31 Outubro 2022
O Patriarca Kirill de Moscou e de Toda a Rússia e uma delegação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), liderada pelo secretário-geral interino, P. Ioan Sauca, reuniram-se no dia 17 de outubro em Moscou, discutindo a atual situação da guerra na Rússia e na Ucrânia e à luz do perigo de uma guerra nuclear.
Marianne Ejdersten, do CMI, conversou com o P. Sauca, 25-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por que vocês visitaram Moscou?
A visita ocorreu a pedido do comitê central do CMI e faz parte de uma série de visitas que já incluiu o Oriente Médio, Líbano, Síria, Palestina, Israel, Ucrânia e agora Rússia, com o objetivo de construir pontes de paz e reconciliação por meio de encontros e diálogos, e de evitar conflitos militares, guerras e violência.
O programa também incluiu uma visita ao Centro de Assistência a Refugiados da Igreja de Moscou e diálogos com representantes da Academia Teológica de Moscou.
Fomos lá a pedido do comitê central para tentar iniciar um diálogo sobre a teologia da guerra. Outras pessoas pediram uma visita de emergência à luz do perigo de uma conflagração nuclear.
Qual foi a primeira reação do Patriarca Kirill?
Nós nos encontramos durante várias horas e tivemos tempo para uma discussão aprofundada. Também tive uma audiência privada com o patriarca. Relatei o resultado da 11ª Assembleia do CMI em agosto-setembro, a declaração sobre a guerra na Ucrânia e a última reunião do comitê central do CMI em junho. Nada foi evitado ou escondido. Fomos claros naquilo que dissemos em nossas declarações e fomos ousados em nossa apresentação. Na delegação russa, estavam presentes membros do comitê central do CMI que participaram da elaboração da declaração em junho e os presentes na 11ª Assembleia do CMI que foram membros do comitê de redação que elaborou a declaração sobre a guerra na Ucrânia. Tudo o que foi discutido na reunião não consta no relatório devido às circunstâncias com as leis locais e a necessidade urgente de continuar o diálogo. Entendemos como ser sensíveis à situação em que as Igrejas vivem e, ao dizer toda a verdade, certificamo-nos de não causar mais danos.
O Patriarca Kirill disse que a guerra não é feita pelas Igrejas, mas pelos políticos. E o papel das Igrejas é ser pacificadoras, como observamos no relatório.
Eu fui mais longe com duas perguntas que não estão em nossas declarações, mas foram expressadas por algumas de nossas Igrejas-membro: 1) qual é sua posição teológica sobre a guerra na Ucrânia, uma vez que há uma percepção de que ele a apoia como uma “guerra santa?”; 2) qual é a sua explicação para usar o termo “guerra metafísica” em relação à guerra na Ucrânia?
Recebemos sua resposta, conforme mencionado no relatório.
Em conclusão: fizemos o nosso trabalho, visitamos e conversamos com o Patriarca Kirill, iniciamos um diálogo e vimos o desejo do lado russo de continuar o diálogo. Na minha opinião, cumprimos o mandato dado pelo comitê central.
Por que havia apenas homens na delegação do CMI?
Fomos lá com uma pequena delegação, pois não era uma visita normal à Igreja, e há uma guerra. Temos diferentes formas de lidar com o protocolo ecumênico e diplomático, e, desta vez, foi um encontro entre o Patriarca Kirill e o secretário-geral interino, como você pode ler no comunicado de imprensa de 17 de outubro.
Fui acompanhado pelo Rev. Dr. Benjamin Simon, executivo do programa do CMI para as Relações com a Igreja, e pelo P. Mikhail Gundiaev, representante da Igreja Ortodoxa Russa no CMI. Eles estavam presentes devido às suas funções, não ao seu gênero. Sempre tentei ter uma liderança equilibrada nas delegações, mas, devido às circunstâncias especiais da guerra, desta vez as funções foram o foco principal, e eu tentei manter o grupo pequeno para estabelecer o diálogo conforme solicitado pelo comitê central. Eu sabia que viriam algumas reações. No mais alto grupo de liderança do CMI, somos três mulheres e três homens.
Nossa vice-secretária-geral, Prof.ª Dr.ª Isabel Apawo Phiri, liderou a delegação conjunta com a ACT Alliance à Rússia no fim de maio.
A Igreja Ortodoxa Russa decidiu sobre o gênero e as pessoas presentes em sua delegação.
Também participaram da reunião, que ocorreu na Residência Patriarcal do Mosteiro de São Daniel, o Metropolita Anthony de Volokolamsk, presidente do Departamento para as Relações Eclesiais Exteriores do Patriarcado de Moscou; o Arquimandrita Philaret (Bulekov), vice-presidente do departamento; o P. Mikhail Gundyaev, representante do Patriarcado de Moscou junto ao CMI e organizações internacionais em Genebra; o Hieromonge Stefan (Igumnov), secretário do Departamento para as Relações Eclesiais Exteriores para as relações intercristãs.
O que acontecerá após a visita?
Continuaremos monitorando e rezando pela situação e continuaremos o diálogo. Estamos agindo a partir de quatro focos: relações com a Igreja, construção da paz, declarações e comunicação.
A pessoa responsável pelas Relações Eclesiais continuará o acompanhamento do diálogo eclesial e preparará as visitas em relação ao pedido da Igreja na Ucrânia para se tornar membro do CMI. O Rev. Dr. Benjamin Simon, como professor em Bossey, também foi encarregado de garantir que o recrutamento de estudantes russos para estudar em Bossey continue.
O que você diz para aqueles que dizem que você não se posicionou com força suficiente contra a guerra? Algumas pessoas dizem que outros líderes religiosos globais usaram publicamente uma linguagem mais crítica da guerra do que você.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, o CMI começou a fazer declarações em fevereiro de 2022, depois pelo comitê central do CMI em junho e pela 11ª Assembleia do CMI em setembro. Deixamos clara a posição do CMI em relação à tragédia humanitária que se desenrola por causa dessa guerra, chamando-a claramente de invasão e agressão. Não era nada novo ou oculto: pessoalmente, escrevi sobre isso ao Patriarca Kirill e ao presidente russo Putin. Nossa correspondência foi documentada nos seguintes links (em inglês):
- Carta ao Patriarca Kirill de Moscou (2 de março de 2022);
- CMI pede ao presidente Putin que pare a guerra e restaure a paz na Ucrânia (comunicado de imprensa do CMI de 25 de fevereiro de 2022).
A posição do CMI é clara e não foi evitada, mas claramente declarada quando nos encontramos com o Patriarca Kirill. Além disso, os membros russos do comitê central do CMI e aqueles que estiveram presentes na 11ª Assembleia do CMI também estavam presentes durante a reunião com o patriarca. Não havia razão para esconder ou diluir palavras ou conceitos quando estes foram usados em nossas declarações e em nossa correspondência anterior com o patriarca. Posso entender o uso da hermenêutica da suspeita por parte de algumas vozes críticas, mas aqui não é o caso. Fomos lá para ter um diálogo aberto e verdadeiro, e foi isso que aconteceu.
Eu espero e rezo para que a comunhão das Igrejas continue e trabalhe pela paz justa, pelo fim da guerra na Ucrânia e pelo fim das guerras em outras partes do mundo. Também rezo para que o CMI continue sendo aquela mesa aberta que reúne os cristãos e dá coragem e paciência para que nos escutemos uns aos outros, mesmo que discordemos. Que continuemos dispostos e comprometidos a olhar juntos para a construção de pontes de justiça, paz, reconciliação e unidade.
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“É preciso dialogar sobre a teologia da guerra.” Entrevista com Ioan Sauca, secretário-geral interino do Conselho Mundial de Igrejas após visita a Moscou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU