07 Outubro 2022
“Deve-se dizer que todas as fases do sínodo são consultivas (não deliberativas), incluindo o próprio sínodo de 2023, a menos que o papa decida conceder-lhe voz deliberativa (Episcopalis Communio 3). Sendo este o catolicismo, o papa tem a palavra final. No entanto, não há dúvida de que, ao longo de seu papado, o Papa Francisco fez um grande esforço para priorizar uma voz expandida para os leigos. Então, algum leigo terá voz – voz deliberativa de verdade – no sínodo de outubro próximo?”, questiona Christine Schenk, irmã da Congregação de São José, mestre em enfermagem e teologia, co-fundadora da FutureChurch, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Fiquei agradavelmente surpresa que a síntese nacional dos bispos dos EUA para o Sínodo sobre a Sinodalidade explicitamente nomeasse questões polêmicas, como ordenação de mulheres, inclusão LGBTQIA+ e a necessidade de liberdade para falar sobre questões controversas sem medo de ser silenciado.
Os redatores da síntese devem ser parabenizados por compilar um documento abrangente e transparente com contribuições de “mais de 22 mil relatórios de paróquias e grupos individuais”. Muitas outras questões eclesiais importantes também são nomeadas que não abordarei aqui, mas o texto vale a pena ser lido.
Também vale a pena ler os relatórios da National Association of Lay Ministry e FutureChurch, ambos abordando questões importantes na vida paroquial dos EUA, como falta de apoio financeiro e formacional para ministros leigos, fechamento de paróquias – especialmente em áreas urbanas – e aumento da discriminação clerical contra as mulheres.
Eu estava entre os que duvidavam que quaisquer questões de “elefante na loja de cristais” fossem encontradas no rascunho nacional final. Por mais de 20 anos, eu – e muitas como eu – fomos banidas do pertencimento à Igreja por dar formações sobre liderança feminina e clamar pela ordenação. A irmã Carmel McEnroy até perdeu seu cargo de professora titular por apoiar publicamente a ordenação de mulheres.
Outros indivíduos e grupos foram banidos por falar sobre a defesa de LGBTQIA+, os direitos canônicos dos católicos e de suas paróquias na Igreja e a necessidade de os bispos serem responsabilizados por abusos sexuais do clero. Não era um bom momento para ouvir – ou para inclusão de leigos na tomada de decisões da Igreja.
Dito isso, agora eu tenho um pouco de chicotadas.
Agora, as questões das mulheres na Igreja – incluindo a ordenação ao diaconato e ao sacerdócio – estão aparecendo nas sínteses sinodais nacionais de todo o mundo. Sendo um pouco no espectro obsessivo-compulsivo, passei o último fim de semana pesquisando todas as sínteses sinodais nacionais que pude encontrar.
Descobri 18 sínteses nacionais e/ou resumos de mídia – alguns dos quais incluíam regiões inteiras como Ásia e Amazônia e América Latina. Praticamente todas as sínteses denominadas “papel da mulher na Igreja”, inclusão LGBTQIA+ e a necessidade de inclusão leiga (muitas vezes apelidada de “corresponsabilidade”) na tomada de decisões da Igreja em todos os níveis de liderança. Mais de 70% incluíram a ordenação de mulheres ao diaconato ou ao sacerdócio como forma de incluir as mulheres na liderança. Todas as sessões regionais do Canadá relataram “solicitações para que as mulheres tenham acesso a ministérios ordenados”.
Sínteses da Inglaterra e País de Gales, França, Alemanha, Escócia e Nova Zelândia pediram textos lecionários atualizados. Muitas sínteses pediam o direito de leigos pregarem e a consideração dos padres casados. Outros temas do “grande quadro” incluem a necessidade de engajar os jovens, maior formação da fé adulta, pobreza, racismo, mudança climática, clericalismo e acolher os marginalizados, especialmente os indivíduos LGBTQIA+ e os divorciados e recasados .
Praticamente todas as sínteses nacionais disseram que, embora os participantes estivessem inicialmente céticos, ao final do processo eles expressaram grande apreço por um “jeito sinodal de ser Igreja” e desejam que ela continue. O grande amor pela Igreja, apesar de todas as suas falhas, estava universalmente em evidência, assim como o apreço pelos padres e irmãs e o amor pela Eucaristia.
Considerando a enorme quantidade de energia que o povo católico – leigos e sacerdotes – colocou na prática da sinodalidade, parece claro que o processo sinodal tem o potencial de ser um grande negócio para nossa futura vida eclesial. Em recente entrevista à revista America (traduzida ao português pelo IHU), o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, concordou. Citando a Constituição Apostólica do Papa Francisco, Episcopalis communio, Grech disse: “O sínodo não é um evento celebrado uma vez a cada três anos, mas é um processo: um processo que tem um começo, mas, acredite, acho que não terá um fim, mesmo o atual sínodo que estamos comemorando”.
Então, o que acontece a seguir? Quando os bispos sinodais se reunirem em outubro próximo, esse início promissor não será diluído? Ademais, apesar dessas contribuições honestas – fundamentadas no Espírito Santo – as decisões finais (ou “discernimento” como Grech prefere chamar) não serão feitas apenas pelos bispos?
Continuando minha predileção obsessiva, pesquisei diligentemente quem toma quais decisões (discernimentos) daqui para frente. Aqui está o que eu descobri:
Para minha surpresa, os procedimentos sinodais incluem leigos e leigas em todas as fases do processo, e cada fase é projetada para se basear na anterior. Um corpo internacional de 35 membros – que Grech descreve como “um grupo misto de religiosos e leigos, homens e mulheres, com apenas dois bispos” – reuniu-se de 22 de setembro a 02 de outubro em Frascati, Itália, para estudar as sínteses nacionais e redigir um novo “Documento para a Etapa Continental”.
Este documento orientará a segunda fase “continental” da consulta sinodal. Nos últimos dois dias da reunião de Frascati, cerca de 15 membros do Conselho do Sínodo dos Bispos se juntarão à reunião para revisar o rascunho antes de enviá-lo para a aprovação do Papa Francisco (os membros do Conselho do Sínodo foram eleitos no Sínodo Ordinário sobre a Juventude em 2018).
De acordo com o correspondente vaticanista do NCR, Christopher White, há dois estadunidenses no grupo de Frascati: a teóloga Kristin Colberg e o padre jesuíta David McCallum. Colberg está na comissão teológica assessorando o secretariado do sínodo e é professora associada no Seminário St. John em Collegeville, Minnesota. McCallum é o diretor executivo do programa Discerning Leadership, uma colaboração entre o Le Moyne College e a Companhia de Jesus, que visa “ajudar a apoiar a visão do Papa Francisco para a reforma e renovação da Igreja através do processo de discernimento e sinodalidade”.
A versão final do documento continental será divulgada até o final de outubro. Em seguida, será enviado aos bispos do mundo para serem estudados antes de participarem de uma das sete assembleias continentais.
O secretariado do sínodo orienta explicitamente que estas “devem ser Assembleias Eclesiais (de todo o Povo de Deus) e não apenas Assembleias Episcopais (apenas dos bispos). Assim, os participantes devem representar adequadamente a variedade do Povo de Deus: bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, leigos e leigas”.
Significativamente, este arranjo corresponde ao desejo da maioria das conferências episcopais consultadas sobre o assunto pela Secretaria-Geral do Sínodo.
A fase continental para a América do Norte é composta pelos EUA e Canadá. Um comunicado da Conferência Episcopal dos Estados Unidos descreve as sessões de escuta regionais que refletirão sobre o documento continental, a serem realizadas no final de 2022 e início de 2023. Elas “informarão a composição da Síntese Continental”, que será enviada à Secretaria do Sínodo até 31 de março de 2023, o prazo para todas as sete sínteses continentais. Os sete documentos continentais tornam-se então a base para o documento de trabalho final – o Instrumentum Laboris — para o sínodo de outubro próximo.
Embora eu esteja disposta a ver os processos como mais inclusivos, não há garantias de que quaisquer questões polêmicas avancem à medida que as fases do sínodo se desenrolam. Na entrevista à revista America, Grech indicou que o tema dos padres casados “precisa de mais tempo” e, embora reconhecesse um desejo “difundido” de considerar os papéis das mulheres com maior profundidade, seu fraseado desajeitado não inspirava confiança: “E [com] a fato de que várias igrejas estão levando este mesmo assunto a sério, eu realmente espero e rezo para que, com o tempo, consigamos encontrar qual é a vocação certa das mulheres na Igreja”.
No entanto, talvez a primeira questão seja construir uma infraestrutura para a inclusão dos leigos na tomada de decisões da Igreja. Parece-me que as consultas sinodais mundiais estão fazendo exatamente isso.
Deve-se dizer que todas as fases do sínodo são consultivas (não deliberativas), incluindo o próprio sínodo de 2023, a menos que o papa decida conceder-lhe voz deliberativa (Episcopalis Communio 3). Sendo este o catolicismo, o papa tem a palavra final.
No entanto, não há dúvida de que, ao longo de seu papado, o Papa Francisco fez um grande esforço para priorizar uma voz expandida para os leigos. Duas de suas constituições apostólicas, Episcopalis Communio e Praedicate Evangelium, criam caminhos para o discernimento sinodal e a tomada de decisões leigas no governo da Igreja. Praedicate Evangelium, na verdade, separa o governo da Igreja dos ministérios ordenados, localizando-o dentro de uma “missão canônica” recebida do papa. Em julho passado, o cardeal Marc Ouellet – que não é conhecido por ser progressista – disse que o papa “também pode delegar e, assim, tornar os membros do povo de Deus participantes de seu poder de jurisdição”.
Então, algum leigo terá voz – voz deliberativa de verdade – no sínodo de outubro próximo? Fiquem atentos.
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Os leigos terão voz no sínodo de outubro próximo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU