23 Fevereiro 2022
Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz, teme que o Brasil venha a adotar o modelo inglês, o que prolongaria o drama da pandemia.
A reportagem é de Tiago Pereira, publicada por Rede Brasil Atual, 21-02-2022.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson anunciou nesta segunda-feira (21) o fim de todas as restrições contra a covid-19 na Inglaterra a partir da próxima quinta-feira (24). No Parlamento, ele apresentou a estratégia denominada “Vivendo com a Covid-19”, que aposta todas as fichas na vacinação. As medidas valem apenas para a Inglaterra, já que as demais regiões do Reino Unido têm autonomia em termos de políticas sanitárias.
De acordo com as novas diretrizes, os infectados não serão mais obrigados a cumprir isolamento de cinco dias. Ainda assim, o governo “aconselha” a manutenção do autoisolamento para aqueles que testarem positivo para a covid-19.
A partir de 1º de março, o governo inglês também vai acabar com política de testes gratuitos para detectar a doença. Além disso, as autoridades de saúde não farão mais o rastreamento dos contatos que testarem positivo. Apenas os “mais vulneráveis” continuarão a ter acesso aos exames gratuitamente.
“Não precisamos mais pagar esse custo”, disse o premier. “Então, vamos aprender a viver com esse vírus e continuar nos protegendo e aos outros sem restringir nossas liberdades”. Segundo ele, a Inglaterra tem “níveis de imunidade suficientes para acreditar na vacina e em tratamentos”.
Trabalhadores também não serão mais legalmente obrigados a informar aos empregadores quando pegarem a doença. O governo também pôs fim ao auxílio financeiro aos infectados em isolamento. Até então, trabalhadores de baixa renda contaminados, sem possibilidade de trabalhar de casa, podiam requerer auxílio de 135 libras para fazerem a quarentena.
Em todo o Reino Unido, 85% das pessoas com 12 anos ou mais receberam duas doses da vacina contra a covid-19. Ademais, 66% receberam a dose de reforço, segundo dados oficiais.
A oposição criticou as medidas anunciadas por Johnson. De acordo com a porta-voz de questões de saúde do Partido Trabalhista, Wes Streeting, o primeiro-ministro conservador está “declarando vitória antes do fim da guerra”. Além disso, os trabalhistas acusam Johnson de utilizar essa flexibilização como forma de desviar a atenção da opinião pública contra as denúncias que pairam sobre ele.
Seu governo é investigado por ter realizado diversas festas entre junho de 2020 e abril de 2021, quando os ingleses estavam confinados diante do aumento do número de casos durante a onda da variante delta.
Na opinião do epidemiologista da Fiocruz-Amazônia Jesem Orellana, as decisões tomadas pelo governo inglês servem de “mau exemplo” para países como o Brasil. “É uma aposta muito alta, pois pode causar mais adoecimento, incluindo covid longa, e mortes evitáveis, ambas com custos muito maiores do que investir na prevenção e controle de novos contágios”.
Para ele, ainda é cedo para encarar a covid-19 como uma endemia, e teme que o Brasil siga pelo mesmo caminho adotado pela Inglaterra, o que contribuiria para o “prolongamento da pandemia” por aqui. Por outro lado, ele afirmou que a vacinação não pode ser vista como arma “única e milagrosa”. Apesar de ter avançado na imunização, o Reino Unido tem índices de vacinação piores do que os registrados em países como Chile e Portugal.
Do mesmo modo, Jesem classificou como “temerária”, o fim do isolamento obrigatório. “Isso significa que o vírus seguirá circulando livremente, em um país que jamais foi modelo de controle epidêmico”, criticou. Nesse sentido, ele destaca que o Reino Unido, os Estados Unidos e o Brasil “respondem por aproximadamente 30% de todas as mortes por Covid-19 no planeta”.
Sobre o fim dos testes gratuitos, ele disse que esse é um “fardo” que não deve ser jogado sobre a população. Ainda mais em um momento de crise econômica. “Essa medida pode deixar não apenas a população no escuro, mas o próprio governo. Pois a fração da população que sustenta a transmissão comunitária é justamente a de não vulneráveis, e não o contrário”, criticou.
Também nesta segunda o Brasil registrou mais 318 mortes e 37.339 casos da covid-19 nas últimas 24 horas. Assim, a média móvel de óbitos teve leve queda, ficando em 824 nos últimos sete dias. O país registrou pico recente na último dia 11, quando atingiu 951 óbitos na média móvel, a pior taxa desde 31 de julho.
A média móvel de casos também caiu para 101.007, ante 134.130 casos de média há uma semana. No entanto, cabe lembrar que, ao longo da pandemia as segundas-feiras apresentam números menores, por conta dos dados represados durante o fim de semana.
Conforme o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o país tem, ao todo, 644.604 mortos pela covid-19 oficialmente registrados, com mais de 28,2 milhões de casos desde o início da pandemia.
Até o momento, 76,35% dos brasileiros com cinco anos ou mais tomaram duas doses da vacina contra a covid-19. E apenas 35,37% das pessoas com 18 ano ou mais tomaram a dose de reforço.
Números de casos e mortes pela covid-19 desta terça-feira no Brasil. (Fonte: Conass)
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Fim de restrições contra covid-19 na Inglaterra é ‘mau exemplo’ para o Brasil, diz pesquisador da Fiocruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU