, declarações e comunicação.
O responsável pelas relações eclesiais continuará acompanhando o diálogo com as Igrejas e preparará as visitas em relação ao pedido da Igreja ucraniana de se tornar membro do CMI. O Rev. Dr. Benjamin Simon, como professor em Bossey, também foi encarregado de garantir que o recrutamento de estudantes russos para estudar em Bossey continue.
O que responde àqueles que dizem que vocês não se manifestaram com força suficiente contra a guerra? Alguns argumentam que outros líderes religiosos mundiais usaram publicamente uma linguagem mais crítica da guerra do que vocês.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, o CMI começou a fazer declarações em fevereiro de 2022, depois o Comitê Central fez em junho e a 11ª Assembleia em setembro. Esclarecemos a posição do CMI em relação à tragédia humanitária que se desenrola como resultado desta guerra, definindo-a claramente como uma invasão e agressão.
Não se tratava de nada novo ou escondido: escrevi pessoalmente ao Patriarca Kirill e ao Presidente russo Putin. A posição do CMI é clara e foi apresentada como tal quando nos encontramos com o Patriarca Kirill. Além disso, os membros russos do Comitê Central do CMI e aqueles que estiveram presentes na décima primeira assembleia também participaram do encontro com o Patriarca.
Não havia razão para esconder ou diluir palavras ou conceitos quando estes foram usados em nossas declarações e em nossa correspondência anterior com o Patriarca. Posso entender o uso da hermenêutica da suspeita por algumas vozes críticas, mas não é o caso. Fomos lá para ter um diálogo aberto e sincero, e assim foi.
Espero e rezo para que a comunhão das Igrejas continue a trabalhar por uma paz justa, pelo fim da guerra na Ucrânia e pelo fim das guerras em outras partes do mundo. Também rezo para que o CMI continue a ser aquela mesa aberta que reúne os cristãos e dá coragem e paciência para ouvir uns aos outros, mesmo que discordemos. Que possamos continuar interessados e empenhados em olhar juntos para construir pontes de justiça, paz, reconciliação e unidade.
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Conselho Mundial de Igrejas – CMI: encontro com Kirill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU