09 Novembro 2021
“A Nicarágua merece outro destino, um que não esteja marcado pelo corrompido Ortega, nem por uma oposição teledirigida de Washington”, escreve David Bollero, jornalista, em artigo publicado por Público, 08-11-2021. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Acabam de ser realizadas as eleições na Nicarágua, e é tão condenável a defesa cega que se faz do autoritarismo de Daniel Ortega e Rosario Murillo quanto a referência indiscutível dos Estados Unidos para deslegitimar tais eleições. Em ambos os casos, são espécies de fanatismos que, além disso, retroalimentam-se, pois nem o primeiro é exemplo de democracia e liberdade, nem o segundo tem autoridade para julgar o que ajuda a destruir.
É doloroso ver como uma parte da esquerda não aprende, como continua construindo elefantes brancos intocáveis, absolutamente impermeáveis à crítica por considerar que a mesma abre brechas pelas quais penetrará o neocolonialismo, esse inegável imperialismo perpetrado pelos Estados Unidos na América Latina.
Aconteceu com Fidel Castro e Hugo Chávez, governantes cujas lideranças tiveram muitas luzes, mas também pontos escuros negados por essa esquerda. Alguns pontos escuros que se tornaram um cenário tenebroso nas mãos de seus indignos sucessores, como é o caso de Nicolás Maduro, na Venezuela, que continua sendo blindado porque a alternativa opositora é de uma laia que também não traz nada de bom para a nação.
Defender o regime de Ortega e falar em eleições livres na Nicarágua é prestar um desserviço ao país e à população nicaraguense, que viu como seu sonho sandinista, compartilhado com o próprio Ortega em suas origens, tornou-se um pesadelo.
Ortega traiu tanto o espírito da Frente Sandinista de Libertação Nacional – FSLN que o uso de suas próprias iniciais o definem como o que realmente se tornou: um sátrapa que acabará enriquecendo à custa de seu povo, algo não muito diferente do que fazem outros governantes legitimados pelo padrão de Washington, mas não por isso deve nos fazer perder a referência do que está bom ou não.
Independente do debate sobre o que realmente sua oposição oferece, majoritariamente presa ou exilada, a verdade é que o tandem Ortega-Murillo está muito longe de ser um exemplo de liberdade e democracia, tendo criminalizado os meios de comunicação que querem mostrar uma realidade que, por trás da selvagem repressão e os crimes governamentais cometidos em 2018, mergulhou o país em um pesadelo pós-sandinista.
Não vale a pena lutar contra a ingerência estadunidense às custas, inclusive, do próprio povo. Não é de modo algum justificável defender um modelo que não se aplica a si mesmo ou, para ser mais preciso, mostrar-se como um exemplo anticapitalista, ao mesmo tempo em que se acumula riqueza, perpetuando-se no poder.
E essa mesma oposição à evidente atrocidade histórica cometida pelos Estados Unidos na América Latina - na verdade, no mundo todo - não pode servir de cheque em branco para agir impunemente, como pretende essa parte da esquerda que criticará esse artigo rotulando-o, no melhor dos casos, como equidistante.
Não, não é. Não se trata de equidistância, mas de parar de impermeabilizar o que, como a história nos demonstra, acaba se voltando contra nós. Não é legal, nem digo desculpar, mas até mesmo negar crimes, atropelos a liberdades civis que sangram um país que um dia foi exemplo de luta, justamente, pela liberdade. A Nicarágua merece outro destino, um que não esteja marcado pelo corrompido Ortega, nem por uma oposição teledirigida de Washington.
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Nicarágua. Do sonho ao pesadelo sandinista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU