16 Setembro 2022
Quinta-feira, 22 de setembro Terra Madre Salone del Gusto começará com centenas de atividades, durante 5 dias, no Parque Dora em Turim. Antes de marcar um encontro lá, converso mais uma vez com uma figura proeminente no tema da regeneração. Meu interlocutor é Telmo Pievani: filósofo e evolucionista, ocupa a primeira cátedra italiana de Filosofia das Ciências Biológicas no Departamento de Biologia da Universidade de Pádua.
A entrevista é de Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura, publicada por La Stampa, 15-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini. A tradução é de Luisa Rabolini.
Antes de entrar no mérito desta nossa conversa, quero lembrar um de seus professores, com quem conversei pouco antes da décima edição de Terra Madre em 2014. Estou falando de Luigi Luca Cavalli-Sforza, renomado geneticista e cientista italiano que tratou particularmente de genética das populações e suas migrações. No centro de nossa conversa estavam dois elementos: a relação entre a ciência oficial, ou pesquisa com P maiúsculo, e os saberes práticos e tradicionais; e a importância de cozinhar, especialmente do cozimento, como ato cultural que transforma a natureza e amplia as possibilidades de sobrevivência e as possibilidades de evolução. Qual é o seu legado mais importante? E o que você diria sobre a regeneração, tema desta edição de Terra Madre Salone del Gusto?
Acredito que há dois grandes legados desse formidável pioneiro: primeiro, ter compreendido a unidade na multiplicidade da história humana, o fato de que cada povo é um único ramo na grande árvore da diversidade humana e que as raízes da todas as civilizações se relacionam a um parentesco comum, àquele grupo fundador africano que há sessenta milênios migrou por todo o mundo; e além disso, graças a ele, sabemos que evolução biológica e evolução cultural se modificam mutuamente, como vemos na cozinha, que é uma síntese ideal de diversidades biológicas e culturais.
Devemos lembrar Cavalli-Sforza também porque hoje essas diferenças, tanto biológicas quanto culturais, já estão destruídas ou fortemente ameaçadas. Na minha opinião, ele teria respondido que regenerar significa revitalizar essa matriz de unidade e pluralidade da espécie humana.
E é exatamente isso que tentamos fazer desde o nascimento do Slow Food, há mais de 30 anos: o diferencial do nosso trabalho tem sido a defesa da diversidade no campo gastronômico. Do ponto de vista agroalimentar, no último meio século perdemos algo como 70% das variedades vegetais e raças animais. As razões estão ligadas à prevalência de modos de produção e distribuição que favorecem a uniformidade. Esse fenômeno é ainda mais evidente em um país como a Itália, onde a biodiversidade gastronômica é uma das mais ricas do mundo, a ponto de não podermos afirmar ter uma verdadeira cozinha nacional: a culinária italiana é fruto de facetas que despontam nas diferentes regiões. E este é um patrimônio extraordinário que precisa ser protegido. Foi assim que começamos a trabalhar a biodiversidade que estava sendo perdida, tanto do ponto de vista das matérias-primas quanto do ponto de vista do savoir faire e das receitas. Dessa forma fomos também recosturar o tecido social que havia gerado essa diversidade, e que é essencial para garantir a sua persistência. Desse pressuposto nasceram depois os nossos projetos mais representativos: os Presidi e a Arca do Gosto (com quase 6.000 produtos registados em virtude da ameaça de extinção a que estão sujeitos). Um trabalho que tem impacto direto no nível cultural, produtivo, mas também político.
Vamos pensar nessa correspondência crucial. Em todo lugar no mundo onde existe tanta biodiversidade, há também grande diversidade cultural, que se mede pela presença de línguas, culturas, dialetos, etnias, etc. É uma coincidência? Não. Vejamos a Itália: as causas profundas que a tornam um centro de diversidade biológica (ter um território irregular com muitas barreiras geográficas, ter sido sempre um território de passagem de populações, ter dezenas de ecossistemas diferentes de Tarvisio à Sicília) são também aquelas que a tornam tão culturalmente diferente. Caminhamos sobre um patrimônio único de diversidade em todos os níveis: genética, cultural, gastronômica, ambiental. Existem motivações profundas e sistêmicas que explicam fenômenos aparentemente muito distantes, como pode ser o número de plantas e animais em um país e a riqueza gastronômica.
Na realidade, existe uma conexão, embora difícil de detectar. Como posso então defender um trecho de floresta em que existem milhares de espécies? Nem os santuários protegidos, nem a receita cara a alguns economistas pela qual países ricos compram pedaços de floresta com a promessa de mantê-la intacta para compensar suas atividades poluidoras, podem funcionar. Para proteger aquela biodiversidade, devem ser defendidos os direitos dos povos nativos que a habitam. São necessárias estratégias sistêmicas e radicais para mudar um modelo de desenvolvimento e consumo que causou a perda de mais de um terço da biodiversidade marinha e terrestre, levando-nos a vivenciar a sexta extinção em massa, a primeira desencadeada por uma única espécie, o Homo que se diz sapiens.
Se vivermos a biodiversidade nessa dimensão holística que você menciona, porque tudo está conectado, então ela pode se tornar o elemento distintivo da batalha política planetária deste século. É aí que devemos insistir. No momento em que se perde a biodiversidade, não só de espécies genéticas, mas também cultural e espiritual, gera-se uma violência que não podemos aceitar. Será muito importante ter a capacidade de dialogar na consideração que todos devemos ter por aquela parte do consenso humano que historicamente sempre foi posto para trás: mulheres, jovens, indígenas, idosos. Porque quando o Homo sapiens chegar ao abismo, se ele ainda tiver um pouco de sapiens, ele terá que se virar. E quem é que vai liderar o caminho? O caminho será feito pelos últimos. Por outro lado, se pensarmos bem, durante séculos as mulheres transmitiram as tradições gastronômicas e foram as garantias da segurança alimentar das famílias. Os indígenas têm realizado suas atividades no respeito com a natureza. Os anciãos são os guardiões da sabedoria. E os jovens têm o direito de viver em um mundo saudável no futuro. Ter respeito por esse componente humano também se torna imprescindível no combate à perda de biodiversidade e às mudanças climáticas.
Homo sapiens é a espécie prepotente, dizia Cavalli-Sforza. Somos perturbadores natos: onde chegamos queremos mudar as coisas, no jargão técnico somos "construtores de nicho". Deixamos de nos adaptar ao ambiente, mas o transformamos para torná-lo agradável para nossos propósitos, por exemplo, ao cozinhar o alimento.
Esse é um modus operandi que gerou bem-estar ao longo do tempo (ainda que à custa de crescentes desigualdades). Hoje, porém, há um problema de tempos: a velocidade com que estamos destruindo o meio ambiente e a biodiversidade não tem precedentes na história evolutiva e não permite a regeneração. Desmatamento, espécies invasoras, poluição, caça e pesca indiscriminada, crescimento populacional e urbanização são causas que nos colocam em sério perigo. Soma-se a isso agora as mudanças climáticas. Se o problema é sistêmico, as soluções também deverão ser.
A biodiversidade torna-se assim o seguro de vida mais importante com que podemos contar, porque quanto mais reduzo a diversidade em um ambiente, mais vulnerável ele se torna. Pensemos no que aconteceu com o Covid-19, mas o mesmo pode ser dito para qualquer outra doença infecciosa: um agente patógeno, que é mestre da evolução, se chega e encontra uma população homogênea do ponto de vista genético, causa danos muito sérios, por que ao acertar um acertou todos.
Sexo, diversidade e recombinação genética são estratégias da evolução para combater isso. A diversidade tem um valor intrínseco, pois não temos nenhum direito de interromper a história de vida de uma espécie, muito menos destruir uma cultura nativa. Mas se realmente queremos encontrá-la, há também uma razão utilitária: quanto mais defendemos a saúde do meio ambiente, mais defendemos a nossa.
Então, o que é regeneração para você?
Natureza é regeneração, diziam os gregos. Os ecossistemas conseguem se regenerar com o tempo. Alguns organismos sabem regenerar células e tecidos, nós muito pouco, mas deveríamos ter a cultura e a clarividência para devolver à natureza suas capacidades de regeneração, pois nossa regeneração depende daquelas. O ecologismo integral de que precisamos é um ecologismo humanista: os interesses da natureza, da qual fazemos parte, mas que é maior do que nós, coincidem com os nossos.
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A biodiversidade prolonga a vida. Entrevista com Telmo Pievani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU