30 Março 2022
A ONG, no seu informe O estado dos direitos humanos no mundo, conclui que os Estados mais desenvolvidos e com maior poder econômico aprofundaram a desigualdade global frente à Covid-19. Descreve o que aconteceu como “a grande oportunidade perdida” e a define como “a grande traição” com os Estados em desenvolvimento e cidadãos vulneráveis.
A reportagem é publicada por Público, 29-03-2022. A tradução é do Cepat.
O informe da Anistia Internacional, O estado dos direitos humanos no mundo, denuncia que os países mais poderosos, juntamente com as grandes empresas, aprofundaram a desigualdade global durante a gestão da pandemia. De fato, o informe detalha as causas fundamentais de tão duras análises como “perniciosa ganância corporativa e brutal egoísmo nacional”, assim como o abandono da infraestrutura sanitária e pública por governos em todo o mundo.
“O ano de 2021 deveria ter sido um ano de cura e recuperação. Em vez disso, tornou-se o berçário para uma desigualdade mais profunda e maior instabilidade, um legado corrosivo para os próximos anos”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional.
Neste sentido, Callamard insiste em que “um líder após o outro prometeu reconstruir melhor com vistas a abordar as desigualdades arraigadas que exacerbaram o impacto da pandemia. Em vez disso, o que eles fizeram foi encenar uma trágica fábula de traição e ganância em conluio com os gigantes corporativos”.
Em sua opinião, “embora o mundo inteiro tenha sido afetado, quem sofreu suas piores consequências foram as comunidades mais marginalizadas, inclusive as que estão na linha de frente da pobreza endêmica”, afirma.
A Anistia Internacional lembra que durante a pandemia, na primeira onda na Espanha, denunciou a maior violação de direitos humanos da pandemia: a discriminação sofrida pelos idosos em residências, e que ficou praticamente impune.
O ano de 2021 é o ano da impunidade: nem uma única pessoa foi considerada culpada desses atos e, apesar disso, nenhum dos grupos parlamentares no Congresso apoiou, por enquanto, a abertura de uma comissão da verdade, lamentou Esteban Beltrán, diretor da Anistia Internacional.
A isso se soma o que a organização chamou de “a outra pandemia”: a falta de acesso adequado aos cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas, idosos e pessoas com problemas de saúde mental, o que colocou em risco sua saúde física e mental e teve um impacto especial nas mulheres, no contexto de um sistema de saúde à beira do colapso, especialmente em sua atenção primária.
No que diz respeito à situação dos refugiados, a organização lamenta a dupla medida: por um lado, o Governo está fazendo esforços para dar uma resposta ágil a quem chega à Espanha da Ucrânia ou do Afeganistão, mas não atua da mesma forma em relação a outras pessoas que também podem estar fugindo da violência ou da perseguição. “Não podemos um dia receber de braços abertos aqueles que fogem da guerra, e no dia seguinte atingir aqueles que pulam a cerca em Melilla com extrema brutalidade”, diz Esteban Beltrán.
A Anistia Internacional denunciou que a liberdade de expressão e o direito de protesto continuam ameaçados na Espanha devido à falta de reforma da chamada Lei da Mordaça; pela aplicação do Código Penal em casos como a condenação e prisão de Pablo Hasel pelos crimes de “glorificação do terrorismo” e “injúrias à Coroa e às instituições do Estado”. Também destaca o uso excessivo da força por membros das forças de segurança para dispersar manifestações, incluindo o uso indevido de balas de borracha ou balas de espuma, que fez com que uma mulher perdesse o olho durante as manifestações na Catalunha.
A única boa notícia em 2021, para a Anistia Internacional, nesta área foi a libertação dos ativistas Jordi Sánchez e Jordi Cuixart após quatro anos em que nunca deveriam ter estado presos.
Para a Anistia Internacional, o êxito da vacina foi prejudicado pelo “nacionalismo egoísta e pela ganância corporativa”. De fato, a ONG explica como a rápida implantação da vacina contra a Covid-19 foi interpretada como uma panaceia científica que ofereceu esperança para o fim da pandemia para todo o mundo. Vale lembrar, porém, que apesar de haver produção suficiente para vacinar integralmente a população mundial em 2021, menos de 4% dos que vivem em países de baixa renda haviam recebido as duas doses ou a dose única no final do ano.
Agnès Callamard também lembra, em sua análise deste informe, que nas cúpulas do G7, G20 e COP26, “líderes políticos e econômicos encheram a boca para falar de políticas que poderiam gerar uma grande mudança no acesso à vacina, bem como reverter a falta de investimento em proteção social e enfrentar o impacto das mudanças climáticas”.
O informe detalha como os principais executivos de grandes empresas farmacêuticas e de tecnologia encheram os ouvidos com seus discursos sobre responsabilidade social corporativa. Mas a Anistia Internacional lembra que naquele momento crucial, o palco estava maduro para a recuperação e para uma mudança realmente significativa em direção a um mundo mais igualitário. Mas, para a secretária-geral da Anistia Internacional, “eles perderam a oportunidade e recuperaram políticas e práticas que aprofundaram ainda mais a desigualdade. Os membros do clube mais exclusivo do mundo fizeram promessas em público que depois descumpriram no privado”.
Países ricos como os estados membros da União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos acumularam mais doses de vacinas do que precisavam, de acordo com este informe da Anistia Internacional, “enquanto olhavam para o outro lado quando as grandes empresas farmacêuticas colocavam os lucros acima das pessoas recusando-se a compartilhar sua tecnologia e permitir uma maior distribuição das vacinas”.
Em 2021, Pfizer, BioNTech e Moderna previam lucros exorbitantes de até US$ 54 bilhões, mas forneceram menos de 2% de suas vacinas para países de baixa renda, segundo a ONG.
As grandes empresas farmacêuticas não foram as únicas gigantes corporativas a minar a recuperação da pandemia em favor do lucro. Empresas do setor das redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter forneceram terreno fértil para a desinformação sobre a Covid-19, permitindo que as resistências em relação às vacinas florescessem.
Alguns líderes políticos, segundo a Anistia Internacional, “também atuaram como superdisseminadores de desinformação, alimentando a desconfiança e o medo para seu próprio benefício político”.
“As empresas de redes sociais permitiram que seus lucrativos algoritmos espalhassem desinformação prejudicial sobre a pandemia, priorizando o sensacionalismo e a discriminação frente à verdade”, diz Agnès Callamard.
Com menos de 8% da população do continente vacinada com as duas doses ou dose única no final de 2021, a África tem a taxa de vacinação mais baixa do mundo, ameaçada pela insuficiência de abastecimentos do mecanismo COVAX, do Fundo Africano para Aquisição de Vacinas e através de doações bilaterais. Assim, a Anistia Internacional denuncia que “a população ficou exposta enquanto as campanhas de vacinação diminuíram ou falharam em países cujo sistema de saúde já era insuficiente”.
Na África do Sul, cerca de 750.000 crianças abandonaram a escola em maio, mais de três vezes o número pré-pandemia. No Vietnã, as trabalhadoras migrantes sofreram um impacto particular que levou à insegurança alimentar e as impediu de atender a outras necessidades básicas. Na Venezuela, a pandemia agravou uma emergência humanitária pré-existente: 94,5% da população vivia em pobreza de renda e 76,6% em extrema pobreza.
“Em muitos países do mundo, populações já marginalizadas pagaram o preço mais alto pelas decisões políticas deliberadas de uma minoria privilegiada. O direito à saúde e à vida foram violados em grande escala; milhões de pessoas tinham dificuldades para chegar ao final do mês; muitas perderam suas casas; meninos e meninas foram excluídos da educação, e a pobreza aumentou”, denuncia também Agnès Callamard.
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Anistia Internacional denuncia o “egoísmo dos países ricos e a ganância corporativa” na gestão da pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU