22 Setembro 2022
Embora a primeira fase do Sínodo sobre a Sinodalidade de dois anos da Igreja Católica, convocado pelo Papa Francisco, tenha terminado apenas em meados de agosto, “já podemos ver os frutos do processo sinodal”, disse o cardeal Mario Grech, secretário-geral do sínodo.
O cardeal Grech deu esta entrevista antes de deixar Roma para ir a Frascati, por duas semanas a partir de hoje, 21 de setembro, com uma equipe de 35 pessoas “convocadas de todos os continentes” para estudar e analisar o feedback da primeira fase, também conhecida como fase de consulta, do processo sinodal.
Na entrevista, Grech falou sobre o que já foi alcançado neste processo e suas esperanças tanto para a segunda fase do sínodo – as “assembleias continentais” que ocorrerão de janeiro a março de 2023 – quanto para sua terceira fase, a “assembleia de bispos” que será realizada no Vaticano em outubro de 2023. Ele também falou sobre o papel que seu escritório desempenha no processo sinodal e as mudanças substanciais introduzidas pelo Papa Francisco em relação ao objetivo e ao trabalho desse escritório, inclusive incluir sua mudança de nome de Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos para, simplesmente, Secretaria Geral do Sínodo.
A entrevista é de Gerard O'Connell, publicada por America, 21-09-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando nos encontramos, completando dois anos de sua sucessão ao cardeal Lorenzo Baldisseri como secretário-geral, concretizada em 15 de setembro de 2020, comecei pedindo que ele descrevesse a situação na secretaria quando assumiu. Ele respondeu primeiro prestando homenagem ao “meu antecessor e sua equipe”, dizendo que, graças ao seu trabalho, o Papa Francisco conseguiu promulgar a Constituição Apostólica Episcopalis Communio, em 15 de setembro de 2018, o 53º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos pelo Papa Paulo VI.
Ele enfatizou que a constituição é de fundamental importância para explicar “a natureza do sínodo e o mandato de nosso secretariado” e disse: “Não é letra morta, e é nosso dever continuar, com a ajuda do Santo Padre, interpretar e colocar em prática este documento”. Além disso, disse ele, “é graças à Episcopalis Communio se hoje vemos que o Sínodo não é um evento celebrado a cada três anos, mas é um processo: um processo que tem um começo, mas, acredite, não acho que terá um fim, mesmo o presente sínodo que estamos celebrando”.
Quando assumiu o serviço de secretário-geral, a secretaria contava com 14 funcionários, mas desde então esse número foi reduzido para 12 porque dois se aposentaram. Para lidar com uma carga de trabalho crescente, o cardeal criou uma “equipe de coordenação” de “pessoas que não estão no escritório, mas estão sempre de plantão e se reúnem para discutir a divisão e a implementação da Episcopalis Communio”. Ele também criou quatro comissões: “a Comissão Teológica, porque precisamos de um sólido respaldo teológico; a Comissão Espiritual, porque a sinodalidade é antes de tudo uma experiência espiritual; a Comissão Metodológica, porque precisamos de um método; e a Comissão de Comunicações”. Nessas quatro comissões, “há cerca de 80 pessoas, vindas de diferentes nações e continentes, trabalhando em seus próprios países”. Há um intercâmbio permanente entre eles e o secretariado e, por meio deles, “o que é discutido ou planejado no escritório central volta para as Igrejas particulares [isto é, dioceses] ou Conferências Episcopais”.
O cardeal Grech sublinhou que “o papa é o chefe do nosso secretariado, respondemos diretamente a ele, e é por isso que sou chamado de secretário-geral”. Observei que ele foi originalmente referido como secretário-geral do Sínodo dos Bispos, mas, na nova constituição do papa para a Cúria Romana, os escritórios centrais do Vaticano, que entrou em vigor em 5 de junho, o termo “bispos” parece ter desaparecido do seu título e da secretaria. Solicitado a explicar o significado disso, o cardeal disse: “A palavra ‘bispos’ desapareceu do título, mas eles ainda são um parceiro importante no processo”. Ele disse que o motivo da mudança é que “este sínodo específico que estamos celebrando, que foi inaugurado em outubro de 2021 e terá uma fase importante, a Assembleia para os Bispos, em outubro de 2023, não é exatamente um sínodo para bispos, mas é um sínodo para toda a Igreja”.
Como tal, disse ele, “a primeira fase, que acabamos de concluir em meados de agosto, costumava ser chamada de 'fase preparatória', mas não é uma fase preparatória [para uma reunião de bispos], faz parte este processo sinodal”. Da mesma forma, o processo de discernimento “não se limita à assembleia para os bispos, que costumava ser chamada de Sínodo dos Bispos. Não, este discernimento partiu das Igrejas particulares onde todo o povo de Deus, todos os batizados, foram convidados a contribuir. Além disso, porque a Igreja não tem limites, também quem não é batizado, mas tem boa vontade, pode ser ouvido”.
Referindo-se à dimensão inter-religiosa do Sínodo, revelou que uma conferência episcopal, em sua síntese que foi submetida ao Vaticano, relatou que “em nosso país, temos uma grande comunidade de muçulmanos, mas um grupo deles se autodenomina ‘Cristo’” e assim a conferência os convidou a participar. O cardeal Grech observou: “Eles admiram tanto Jesus que, embora sejam muçulmanos, têm esse interesse em Jesus, então o que deve nos impedir de ouvi-los também?”.
“Esta primeira fase é [composta por] uma consulta e um discernimento”, disse o cardeal maltês. Ele explicou: “O bispo local responsável pela comunidade tem esta tarefa: ouvir a todos, depois fazer um discernimento eclesial e depois transmitir as conclusões à Conferência Episcopal. Lá os bispos juntos são convidados a fazer um novo discernimento”, e então “temos os resultados desta fase de consulta”.
Ele disse que prefere chamar os resultados desta primeira fase de “um discernimento” em vez de uma síntese, “porque uma síntese não é um conceito teológico tampouco se realiza com critérios sociológicos”.
O cardeal Grech saudou o feedback da primeira fase como “histórico”, porque “já 111 das 114 conferências episcopais enviaram os resultados da consulta à secretaria”. Ele observou que “nos sínodos anteriores não havia essa alta porcentagem de contribuição”. Conflitos ou turbulências em seus países impediram que as outras três conferências enviassem respostas, afirmou.
“Considerando que esta é a primeira vez que realizamos essa ampla consulta, os resultados são muito positivos”, disse. “Não estamos atrás de números. Mas o que realmente é interessante é a forma como, se não todos, pelo menos a maioria redigiu este relatório. Isso mostra que eles levaram esse processo muito a sério. Eles realmente tentaram engajar não apenas eles mesmos, mas também as comunidades. Acho que um dia, quando olharem para trás, gostariam de ter tido mais tempo para poder incluir outros”, disse o cardeal.
“Houve casos em que havia bispos e comunidades que tinham dúvidas ou pediam mais explicações, então levaram mais tempo para começar. Mais uma vez, isso foi um fator negativo, porque então eles se viram sem tempo”, disse ele. Grech acrescentou que as limitações de tempo, juntamente com a pandemia e outras preocupações, levaram alguns bispos a solicitar uma prorrogação da fase de consulta, que estava originalmente prevista para terminar em abril de 2022. Com a aprovação do Papa Francisco, foi estendida até agosto.
O cardeal Grech também disse que ficou impressionado com os resultados de lugares onde a comunicação é difícil. “Um dos membros do conselho sinodal é da África e, quando tivemos a última reunião, ele nos disse ‘eu precisei comprar um gerador’, porque era uma reunião online”, observou o cardeal. “Isso diz muito. Mesmo assim, eles conseguiram alcançar um bom número de pessoas”.
O cardeal está particularmente impressionado com o “entusiasmo” dos participantes africanos e “a maneira como eles falam sobre esta experiência. Eles falam com paixão, com entusiasmo. Eles gostariam de continuar. Quer dizer, embora formalmente essa primeira fase tenha sido concluída em meados de agosto, isso não significa que o processo iniciado em outubro de 2021 tenha parado. E isso é algo que as pessoas estão pedindo também; há esta reivindicação do povo de Deus. Eles estão dizendo: ‘Ouça, tem sido uma experiência eclesial muito interessante, nós gostaríamos de prosseguir, ir adiante’”.
A próxima tarefa do escritório de Grech é analisar os relatórios que chegam de todo o mundo. O cardeal revelou que, para fazer isso, ele e “um grupo de 35 pessoas” estão indo para Frascati, uma cidade a cerca de uma hora de carro a sudeste de Roma, pelas próximas duas semanas.
“Vamos nos reunir em uma casa em Frascati para ler todos esses relatórios e fazer um discernimento sinodal para que possamos redigir o primeiro documento que depois irá para a fase continental”, disse o cardeal. Ele sublinhou que “é a primeira vez que realizamos este tipo de discernimento comunitário. Antigamente, a síntese era feita por uma ou duas pessoas no máximo, mas nós tomamos essa nova iniciativa”.
O grupo dos 35 é “uma mistura” de religiosos e leigos, homens e mulheres, com apenas dois bispos, “vindos de diferentes continentes, porque acredito que uma coisa é ler o texto com a lente de um europeu e outra coisa ler o mesmo texto do ponto de vista de um africano, asiático ou latino-americano. Então, vamos ficar juntos por duas semanas e espero que, com a ajuda do Espírito Santo, consigamos fazer um relatório”. Ele disse que a equipe redigirá o relatório e “nos últimos dois dias da reunião, os [aproximadamente 15] membros do conselho sinodal se juntarão a nós”. O conselho sinodal é um grupo de bispos eleitos durante o último sínodo ordinário, que neste caso foi o Sínodo dos Jovens de 2018.
O conselho então aprovará o documento, que será enviado ao Papa Francisco para sua aprovação antes da publicação do texto. Depois disso, disse o cardeal, o documento será enviado a todos os bispos diocesanos. “Convidamos cada bispo a convocar sua Igreja e, em particular, seus órgãos consultivos, a saber, o conselho presbiterado, o conselho pastoral diocesano, a equipe sinodal de sua diocese para ler este documento”, disse o cardeal. Ele deu duas razões para isso: “Primeiro de tudo, para ver se sua Igreja está presente, para ver se o documento reflete sua Igreja”, e segundo, “para que cada Igreja local possa estar ciente [do] que outras Igrejas estão dizendo”.
Explicando o raciocínio por trás desse processo, o cardeal disse: “Até aqui estamos tentando colocar em prática esse conceito de circularidade” ou feedback, para enfatizar que “este não é um documento vindo de Roma; é o documento vindo das Igrejas particulares”.
Ele descreveu isso como “uma segunda escuta, mas não uma nova”. Depois disso, cada bispo comunicará à sua conferência episcopal se sua Igreja local aprova o documento ou tem coisas a acrescentar. Estes serão então enviados da conferência dos bispos para as assembleias sinodais continentais.
O cardeal Grech disse que espera que “até o final de outubro o documento seja publicado” e que ele possa “comunicá-lo a todos os bispos”. Dessa forma, os bispos terão alguns meses para estudá-lo e discuti-lo antes de participar das assembleias continentais, nos primeiros três meses de 2023.
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“A Igreja não tem limites, também quem não é batizado pode ser ouvido”, diz o cardeal Mario Grech, secretário do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU