"Há apenas algumas décadas, o pensamento hildegardiano começou a ser explorado em toda a sua extraordinária vastidão e profundidade, e nosso tempo captou, em tanta riqueza, numerosas e vívidas ressonâncias a respeito de temas que hoje tocam a sensibilidade e a consciência de muitos, especialmente dos jovens: a relação do homem com a natureza e das criaturas com o Criador, a correspondência microcosmo-macrocosmo, a relação de cuidado, a harmonia interior. E é precisamente no cerne dessas temáticas, articuladas entre si na perspectiva do que agora definimos de 'ecologia integral'”, que encontramos o conceito de Viriditas. Mas qual é o significado desta palavra?", escreve Anita Prati, em artigo publicado por Settimana News, 13-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O vento frio de dezembro arranca as últimas folhas dos ramos das tílias das avenidas da cidade e das fileiras de choupos e amoreiras que costeiam as estradas rurais, revelando os perfis em toda a sua nua essencialidade. O inverno está próximo.
A natureza nos parece bloqueada, contraída, recolhida em si mesma. É o tempo de repouso e de silêncio, o tempo de uma estase que parece quase um prelúdio da morte: e as plantas secas / negras tramas marcam o sereno. [1]
Eu me aproximo de uma amoreira cujos galhos já estão completamente nus; olho, toco, acaricio com dedos leves a casca enrijecida de frio. Parece morta, realmente. Mas sob os dedos sinto, palpitando embora muda, a força viva que na primavera voltará novamente para contar uma história feita de botões, de broto e de folhas novas; sob os dedos sinto a força da Viriditas.
Viriditas, um dos conceitos mais sugestivos e poderosos elaborados pela reflexão teológica de Hildegard de Bingen (1098-1179), luminosa e extraordinária figura da Igreja medieval. Santa desde sempre para o povo, mas nunca oficialmente canonizada até o pontificado de Bento XVI que, há menos de dez anos, em 2012 [2], a proclamou doutora da Igreja, Hildegard se apresenta, por meio de sua biografia e de seus escritos, como uma mulher de qualidade humana intensíssimas.
Obra retrata Hildegard de Bingen (Foto: Wikimedia Commons)
É suficiente uma simples olhada nas primeiras linhas da página da Wikipedia dedicada a ela para enquadrar toda a sua genialidade: a Sibila do Reno é definida, de fato, não apenas como uma "monja, mística, teóloga e santa", mas também como uma “profetisa, curandeira, herborista, naturalista, cosmóloga, gemologista, filósofa, artista, poetisa, dramaturga, música, linguista e conselheira política”.
Há apenas algumas décadas, o pensamento hildegardiano começou a ser explorado em toda a sua extraordinária vastidão e profundidade, e nosso tempo captou, em tanta riqueza, numerosas e vívidas ressonâncias a respeito de temas que hoje tocam a sensibilidade e a consciência de muitos, especialmente dos jovens: a relação do homem com a natureza e das criaturas com o Criador, a correspondência microcosmo-macrocosmo, a relação de cuidado, a harmonia interior. E é precisamente no cerne dessas temáticas, articuladas entre si na perspectiva do que agora definimos de “ecologia integral”, que encontramos o conceito de Viriditas. Mas qual é o significado desta palavra?
Viriditas, assim como o adjetivo viridis (verde) do qual deriva, compartilham a mesma raiz etimológica de palavras como vis /força, vir/homem, virgo/jovem mulher, ver/primavera, virtus/ valor, virga/rebento, vita/princípio vital: todas palavras que remetem à ideia de um princípio energético que atua e opera na natureza e através da natureza, no mundo, na humanidade.
O vocabulário latino indica um uso muito limitado e circunscrito do termo: viriditas é - no latim de Cícero - em primeiro lugar a qualidade cromática própria da cor verde; por metonímia, pode depois passar a significar vegetação; finalmente, em sentido figurado, pode ser traduzido como frescor, energia, floração.
O latim medieval conhece um viés particular do termo em sentido teológico. Gregório Magno, em seu comentário sobre o Livro de Jó, associa por contraste a imagem da ariditas, isto é, da desolação destituída de vida e espiritualidade, com a da viriditas, o frescor vital que comunica a ideia de um acréscimo do vigor espiritual e da força da espiritualidade: se a terra devastada é o coração que ainda não encontrou o Deus-que-vem, a terra verde é o coração banhado por aquela chuva fecunda que é a vinda de Cristo. [3]
Mas, enquanto em Gregório Magno a palavra viriditas é encontrada quase exclusivamente nas Moralia in Job, em Hildegard o termo retorna com frequência significativa tanto nas obras de caráter teológico-proféticas quanto nos textos de caráter naturalista.
Especial é, além disso, a relevância que o conceito de viriditas adquire dentro da Symphonia harmonie celestium revelationum, a Sinfonia da harmonia das revelações celestes, uma coleção de antífonas, sequências, responsórios e hinos de natureza litúrgica, compostos e musicados por Hildegard em meados do século XII. [4]
A musicóloga e cantora Barbara Thornton (1950-1997), cofundadora com Benjamin Bagby do conjunto vocal e instrumental Sequentia, especializado em música medieval, começou a se dedicar ao estudo de composições hildegardianas a partir da década de 1980, chegando a gravar todo o repertório. Ouvir suas gravações nos restitui em plenitude todo o espírito de Hildegard.
Ouvir a música de Hildegard, meditar nas palavras de suas composições, abre a alma para a dimensão de uma harmonia profunda e curativa. A sinfonia é, para Hildegard, um acorde não só de linhas melódicas vocais e instrumentais, mas também uma consonância de vida interior e espiritual; portanto, nesta perspectiva, o canto adquire um caráter sacramental, na medida em que cumpre o que simboliza: no canto, o espírito, a voz e os instrumentos operam "sinfonicamente" e esse operar sinfônico a harmonia da qual o homem está em busca contínua, e que é ela mesma essência da Presença divina, é encontrada e realizada.
Na antífona O viridissima virga, a imagem de Maria se sobrepõe poeticamente à imagem do broto fresco e verdejante, germinado no seio da anelante expectativa dos justos.
Na plenitude do seu florescimento físico e espiritual, a Virgo-virga desvela o mistério da encarnação: Cristo é a bela flor perfumada que brotou nos seus ramos. O dado visual concretiza-se no dado olfativo, e o perfume torna-se símbolo daquela boa vida da qual todos, em Cristo, podem haurir, mesmo onde a existência parece apagada e seca: o bom perfume que vem de Cristo devolve a fragrância aos aromas ressecados, que podem assim voltar a exprimir-se in viriditate plena - na fecunda plenitude da verdejante, divina, energia vital.
O viridissima virga
ave, que in ventoso flabro sciscitationis
sanctorum prodisti.
Cum venit tempus quod tu floruisti em ramis tuis,
ave, ave fuit tibi, quia calor solis in te sudavit
sicut odor balsami.
Nam in te floruit
pulcher flos qui odorem dedit
omnibus aromatibus que arida erant.
Et illa apparuerunt omnia in viriditate plena.
Oh verdíssima rama, salve!
tu que surgiste no sopro do mistério sagrado.
Era o tempo chegado de em teus próprios galhos floresceres,
sejas, assim, louvada, pois o sol em ti transuda, ardente, um bálsamo cheiroso.
Deveras em ti abriu rara flor, que para todos, áridos antes,
deu seu perfume.
E então tudo apareceu em sua verdura plena.
Mesmo no coração dos invernos mais áridos e frios, com frêmitos silenciosos, como seiva, flui o Viriditas.
[1] Giovanni Pascoli, novembro.
[2] Santa Ildegarda di Bingen, Monaca Professa dell’ordine di San Benedetto, è proclamata Dottore della Chiesa universale. Disponível aqui.
[3] A Theological Interpretation of Viriditas in Hildegard of Bingen and Gregory the Great; Disponível aqui.
[4] Hildegard de Bingen, Carmina. Symphonia harmonie celestium revelationum, org. M.E. Tabaglio, Gabrielli Editori, Verona 2014.