01 Agosto 2025
O artigo é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 31-07-2025.
José Manuel Vidal é doutor em Ciências da Informação e licenciado em Sociologia e Teologia e diretor do Religión Digital.
O tornado de Francisco passou e, como acontece depois de verdadeiras tempestades, a Igreja universal encontra-se em desordem, os móveis foram reorganizados e muitos protagonistas se perguntam como reconstruir a estrutura e "voltar ao que era antes", ao previsível, ao "sempre foi assim". Ninguém sai ileso da tempestade profética do Papa Bergoglio, que virou tudo de cabeça para baixo em uma instituição ancorada na imobilidade.
Porque era isto que Bergoglio era: um profeta. E um grande profeta, alguém que exalava o puro Evangelho e, com sua mera presença, perturbava e agitava a atmosfera curial e episcopal, provocando ora apoio incondicional, ora profundas suspeitas e medos insuspeitos.
Os bispos, especialmente aqueles abrigados no conforto do status quo, pisaram em ovos diante de um Papa que não tinha medo de chamar as coisas pelo nome ou de castigar abusos de poder (incluindo o clericalismo) na mesma mesa que os príncipes da Igreja.
Agora, com Leão XIV, o clima se acalmou — ou assim parece — e a velha hierarquia, especialmente a mais conservadora, reaparece timidamente. "O medo acabou", dizem nos corredores e nas salas de jantar dos bispos. "O pior já passou." Os prelados, que sofreram a surra de Francisco, sentem-se novamente à vontade e acreditam que podem vislumbrar uma nova oportunidade para retomar seu lugar ao sol eclesiástico, definir a agenda e restaurar a ordem e os privilégios perdidos.
O novo Papa parece-lhes, pelo menos a priori, mais administrável, previsível, alguém a quem podem explicar a "gravidade de certas coisas" sem correr o risco de encontrar uma explosão de indignação profética do Papa gaucho, que não media palavras quando se tratava das coisas de Deus.
No entanto, a remodelação eclesiástica não é e não será pacífica nem automática. Os bispos mais progressistas sentem uma opaca sensação de orfandade: foram órfãos de um profeta. Acostumados a encontrar abrigo, inspiração e até oportunidades de progredir sob a proteção de Bergoglio, agora hesitam, permanecem em silêncio, observando para onde soprará o vento curial e que impulso Leão XIV deseja dar à Igreja: ela continuará a crescer e a se abrir a todos, ou a primavera já passou?
Os moderados, sempre atentos ao equilíbrio (mornidão) e à eficácia, permanecem atentos, atentos aos sinais para saber o que esperar, que ênfase dar e como ajustar seu discurso ao novo clima papal.
No fundo, todos tentam se posicionar: aguardam a palavra, o gesto ou o encontro que ditará a tendência e lhes dirá se o pêndulo oscilará para trás, para a frente ou permanecerá parado. Enquanto isso, o clericalismo, aquele vírus resiliente que Francisco denunciou impiedosamente, tenta se reagrupar, reconstruir alianças e retornar à sua antiga glória.
Trata-se de um mal tão grave e tão profundamente enraizado no tecido eclesiástico que nem mesmo o profeta Francisco conseguiu pôr fim a ele; ele esteve apenas temporariamente na defensiva. Agora, sente um desejo de vingança, pronto para retomar privilégios, controle e aqueles dias dourados em que batinas, golas rendadas e casulas em forma de violão abriam mais portas do que a coerência e o radicalismo evangélicos.
Leão XIV o deixará agir à solta? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. O novo Papa procede com cautela, ciente do ninho de vespas que o cerca. Ele sabe que o clericalismo é o verdadeiro adversário de uma Igreja sinodal, missionária e evangelizadora. Ele também sabe que a mudança não se impõe apenas por meio de leis e discursos, mas pela prática, pela comunidade e pelo poder distribuído. Sua firmeza — e sua capacidade de evitar ser manipulado por qualquer um dos lados — determinará se o tornado de Francisco não foi apenas um longo parêntesis, mas um verdadeiro kairós, um antes e um depois irreversíveis.
Porque depois do profeta vem o normalizador. Mas uma Igreja fiel ao Espírito não pode se dar ao luxo de perder de vista o Reino por causa do retorno de velhas rotinas. Caberá a Leão XIV demonstrar se a calma é apenas uma espera tensa... ou o prelúdio de um novo Pentecostes que finalmente completará a luta contra aquela tentação clerical que impede a Igreja de voltar a sentir o perfume do Evangelho.
O pontificado de Francisco abriu caminho decisivamente para a sinodalidade: consultas, assembleias, processos de escuta e participação de todo o Povo de Deus — leigos, mulheres e jovens — com voz ativa no discernimento eclesial. A sinodalidade deixou de ser um slogan e se traduziu em estruturas, metodologias e uma teologia renovada da corresponsabilidade. Isso inclui um cronograma para sua implementação.
Com Leão XIV, percebe-se até agora um compromisso formal com a continuidade desse processo. Há um desejo expresso de manter canais mais amplos de participação e consultas genuínas antes de nomeações e decisões importantes. No entanto, o clima de "normalização" e a retomada do clericalismo — favorecido por setores que veem o novo Papa como mais dialógico e menos disruptivo — colocam em risco uma reversão silenciosa do ímpeto sinodal, caso não seja gerido com firmeza.
O perigo, como já foi experimentado após outros períodos reformistas, é que a sinodalidade permaneça uma retórica de inclusão, sem a audácia transformadora que a caracterizou sob Francisco. Tudo dependerá de fatos concretos : se os leigos continuarão a ter participação efetiva ou se, aos poucos, o fardo recairá nas antigas mãos da hierarquia.
Para a Igreja leiga — esse imenso "povo santo de Deus" que sustenta a vida cotidiana das comunidades, a caridade, a catequese, a missão e a presença pública — este momento é de incerteza, mas também de oportunidade. Após a onda de destaque que lhe foi concedida pelo pontificado de Francisco, a tentação seria relegá-la novamente a segundo plano.
Os riscos são duplos: que a "normalização" seja interpretada como um retorno ao clericalismo que reduz os leigos a meros assistentes dos párocos, ou que o cansaço e a falta de reconhecimento levem a uma desmobilização perigosa em um momento de crise vocacional e de falta de credibilidade social da Igreja.
Ao mesmo tempo, a estrutura sinodal e a memória recente do protagonismo leigo podem se tornar um fermento para que os leigos reivindiquem — e exerçam — o direito e o dever da corresponsabilidade, mesmo diante da resistência interna.
O lugar das Igrejas sinodais e leigas nesta nova fase dependerá, em última análise, de decisões concretas: os canais sinodais serão mantidos e expandidos? A participação do Povo de Deus nos processos de discernimento, eleição e missão será concretizada? Os leigos, e especialmente as mulheres, terão acesso real aos espaços decisórios? Ou caminharemos para uma recentralização sutil sob o pretexto de equilíbrio e calma?
Em suma, a Igreja sinodal e a Igreja leiga estão numa encruzilhada. Conquistaram terreno e consciência com Francisco, mas agora devem defender o seu espaço e reivindicá-lo como seu, para que a primavera eclesial não se torne uma recordação, mas o horizonte permanente de uma Igreja verdadeiramente em saída e em comunhão. A bola está, mais uma vez, no campo do Espírito e da coragem de todo o povo santo de Deus. E, claro, nas mãos do Papa Leão XIV, um Papa que, como missionário, é radicalmente sinodal.