04 Dezembro 2020
Em meio à pandemia de covid-19, alguma coisa nova ocorre em Roma, com a ajuda da Companhia de Jesus, e seu Programa de Discernimento para Lideranças. Seu objetivo é construir a capacidade em líderes da Igreja, incluindo oficiais da Cúria Romana, superiores-gerais de ordens religiosas, bispos e leigos, primeiro em Roma e depois no mundo todo, através do discernimento, reforma e renovação. O programa tem o último objetivo de trazer a transformação da Igreja Católica para “uma Igreja missionária”.
Essa é uma resposta ao chamado do papa Francisco, em novembro de 2013, na Exortação “Alegria do Evangelho” (Evangelii Gaudium, 27): “uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação”.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 25-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Para fornecer essa “opção missionária”, Francisco pediu à Companhia de Jesus que compartilhasse “o dom do discernimento” com a Igreja em geral. Seu pedido inspirou a fundação deste programa, que foi elaborado pelo jesuíta americano David McCallum, vice-presidente de Integração e Desenvolvimento da Missão do Le Moyne College, e pelo padre irlandês John Dardis, conselheiro-geral do Superior-Geral para o Discernimento e Planejamento Apostólico, junto com o venezuelano superior-geral da Companhia, Arturo Sosa.
Padre McCallum, o diretor executivo do programa, explicou a iniciativa à America enquanto a segunda sessão do programa, para anglófonos, ocorria virtualmente em outubro de 2020, devido às restrições da covid-19. A primeira sessão foi realizada em setembro para hispanofalantes, já o programa piloto ocorreu há um ano.
O padre McCallum disse à America: “A Igreja está no meio de uma mudança sísmica à medida que se move para uma abordagem mais sinodal e criteriosa sob a liderança do papa Francisco”. Ele observou que o Papa convocou um Sínodo dos Bispos para outubro de 2022 com o tema “Por uma igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.
Ele lembrou que “o papa Francisco pediu à Companhia de Jesus para fazer do discernimento o seu dom para a Igreja em geral, também no interesse de sua construção no foco do Concílio Vaticano II na colegialidade episcopal” e enfatizou que “a chave aqui é a sinodalidade, o contexto mais amplo desse espírito de colaboração, que requer um tipo particular de liderança”. Segundo o padre McCallum, Francisco “pediu a conversão do coração e da mente necessária a esse tipo de liderança e acredita que as estruturas, políticas e procedimentos resultariam dessa conversão. Estamos trabalhando na práxis desse processo nos níveis individual e organizacional”.
Ele disse: “O superior-geral e a Companhia de Jesus lançaram este programa como uma iniciativa de serviço à Igreja, em parceria com a União Internacional dos Superiores Gerais das Ordens Religiosas Femininas (UISG), a Associação Internacional dos Superiores Gerais das Ordens Religiosas Masculinas (USG) e várias universidades jesuítas de todo o mundo, incluindo Le Moyne College, que é minha instituição anfitriã, a associação internacional de universidades jesuítas, a Universidade Gregoriana de Roma, a Universidade de Georgetown e a ESADE, a Escola Jesuíta de Negócios em Barcelona”.
Padre McCallum disse que “Francisco descreveu como a sinodalidade é uma forma de proceder muito diferente do procedimento burocrático, autocrático e de cima para baixo que é evidente na forma como a Igreja opera, pelo menos em Roma. A sinodalidade requer inclusão, participação, garantindo que a voz de todos não seja apenas ouvida, mas escutada. E as decisões que decorrem dessa interação de encontro e diálogo refletem uma abordagem criteriosa sobre o que Deus está trazendo do futuro para o presente. Esta é uma maneira radicalmente diferente de proceder”.
Ele chamou a atenção para o fato de que “sob as intensas pressões que vêm com as organizações líderes de igrejas complexas, muitas vezes optamos por abordagens corporativas para a tomada de decisões. Discernimento era algo que você fazia no retiro ou quando entrava em uma crise e não havia outra opção”. Mas, disse ele, “na realidade, essas abordagens não precisam ser excludentes. Neste programa, ajudamos líderes experientes a descobrir como podem integrar esta profunda tradição de discernimento com algumas das práticas contemporâneas mais eficazes de boa gestão”.
Padre McCallum lembrou que “o Vaticano II fala de ‘a Igreja no mundo moderno’”, e disse, “acreditamos que os tempos em que vivemos exigem mais integração de uma espiritualidade autêntica e missionária na forma como vivemos e conduzir. Essa missão é, em última análise, contribuir para a reconciliação social e o progresso dos povos, especialmente os marginalizados, e para a cura da terra. Estas são as prioridades missionárias da Igreja. O papa Francisco deu um exemplo em sua própria liderança”.
Ele enfatizou que “este programa de liderança com discernimento é baseado no ensino de Jesus de que o bom servo tira de seu armazém o melhor do antigo e o melhor do novo. E assim, estamos trabalhando para ajudar os líderes seniores a entenderem que eles não estão simplesmente administrando uma Igreja que, como o papa Francisco descreveu, está rapidamente se tornando uma peça de museu, mas sim estão co-criando com Deus uma futura Igreja”.
36 pessoas participaram do simpósio de outubro em Roma, disse ele, incluindo “funcionários da Secretaria de Estado, Dicastério para Leigos, Família e Vida, Dicastério para a Comunicação, Dicastério para a Economia, bem como superiores maiores das ordens religiosas masculinas e femininas leigos seniores no Vaticano”. O programa também envolve teólogos, como o professor Massimo Faggioli, da Villanova University, que deu uma contribuição sobre a realidade histórica da sinodalidade nesta sessão, e a irmã Nathalie Becquart, consultora do sínodo dos bispos, falou sobre como a sinodalidade funcionou no Sínodo da Juventude.
O padre McCallum espera que “eventualmente os participantes também venham de movimentos leigos”, e “à medida que o programa se expandir para lugares como Índia, Ásia-Pacífico e outras regiões, ele incluirá membros de conferências episcopais e leigos que são chanceleres ou ocupam outros cargos de responsabilidade nas dioceses”. O programa está agendado para ser realizado em Bangalore, Índia, na primavera de 2021, e no Ateneo di Manila, nas Filipinas, no final de 2021.
Ele enfatizou que “este é um programa de formação”. Embora “tenha sido anunciado anteriormente como a fusão de espiritualidade e programas de MBA”, disse ele, “é mais uma oportunidade de formação de liderança sênior que mergulha profundamente na própria conversão de si e no crescimento e maturação de si para uma liderança criteriosa”.
Ele lembrou que, embora “o programa de liderança de discernimento tenha começado, em espanhol e em inglês, com foco em Roma naqueles que estão sediados aqui”, o objetivo é estendê-lo por todo o mundo à convite do cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação pelos Bispos, e o cardeal Luis Antonio Tagle, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos. Isso significa “temos que considerar como nos movemos de Roma para realmente compreender a realidade multipolar da Igreja global, e levar este programa aos bispos, bem como aos líderes leigos e religiosos e religiosas em diferentes países”. Ele revelou que “o plano é que nos próximos cinco a sete anos, trabalhemos na construção de um movimento social dentro da Igreja para capacitar este tipo de liderança e dar-lhe capacidade e competência”.
O programa tem três módulos, afirmou o padre McCallum. O primeiro “está focado no discernimento pessoal”. O segundo “é como levamos discernimento para o espaço comum para que nossos procedimentos corporativos sejam realmente infundidos e integrados com nossa espiritualidade de uma forma que não é simplesmente aplicada de maneira arbitrária, mas é o cerne do que estamos fazendo”. O terceiro modelo, que começa no próximo ano, “é para que as equipes seniores em organizações, dicastérios, ordens religiosas se reúnam com os desafios que estão enfrentando, com o desejo de construção de equipes que reconhecemos ser essencial para a sinodalidade”.
Ele enfatizou que “a sinodalidade exige que haja uma cultura de confiança, a qual não é possível sem discernimento em comum”. O desafio está em como “as equipes fomentam essa interdependência, mas também essa cultura de confiança”. Explicou que “são competências a serem cultivadas, são uma arte” e por isso o objetivo é “através destes três módulos, através do acompanhamento, através dos programas comuns e depois da consulta ao nível organizacional, trazermos pessoas que são especialistas no assunto em Georgetown e ESADE, mas também termos nossa experiência interna”.
Além disso, disse ele, “além dos cursos presenciais ou online em inglês e em espanhol, estamos formando uma rede global de coaches inacianos capazes de desenvolver lideranças executivas e reuni-las como recurso para as pessoas”. Além disso, “estaremos lançando webinars regulares com especialistas no assunto que podem manter essa comunidade crescente de pessoas em contato umas com as outras e desenvolver habilidades, em resposta às suas necessidades”.
O padre McCallum afirmou que “uma das coisas mais profundamente inovadoras sobre este programa é a integração perfeita entre a espiritualidade inaciana, a prática do discernimento e da liderança. É desmascarar muitas das suposições que muitos de nós carregamos neste curso sobre o que é liderança ou gestão”. Ele disse que a tarefa aqui é “como separar [nossas suposições] de um modelo mundano, que muitas vezes é sobre como posso obter mais para mim ou para meu próprio grupo restrito de partes interessadas” e, em vez disso, optamos pelo que Francisco está fazendo em suas encíclicas, que estão “nos levando a uma visão mais universal de como nossa liderança e nossa contribuição ou produção organizacional como Igreja devem ser efetivamente universais com uma sensibilidade missionária”.
Ele disse que o papa Francisco está nos chamando “para sermos uma Igreja missionária com portas e janelas abertas para o mundo, abertas para um parceria no mundo, abertas para aqueles que de boa-vontade querem ser parceiros em uma transformação ética do mundo, que vê a cada um como irmão e irmã, como ele defende tão fortemente na encíclica ‘Fratelli Tutti’”. O padre McCallum concluiu: “se pouco a pouco nós formos nos abrindo para uma humanidade comum, isso nos requer vulnerabilidade e coragem em grandes doses, e então é o que nós estamos tentando ampliar nesse curso: coragem e vulnerabilidade”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Programa jesuíta responde ao chamado do papa Francisco por “uma Igreja missionária” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU