20 Dezembro 2021
"A voz alta dos duvidosos hoje recebe respostas pacatas e sérias, que correm o risco de ser mal interpretadas justamente pela ambiguidade com que muitos antes calaram ou falaram apenas por enigmas. A melhor tradição nos espera no futuro: no único rito comum, que agora, obrigatoriamente, o TC recolocou no centro, para todos, podemos trazer o melhor tanto das dúvidas mais profundas quanto das respostas mais bem fundamentadas", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 18-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O documento Responsa ad dubia da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos sobre algumas disposições da Carta Apostólica na forma de um "Motu Proprio" Traditionis Custodes do Sumo Pontífice Francisco ajuda a compreender melhor a questão fundamental que o MP "Traditionis Custodes" resolveu 5 meses atrás e que tem dificuldade para ser compreendida naquela área eclesial que, a partir de 2007, se tinha iludido quanto à possibilidade de valorizar uma "indiferença institucional" em relação à Reforma Litúrgica. O "vulnus" daquela intemperança institucional hoje ainda cria vítimas. Um breve olhar sobre o documento recente é capaz de nos fazer entender onde está o problema fundamental.
O documento nada mais é do que um conjunto de "dubia" (11), às quais é dado um "responsum" quase sempre com uma "nota explicativa" especificando os motivos pelos quais prevaleceu o sim ou não na resposta. Ressalte-se que, antes da responsa, há um texto bastante articulado, assinado pelo Prefeito Roche, que esclarece como a "mens" do MP Traditionis custodes seja a de restabelecer o caminho normal da reforma litúrgica, como é mencionado pelas palavras do Papa Paulo VI no final da segunda sessão do Concílio, como nos termos da "irreversibilidade" recentemente retomada pelo Papa Francisco. Os temas fundamentais a que se referem as questões são a forma de interpretar as competências episcopais - que o TC devolveu aos Bispos - ou quais são os livros, os sujeitos e os lugares envolvidos na celebração do rito pré-conciliar. Parece-me que as respostas sejam fundadas na lógica da reforma litúrgica e no bom senso.
Acredito que seja útil, além de considerar a importância das respostas, me deter um pouco sobre as questões levantadas. E é muito importante perguntar-se: de onde surgem esses questionamentos? Quem os ouviu surgir em seus corações e mentes? A resposta é muito simples: vêm de todos aqueles que, inadvertida e superficialmente, às vezes de maneira ideológica e superficial, puderam acreditar que o "Summorum Pontificum" instituísse oficialmente a "não irreversibilidade do Concílio Vaticano II".
E que, portanto, tudo o que ganhou cada vez mais autoridade desde 1963, havia escrito páginas de história, instituído formas rituais, repensado vidas e convertido corações, pudesse ser considerado com um encolher de ombros, como uma "possibilidade", mas não como uma necessidade. Assim, em 14 anos de “práticas paralelas”, uma série de homens e mulheres, padres e bispos, abades e monges, religiosos e religiosas, se deixaram fascinar por esse “mito”. O mito da "reversibilidade" do Concílio Vaticano II, o mito do paralelismo ritual, o mito do "desvio conciliar", o mito não só da "missa de sempre", mas da liturgia imóvel e da tradição monumental.
Mas há mais. A questão não diz respeito apenas nem principalmente à liturgia. É o Concílio Vaticano II enquanto tal que está em jogo. Assim como a liturgia foi o primeiro nível no qual o Concílio teve a força de uma "reforma", um sonho cultivado desde a década de 1980, e que durou quase 35 anos, tomou forma em deter a reforma litúrgica, para esvaziar o Concílio de toda autoridade. As formas de comunhão, o exercício do ministério, o papel dos leigos e das mulheres, a relação entre centro e periferia, as opções na tradução de palavras e dos gestos: tudo pôde ser pensado como “absolutamente imutável”.
Isso aconteceu, de forma simbólica, precisamente na liturgia, em suas formas a serem traduzidas e inculturadas, e que apareceram por 30 anos, guardadas apenas pelo passado e não pelo futuro. Um verdadeiro "dispositivo de bloqueio" foi sendo aperfeiçoado no plano litúrgico: e na véspera desse grande passo - que nada mais é do que um retorno à grande estrada do Concílio - não tínhamos visto uma grande Congregação publicar uma versão meticulosamente "reformada" do rito que se dizia "irreformável"?
O joguinho, que muitas vezes também as crianças fazem, é este: quem traz a guerra se faz de vítima e quem procura a paz é retratado como senhor da guerra. Declarações e intenções não são suficientes para dizer que o Summorum Pontificum era um documento de paz. Estou convencido, desde 2007, de que estivemos diante de um forte ataque não à liturgia, mas ao Concílio. Hoje, no mito dos "duvidosos", esse texto parece "paraíso perdido" da paz na Igreja. Nada poderia ser mais falso. Assim como é falso pensar que essas respostas equilibradas às dúvidas sejam "intolerantes" ou "pesadas" ou que "infiram" sobre os fracos. Simplesmente trazem a situação de volta à razão.
Infelizmente, hoje isso é mais difícil porque muitos daqueles que desde 2007 poderiam ter escrito, falado, testemunhado, contestado, se acomodaram em um barril, na salmoura, como pequenos peixes. Pela dignidade do ministério pastoral e teológico não é o máximo, ainda que garanta a preservação (de si). A voz alta dos duvidosos hoje recebe respostas pacatas e sérias, que correm o risco de ser mal interpretadas justamente pela ambiguidade com que muitos antes calaram ou falaram apenas por enigmas. A melhor tradição nos espera no futuro: no único rito comum, que agora, obrigatoriamente, o TC recolocou no centro, para todos, podemos trazer o melhor tanto das dúvidas mais profundas quanto das respostas mais bem fundamentadas.
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As respostas aos “dubia” e ao fim do “dispositivo de bloqueio”. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU