13 Julho 2022
“Há sinais de uma grande reorientação em direção a uma estrutura de política econômica enraizada na produção, no trabalho e no localismo, em vez das finanças, do consumismo e da globalização. Pode tornar-se um novo modelo de política que captura a imaginação até mesmo dos oponentes políticos mais polarizados.” A reflexão é de Dani Rodrik, economista turco e professor da Fundação Ford de Economia Política Internacional, na Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, em artigo publicado por El Economista, 11-07-2022. A tradução é do Cepat.
Um novo paradigma econômico se estabelece verdadeiramente quando até mesmo seus supostos opositores começam a ver o mundo através de suas lentes. Em seu apogeu, o Estado de bem-estar keynesiano recebeu apoio tanto de políticos conservadores como daqueles da esquerda. Nos Estados Unidos, os presidentes republicanos Dwight Eisenhower e Richard Nixon aceitaram plenamente os princípios essenciais do paradigma (mercados regulados, redistribuição, seguridade social e políticas macroeconômicas anticíclicas) e trabalharam para expandir os programas de bem-estar social e fortalecer a regulação ambiental e trabalhista.
Algo similar aconteceu com o neoliberalismo. O impulso veio de economistas e políticos, como Milton Friedman, Ronald Reagan e Margaret Thatcher, que eram entusiastas do mercado. Mas o eventual domínio do paradigma deveu-se em grande parte a líderes de centro-esquerda como Bill Clinton e Tony Blair, que internalizaram grande parte da sua agenda pró-mercado. Esses líderes pressionaram pela desregulamentação, financeirização e hiperglobalização, enquanto da “boca para fora” se manifestavam contra o aumento da desigualdade e da insegurança econômica.
Hoje estamos no meio de uma transição que nos afasta do neoliberalismo, mas o que irá substituí-lo é altamente incerto. A ausência de um novo paradigma solidificado não é necessariamente ruim. Não precisamos de mais uma ortodoxia que ofereça soluções pré-fabricadas e planos prontos para uso para países e regiões com diferentes circunstâncias e necessidades.
Mas a política econômica deve ser guiada por uma visão encorajadora. A história sugere que o vazio deixado pelo declínio do neoliberalismo em breve será preenchido por um novo paradigma que eventualmente precisará do apoio de todo o espectro político. Tal resultado pode parecer impossível dada a atual polarização política. Na verdade, já há sinais de convergência.
Em particular, um novo consenso bipartidário pode estar surgindo em torno do “produtivismo”, que enfatiza a disseminação de oportunidades econômicas produtivas em todas as regiões e todos os segmentos da força de trabalho. Ao contrário do neoliberalismo, o produtivismo confere aos governos e à sociedade civil um papel importante na consecução desse objetivo. Coloca menos fé nos mercados, desconfia das grandes corporações e enfatiza a produção e o investimento sobre as finanças, e a revitalização das comunidades locais sobre a globalização.
O produtivismo também se afasta do Estado de bem-estar keynesiano, concentrando-se menos na redistribuição, nas transferências sociais e na gestão macroeconômica e mais em medidas do lado da oferta para criar bons empregos para todos. E o produtivismo difere de seus dois antecedentes por refletir maior ceticismo em relação aos tecnocratas e expressar menos hostilidade instintiva em relação ao populismo econômico.
A retórica da administração do presidente dos EUA, Joe Biden, e algumas de suas políticas apresentam muitos desses elementos. Os exemplos incluem a adoção de políticas industriais para facilitar a transição ecológica, para reconstruir as cadeias de abastecimento nacionais e para estimular bons empregos; apontando os grandes lucros corporativos como os culpados pela inflação e recusando-se (até agora) a revogar as tarifas do ex-presidente Donald Trump sobre a China. Quando a principal economista do governo, a secretária do Tesouro Janet Yellen, exalta as virtudes da “acolhida de amigos” (obter suprimentos dos aliados dos EUA) na Organização Mundial do Comércio, sabemos que os tempos estão mudando.
Mas também há muitas correntes desse pensamento na direita política. Alarmados com a ascensão da China, os republicanos fizeram uma causa comum com os democratas na promoção de políticas de investimento e inovação para impulsionar a indústria manufatureira americana. O senador estadunidense Marco Rubio, ex-candidato presidencial republicano no passado e provavelmente no futuro, fez apelos apaixonados a favor da política industrial: promover a assistência financeira, de marketing e tecnológica a pequenas empresas e os setores manufatureiro e de alta tecnologia. “Naqueles casos em que o resultado mais eficiente do mercado é ruim para nosso povo”, disse Rubio, “o que precisamos é de uma política industrial específica para promover o bem comum”.
Muitos da esquerda concordam. O arquiteto da política comercial de Trump com a China, Robert Lighthizer, conquistou muitos seguidores progressistas por suas táticas duras na OMC. Robert Kuttner, uma das principais vozes da esquerda, argumentou que as opiniões de Lighthizer sobre comércio, política industrial e nacionalismo econômico “eram mais as de um democrata progressista”.
O Centro Niskanen, chamado assim em homenagem ao economista libertário William Niskanen (um dos principais assessores de Reagan), fez da “capacidade estatal” um de seus principais pilares, enfatizando que a capacidade dos governos de proporcionar bens públicos é importante para uma economia saudável. Oren Cass, assessor do republicano Mitt Romney durante suas campanhas presidenciais de 2008 e 2012 e ex-membro sênior do Manhattan Institute pró-mercado, é um crítico do capitalismo financeirizado e apoia a restauração das cadeias de suprimentos e o investimento em comunidades locais.
Da mesma forma, Patrick Deneen, um dos principais intelectuais da “direita populista” estadunidense, defende “políticas em favor dos trabalhadores” e “a promoção, através de políticas governamentais, da produção nacional”. Durante uma entrevista recente na qual Deneen discutiu essas e outras políticas econômicas, o escritor do New York Times, Ezra Klein, comentou: “O engraçado disso para mim é que eles se parecem com o que é hoje o Partido Democrata.”
Como James e Deborah Fallows descobriram quando viajaram pelos Estados Unidos em seu avião monomotor para estudar o desenvolvimento econômico local, o pragmatismo pode superar o partidarismo político quando se trata de fomentar os negócios, a criação de empregos e as parcerias público-privadas. Os políticos locais que enfrentavam os desafios do declínio econômico e do desemprego se envolveram com grupos comunitários, empresários e outras partes interessadas em ampla experimentação de políticas. E, em muitos casos, sua filiação política fez pouca diferença no que fizeram.
Resta ver se esse tipo de colaboração entre partidos e fertilização de ideias será um novo paradigma. Existem profundas divisões entre republicanos e democratas em questões sociais e culturais, como o direito ao aborto, à raça e ao gênero. Muitos republicanos, incluindo figuras proeminentes como Rubio, ainda não renunciaram à sua lealdade a Trump, que continua sendo uma ameaça à democracia estadunidense. E há sempre o perigo de que as “novas” políticas industriais, defendidas tanto por conservadores como por progressistas, morram ou se tornem as velhas políticas do passado.
Não obstante, há sinais de uma grande reorientação em direção a uma estrutura de política econômica enraizada na produção, no trabalho e no localismo, em vez das finanças, do consumismo e da globalização. O produtivismo pode tornar-se um novo modelo de política que captura a imaginação até mesmo dos oponentes políticos mais polarizados.
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Um novo paradigma do produtivismo? Artigo de Dani Rodrik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU