"Em vista de uma Igreja em saída, as oportunas reflexões e valiosas pistas pastorais em sintonia com a eclesiologia do Concílio Vaticano II oferecidas neste livro por José Antonio Pagola nos ajudaram a aprofundar no ato evangelizador de Jesus características essenciais para uma ver a evangelização em Deus como uma força transformadora", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Anunciar Deus como Boa Notícia (Vozes, 2021, 200 p.).
Como Jesus conseguiu anunciar Deus como Boa Notícia? O que deve acontecer para que o mistério de Deus possa ser experimentado como algo novo e bom? Para José Antônio Pagola - teólogo espanhol, autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia- estas talvez sejam perguntas-chaves para apontar a direção adequada ao nosso ato evangelizador nesta sociedade de hoje. Daí nasceu a proposta do livro: Anunciar Deus como Boa Notícia (Vozes, 2021, 200 p.). As perguntas e preocupações que formam o pano de fundo deste livro são estas: como a Igreja deveria apresentar seu modo de ser e sua forma de agir nestes momentos críticos? Como devemos entender e viver hoje em nossas paróquias e em nossas comunidades cristãs a missão evangelizadora?
Imagem: Capa do livro 'Anunciar Deus como Boa Notícia'
No primeiro capítulo, “Em meio a uma crise sem precedentes” (p. 15-35), Pagola destaca a urgência de se tomar consciência das novas condições a partir das quais a Igreja precisa levar a bom termo hoje sua missão evangelizadora. Sabedores de que não é fácil analisar o que está acontecendo, e tendo em conta as análises sociológicas sobre a sociedade contemporânea ocidental, o autor limita-se a anotar alguns dados básicos necessários para pensar de maneira renovada a missão evangelizadora atual da Igreja. Os observadores que analisam o começo de século XXI nos países submetidos ao processo de modernização coincidem em constatar um fato a religião está em profunda crise. Ignorar estes dados seria fechar os olhos para a realidade e enfrentar o futuro de maneira cega inconsciente e irresponsável. Diante do que está acontecendo, não podemos limitar-nos a espectadores ingênuos. Urge posicionar-nos com ilimitada confiança diante do Deus revelado em Jesus Cristo, e simultaneamente realistas diante da crise que vivemos. É necessário captar a crise religiosa em sua profundidade e gravidade para não agirmos de maneira ingênua na busca de novos caminhos de ação evangelizadora e, no interior desta situação complexa é importante tentar ver para onde a crise religiosa está nos levando nestes momentos.
O segundo capítulo, intitulado “Acolher o mistério de Deus na noite” (p. 37-55), é um convite a reagir. Não podemos permanecer passivos diante de uma crise tão radical. O niilismo moderno, que põe Deus em crise, pode ser ponto de partida para uma experiência mais autêntica do Mistério divino, já que o niilismo expõe nossas falsas imagens de Deus, nossos ídolos e nossas manipulações do divino. Nestes tempos de crise religiosa não podemos limitar-nos a oferecer “a religiosidade do passado” aos que a estão abandonando ou já a abandonaram. Seria um erro desenvolver nestes momentos uma pastoral defensiva, orientada para a “defesa de Deus” com fundamentalismos fanáticos. Pagola ressalta que sem uma verdadeira experiência de Deus não haverá fiéis (p. 38-40), o prioritário agora não é transmitir uma doutrina, pregar uma moral ou sustentar uma prática religiosa, mas tornar possível a experiência originária dos primeiros discípulos, que acolheram o Filho do Deus vivo encarnado e Jesus como caminho de salvação, exigindo-se, por isso, uma nova abertura ao mistério de Deus (p. 40-44), acolhendo a Deus na secularidade do cotidiano (p. 44-47), buscando Deus no crucificado (p. 47-50), e, tirando da cruz os crucificados (p. 51-55). Assim sendo, para o autor num futuro já próximo, sem uma verdadeira experiência de Deus não haverá mais fiéis: o futuro da fé dependerá do cultivo da experiência pessoal de Deus.
No terceiro capítulo “Anunciar Deus a partir de um horizonte novo” (p. 57-75), Pagola apresenta algumas atitudes a serem cultivados hoje entre nós para anunciar a Deus no meio da crise de nossos dias. Dentre elas:
a) a confiança absoluta na ação salvadora de Deus (p. 57-59), uma vez que a fé é sempre fruto da ação de Deus e da acolhida livre das pessoas; fruto do Espírito de Cristo ressuscitado e de seu Evangelho no coração daqueles que o acolhem,
b) a necessidade de promover um novo começo na fé (p. 59-63), não voltando a uma cultura passada para viver a fé a partir de formas, concepções e sensibilidades nascidas, pensadas e configuradas em outra cultura e para outras épocas diferentes da nossa, mas indo adiante, aprendendo a acreditar a partir da sensibilidade, da inteligência e da liberdade dessa nova cultura, fazendo com que o Evangelho possa engendrar uma fé nova em contato com as perguntas, os medos, as aspirações, os sofrimentos e as alegrias de nossos tempos,
c) acolher o Evangelho antes de anunciá-lo (p. 63-65), o mais importante neste momento é a conversão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Naturalmente quando falamos de conversão da Igreja não estamos falando dos outros; estamos falando de nossas comunidades e de nós mesmos que formamos a Igreja e que também necessitamos ouvir com mais fidelidade o Evangelho para que nasça uma fé nova,
d) caminhar com os homens e as mulheres de hoje rumo ao Reino de Deus: (p. 65-68), “caminhando” quer dizer “dando passos”, sem se sentar de maneira definitiva e perpétua sobre nada que seja contingente ou passageiro. Não como mestra que ensina instalada na posse total e absoluta da verdade, mas como discípula que dá passos escutando o que o Espírito de Jesus lhe ensina e cada época histórica. O homem e a mulher moderno/a em crise necessita conhecer uma Igreja que saiba acolher, escutar e acompanhar até a realização do Reino;
e) construindo uma Igreja que seja sinal de salvação para todos (cf. p. 68-71),
f) o cuidado da fé como um caminho de Jesus (p. 71-75), propondo a fé não como dever, mas como convite a viver, propondo a fé não como um sistema religioso, mas como um caminho, propondo o essencial da fé.
No quarto capítulo intitulado, “Experiência de Deus e evangelização” (p. 77-102), o autor articula sua reflexão em três partes. Num primeiro momento (p. 77-86), Pagola diz ser necessário captar a “nostalgia de Deus” que, de forma mais ou menos consciente, parece habitar no coração humano. Para isso destaca algumas características por detrás das quais não é difícil rastrear a necessidade que não poucas homens e mulheres de hoje têm de Deus:
a) pragmatismo devastador: rentabilidade e produtividade (p. 78-79),
b) racionalismo redutor: a fé no poder absoluto da razão (p. 79-80),
c) degradação da vida interior (p. 80-82),
d) a submissão à sociedade (p. 82-84),
e) a crise da esperança (p. 84-85),
f) a necessidade da salvação (p. 85-86).
Num segundo momento, o autor chama a pobreza espiritual de nossa ação evangelizadora (p. 87-93), apresentando algumas deficiências básicas que impedem hoje uma evangelização capaz de comunicar e contagiar a Boa Notícia de Deus manifesta em Jesus:
a) a ausência de comunicação viva com Jesus o Cristo (p. 87-88),
b) uma pastoral sem interioridade (p. 89-91),
c) a sustentação da mediocridade espiritual (p. 91-92),
d) o risco da deformação pastoral (p. 92-93).
Na última parte, Pagola apresenta o ato evangelizador como uma comunicação da experiência salvífica de Deus em Jesus Cristo (p. 93-102), ou seja a nova evangelização só poderá comunicar a Boa Notícia de um Deus salvador e amigo se for capaz de atualizar para os nossos dias a experiência fontal e originária que o cristianismo das origens viveu. A evangelização é a atualização da experiência original cristã (p. 94-98), para isso, Pagola destaca dois elementos importantes da experiência cristã:
a) a experiência de um Deus amigo e salvador (p. 98-110),
b) a mística do Reino de Deus oferecido aos pobres (p. 100-101).
No quinto capítulo, “Viver e comunicar a experiência de um Deus amigo” (p. 103-129), Pagola parte da constatação que os relatos evangélicos sublinham que a ação de Jesus é inteiramente animada e dinamizada pelo amor e pela amizade, ou seja, toda a atuação de Jesus é marcada pelo signo da amizade. Tudo é inspirado, guiado e unificado por sua atitude amigável em seus relacionamentos pessoais. (cf. p. 104-108). Em segundo lugar, o autor, destaca que essa amizade de Jesus simboliza a encarnação do carinho e da amizade de Deus para com todas as suas criaturas. Em Jesus Cristo, a relação entre Deus e os homens é definida e configurada pelo amor, sendo por isso um dado fundamental para captar o núcleo da experiência cristã, podendo-se afirmar que toda a vida cristã consiste em viver sob o signo do amor amigável, receptivo diante de Deus e para com Deus (cf. p. 108-112). Num terceiro momento, Pagola destaca quais são os elementos da vida cristã sob o signo da amizade:
a) saber-nos amados (p. 113-115),
b) o saber-se amado leva a viver a adesão a Cristo como experiência amigável (p. 115-116),
c) a recuperação da via afetiva/ a importância do afeto (p. 116-118).
O autor esclarecendo que o caminho concreto para avançar até Deus pela via afetiva é a oração amiga, isto é a oração que se baseia no encontro pessoal com Deus vivo como um ato de cuidar da amizade (p. 118-121). Por fim, Pagola destaca que a amizade com deus vivida no fundo do coração se irradia, se estende e dá frutos de vida amistosa no meio do mundo (p. 121-129).
No sexto capítulo, “Testemunhas do Deus da vida” (p. 131-161), Pagola chama a atenção para a necessidade urgente de testemunhas na Igreja de hoje. Dai decorrem algumas perguntas: quem é a testemunha do mistério de Deus? O que vive essa testemunha? O que é decisivo em sua experiência? O que comunica? Como o faz? Como se situa no meio dessa sociedade tão indiferente e incrédula? Diante disso, o autor, antes de entrar na experiência nuclear da testemunha apresenta algumas características e atitudes de quem pretende viver a partir da experiência de um Deus amigo do ser humano e ciente de ser chamado a ser sua testemunha:
a) a testemunha vive a realidade de hoje (p. 132-133),
b) na simpatia com as vítimas da descrença (p. 133-134),
c) a convicção de que a vida está em boas mãos (p. 135),
d) a busca de fidelidade a Deus convertendo-se a si mesma (p. 135-136).
Em seguida, o autor esclarece que não existe testemunha se não houver comunicadores de um encontro vivo com Deus revelado em Jesus, e a irradiação de um encontro (p. 136-143). Esclarece, ainda que a única coisa que a testemunha pode fazer é sugerir, indicar, atrair, convidar a outros para que façam a mesma experiência. Assim sendo, Pagola sugere um estilo de vida de uma verdadeira testemunha: o fiel, apaixonado por Deus, não apenas crê, ele quer crer, gosta de crer, sente-se em crendo, pois experimenta Deus como fonte de vida. O que o fiel apresenta, pois, como testemunho de Deus, é a vida. Não somente apresenta sua vida, ela o faz comunicando-a. Essa forma de viver e de gerar vida pode despertar interesse e tornar mais crível a fé, pois Deus começa a interessar à medida que se intui que Ele responde aos anseios do coração humano (p. 136-149).
Por isso, o autor esclarece que não devemos confundir a testemunha autêntica com a testemunha espetacular, uma vez que a verdadeira testemunha não é uma vedete. A partir da sua fraqueza a verdadeira testemunha se alegra e sua experiência e não se deixa levar por falsos aplausos, pois a verdadeira humidade e fragilidade da testemunha é também consequência, sem dúvida, do fato que Deus é Mistério (p. 149-152). Evidentemente, segundo Pagola, a palavra mais importante da testemunha de Deus e sua própria vida, entretanto, nem por isso ela renuncia a falara de Deus, tampouco deixa de dialogar com Ele. Com que palavra, com que linguagem podemos falar de Deus e com Deus? A linguagem da testemunha é a humildade. Uma linguagem que toque as pessoas, sintonize com a experiência real delas, alcance o ser humano naquilo que é vital para ele, nascendo daí o desafio de uma linguagem diferente sobre Deus (p. 152-156).
As considerações finais deste capítulo esclarecem qual deverá ser o papel da testemunha em meio da descrença:
a) aprender dos descrentes,
b) levar a sério a postura do outro, do diferente, do afastado,
c) o espírito do diálogo (p. 156-161).
No sétimo capítulo, intitulado “Recuperar a espiritualidade de Jesus” (p. 163-193), Pagola sublinha a importância de cultivar uma espiritualidade enraizada em Jesus. Num primeiro momento são apresentadas algumas características da cultura moderna para descrever o perfil do ser humano ruidoso e superficial:
a) explosão das mídias e a comunicação da informática (p. 163-165),
b) hipersolicitação e sedução permanente (p. 165-166),
c) o império do efêmero (p. 166-168),
d) a fuga para ruído (p. 168-169).
Em relação ao perfil da pessoa privada de silêncio e profundidade, Pagola destaca:
a) sem interioridade (p. 170),
b) sem núcleo unificador (p. 170-171),
c) alienado (p. 171),
d) confuso interiormente (p. 171-172),
e) incapacitado para o encontro (p. 172).
O autor salienta que o barulho e a superficialidade dificultam e até impedem a abertura à transcendência, e sem essa abertura já não existe mais verdadeira fé nem religião, embora ambas pareçam existir (cf. p. 173-176). Diante disso, Pagola tece reflexões sobre o silêncio como caminho para Deus:
a) o silêncio atraído por Deus (p. 177-178),
b) o silêncio que cura a pessoa (p. 179-180),
c) o silêncio para escutar o irmão (p. 180).
Conclui, sublinhando a importância do cultivo da espiritualidade de Jesus que ajudam a discernir o itinerário espiritual que seus discípulos devem seguir:
a) a experiência de um Deus Pai,
b) a espiritualidade centrada no projeto do Reino de Deus,
c) do Reino que está próximo, e, por isso, a exigência da conversão,
d) espiritualidade ao serviço de uma vida mais humana,
e) uma espiritualidade incentivada pela compaixão,
f) uma espiritualidade que olhe para os que sofrem (cf. p. 180-193).
Anunciar Deus hoje como Boa Notícia. A crise de Deus está exigindo uma reação implacável, mudanças decisivas de nossa ação evangelizadora. Eis a oportunidade, o desafio e a responsabilidade: evangelizar espalhando a Boa-nova de Jesus como algo que toca o âmago das pessoas; traz luz, significado e um horizonte novo para a existência humana, gera dignidade, liberdade e conforto, desperta comunhão, amizade e uma convivência mais fraterna.
Em vista de uma Igreja em saída, as oportunas reflexões e valiosas pistas pastorais em sintonia com a eclesiologia do Concílio Vaticano II oferecidas neste livro por José Antonio Pagola nos ajudaram a aprofundar no ato evangelizador de Jesus características essenciais para uma ver a evangelização em Deus como uma força transformadora. Antes de tudo descobrindo e experimentando Deus em sua bondade e em sua proximidade. Uma surpresa de bondade que preenche a todos.
Na leitura destas páginas descobriremos que a crise da fé pode ser uma ocasião para purificá-la e fazê-la crescer, mas antes de tudo tomaremos consciência de que para anunciar o Evangelho aos que abandonaram a fé, precisamos nós mesmos acolher por primeiro essa Boa Noticia de Deus.