18 Novembro 2021
Apesar de alguns graus de febre, o Prêmio Nobel de Física Giorgio Parisi é extremamente lúcido e claro quando fala aos jovens: “Não se trata de salvar o planeta, mas de salvar a nós mesmos”. Online para sua primeira palestra especial em "DAD", dedicada aos alunos presentes na cúpula Green & Blue e todos aqueles que a acompanharam em streaming, o Professor Parisi incentiva os jovens à "conscientização da crise climática, informem-se" e pressiona para que seja o “estado, o governo” a orientar-se para uma economia “mais sustentável”. Ele define o acordo alcançado na COP26 como decepcionante e explica como torna-se agora necessário agir para tentar limitar as incertezas sobre o futuro das nossas vidas, uma tentativa que terá que ser mais justa e solidária, inclusive com escolhas drásticas se necessário.
A reportagem é de Giacomo Talignani, publicada por La Repubblica, 16-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Recebido por aplausos, Parisi explica logo que "muitas vezes não se entende que, quando se trata de ciências exatas, é preciso levar em conta que elas incluem incerteza nos resultados. Na ciência, a maior parte do trabalho é entender essas incertezas. Imaginem ter uma fita métrica de costureira e medir um corredor de 15 metros: vocês o medem várias vezes e têm um resultado, mas ainda haverá incerteza. Vocês podem experimentar puxar um pouco mais a fita e ver se muda alguma coisa, mas a incerteza permanece. O principal trabalho dos cientistas consiste justamente em estabelecer quais são os limites, as margens da incerteza. Isso vale para todas as ciências, também para os modelos climáticos. Há quarenta anos as previsões davam valores, com incertezas, mas não muito diferentes daqueles de agora sobre o aumento da temperatura. Portanto, há 40 anos sabemos que existe esse aumento relacionado ao CO2 e a maior parte do trabalho feito pelos cientistas é tentar quantificar a incerteza do modelo, verificar as hipóteses, entender discrepâncias e erros. Um trabalho delicado que vem sendo feito há décadas para chegar a tais previsões, científicas justamente por conterem incertezas. Assim como existe incerteza sobre os cenários em vários graus”.
Parisi abre o parêntese fundamental sobre a incerteza para poder explicar como “o problema das mudanças climáticas tem tantos aspectos que ainda não compreendemos. Por exemplo, sabemos que uma parte substancial das emissões de gases de efeito estufa não permanece na atmosfera, mas é absorvida pelo oceano. Mas exatamente como e onde? Por quanto tempo? São problemas muito delicados, aos quais se dedicam os cientistas que circulam pelos oceanos medindo a quantidades de dióxido de carbono para tentar entender o quanto esse mecanismo ainda funcionará”. Também há dúvidas sobre isso: “Se o mecanismo emperrar, se o oceano se tornam incapaz de absorver os gases de efeito estufa, haverá um aumento significativo de CO2".
Então, cabe questionar-se, essas previsões, esses cenários são confiáveis? Segundo Parisi, "são confiáveis para o mínimo, para a previsão mais otimista, mas pode acontecer que não o sejam para o máximo, para a previsão mais pessimista. Nesse caso, existe a possibilidade na evolução da temperatura de que encontrem eventos não previsíveis, os pontos de inflexão, catástrofes não sejam mais facilmente recuperáveis”.
Para explicar melhor, apresenta um exemplo. “Hoje muito CO2 é armazenado nas florestas, da Amazônia ao EUA, Canadá, Ártico. Mas se acontecesse uma série de anos muito ruins um após o outro, seca, baixa umidade ou seca prolongada, eventos extremos, poderíamos imaginar que essas florestas queimem de forma terrível com enormes danos à biodiversidade e emitam enormes quantidades de CO2 no ar, o que aumentaria o efeito estufa e assim por diante. Ou se as geleiras polares derreterem: em que medida isso mudará a circulação da água nos oceanos? Vai acelerar as mudanças climáticas? O mesmo vale para o permafrost na Sibéria, que libera metano. Todos esses eventos fazem parte de uma incerteza que inclui que a situação pode ficar ainda pior do que está acontecendo agora.”
Portanto, se hoje - enquanto observarmos os eventos extremos que nos atingem - pudermos ter uma noção dessas incertezas, é hora de perceber que "não temos que salvar o planeta, mas a nós mesmos. O planeta tem cinco bilhões de anos, tem animais de grande porte há meio bilhão de anos, sobreviveu à queda de asteroides e outras mudanças climáticas. Portanto, não acredito que o planeta esteja em perigo, mas nós estamos. Toda a nossa civilização se baseia em recursos agrícolas extremamente delicados a serem geridos com a mudança de temperatura. Imaginemos caso as monções parassem no Oceano Índico: pararia de chover no Sudeste Asiático e bilhões de pessoas na Ásia, sem alimento, precisariam emigrar para outro lugar. Por isso a situação é extremamente difícil”.
A questão, lembra o ganhador do Prêmio Nobel, é entender que os recursos do nosso planeta - das terras raras e os minerais que estamos esgotando até aquelas agrícolas ou à água - não são infinitos, mas limitados. “Devemos realmente entender a nossa pegada ecológica: devemos nos tornar uma sociedade sustentável se quisermos viver por milênios e, para isso, devemos focar mais em recursos renováveis do que em todos os recursos do planeta”.
É por isso que G20 e COP26 são eventos "decepcionantes", porque é muito bom decidir se comprometer em manter o Planeta dentro de um grau e meio, mas não é possível fazê-lo "sem um cronograma preciso de medidas: uma série de medidas urgentes são necessárias imediatamente, é ridículo falar em limitar o aumento - como falar em vinte gramas a mais ou menos no açougueiro - sem um empenho específico”. Por exemplo, os "mais sérios que serviriam para parar o carvão. Até agora não existe um verdadeiro acordo para descontinuar seu uso em 2050, dadas as posições da China e da Índia".
Isso porque existe "um enorme problema político: é completamente irrealista resolver o problema do clima se não entendermos primeiro o custo desse acordo sobre quem deve recair. É claro que bloquear as emissões comportará enormes custos, pesos e dificuldades, mas em algum ponto temos que mudar o padrão de vida”, explica Parisi.
E dá um exemplo: “Estamos pensando nas temperaturas das casas? Não podemos continuar para sempre acreditando que as manteremos nos níveis que queremos durante todo o ano. Temos que nos acostumar com o frio em nossas casas, talvez colocando dois blusões. Mas isso deveria ser imposto pelos governos. E, ao fazê-lo - assim como os custos da reestruturação industrial – não se deveria jogar isso sempre sobre a parte da população mais pobre. Não podemos pensar em reduzir, por exemplo, o consumo de gasolina aumentando os impostos sobre a gasolina: precisamos de políticas sobre a redistribuição dos custos”.
É um pouco como o discurso dos EUA e da Índia: "As emissões de CO2 de um estadunidense correspondem a nove vezes aquelas de um indiano e também a Europa está cinco vezes acima daquelas da Índia. Pede-se à Índia que deixe de usar o carvão, mas se fosse fazer isso imediatamente teria um impacto enorme sobre a economia indiana, que seria menor do que poderia ter, por exemplo, nos EUA. Discordo dos indianos, mas entendo o seu ponto de vista, dizendo que vocês poluíram por um século e meio e agora cabe também a eles fazer o mesmo. Portanto, a questão é esta: é impensável que possa haver um acordo sincero entre economias tão diversas como EUA, China, Índia e Europa sem que exista um acordo econômico enorme sobre a subdivisão dos custos dessa operação. Um acordo que deveria ser mais justo e solidário”.
“Se não for assumido um ponto de vista justo e solidário entre as várias nações - continua Parisi - será extremamente difícil chegar a um acordo sobre o clima. Os interesses locais de cada nação tendem a prevalecer. Por isso, precisamos entrar em outro mecanismo, com uma solidariedade feita de tal forma que os sacrifícios necessários sejam divididos”, explica, argumentando que embora esteja correta a hipótese de 100 bilhões dos países mais ricos aos mais pobres, deveria ser muito mais, porque tal valor não passa de "migalhas" pelo total que poderia realmente servir.
O problema é que a ação deveria ser - junto com um cronograma - imediata. As alterações climáticas, de fato, "continuam independentemente dos nossos problemas políticos e os efeitos tendem a ficar cada vez mais fortes. Nos últimos cinquenta anos houve uma redução de velocidade na Corrente do Golfo: caso parasse, teríamos uma situação trágica para a Europa com uma queda de temperaturas de cinco a oito graus, e colocá-la em movimento novamente seria extremamente complicado. Portanto, é necessário que medidas realmente efetivas e imediatas sejam tomadas para segurar o clima, com compromissos precisos, caso contrário corremos o risco de mitigar um pouco o crescimento da crise, mas simplesmente adiar de alguns anos possíveis catástrofes. Quanto pior a situação, quanto mais o tempo passa, menos tempo temos para desenvolver novas tecnologias e soluções inovadoras para a crise”, comenta o professor.
A convite de Riccardo Luna, respondendo às perguntas dos jovens, o Prêmio Nobel se despede com um conselho direto às gerações mais novas.
“Vocês, jovens, são os mais afetados pelas mudanças climáticas. É preciso conscientização sobre o que está acontecendo, tentar entender, recuperar informações de alta qualidade e tentar convencer adultos, pais, avós, de que é fundamental que o tema das mudanças climáticas entre na política. Quando se vota nas eleições gerais essa questão deverá ser fundamental para a escolha dos cargos. Portanto, vocês devem insistir, insistir, insistir sobre a importância das mudanças climáticas, tentando convencer quem vota e os adultos. As decisões estão nas mãos dos governantes e os jovens devem pressionar para que tratem delas.”
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A lição do Prêmio Nobel Giorgio Parisi: “Não acredito que o planeta esteja em perigo, mas nós estamos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU