29 Abril 2021
"A espiritualidade adolescente em tempos do coronavírus é forjada com qualquer material e instrumento, do lado de cá e de lá da tela, na invenção e na tradição, no drama e na alegria. Cada adolescente acrescenta sua própria trajetória àquela coletiva de uma geração de jovens colocados à prova", escreve Sergio Ventura, em artigo publicado por la Lettura, 25-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foi batizada em janeiro. Ilaria Grieco, 15, agora é Testemunha de Jeová. Cumprindo as precauções antipandêmicas, a cerimônia aconteceu em uma casa particular com piscina no norte de Roma, com a congregação conectada online. Ilaria conta a "la Lettura" de sua alegria: "Graças a Jeová e à amizade que cultivo com ele, sempre tenho um amigo pronto para me ajudar". A jovem romana partilha com os seus pares o desafio do isolamento, “passamos mais tempo trancados no quarto do que com a nossa família, estamos mais fechados em nós mesmos”, e a escolha de Ilaria faz ainda mais sentido neste momento: “Em Jeová, sempre se tem um amigo pronto para ajudar, mesmo quando você se sentir sozinho. Alguém que ajuda a tomar as decisões certas, a não fazer bobagens que muitos fazem”.
Por ser tão igual e tão diferente de outros adolescentes, Ilaria representa uma geração às voltas com velhas e novas formas de espiritualidade, que estudiosos religiosos e os próprios operadores religiosos têm dificuldades para entender e descrever. Os efeitos ainda incertos da pandemia aumentam os questionamentos e as preocupações. O padre Luca Ramello, responsável pela pastoral juvenil da diocese de Turim, fala da solidão e da dor dos adolescentes isolados pela pandemia e muitas vezes atingidos pela morte de parentes. O sofrimento aumenta o risco de uma busca de si que se resolve, como nos conta Dom Luca, "no retraimento, na acídia social, no cansaço, na apatia". Nos garotos e garotas que desafiam os novos evangelizadores não há mais uma oposição radical ao religioso, pelo contrário, há uma espécie de "virgindade" que pode representar um "terreno fecundo" para o apostolado, especialmente porque os novos adolescentes, testemunha Don Luca, têm "as antenas retas" e são sensíveis ao testemunho.
Em tempos de Covid, porém, a ausência de uma família para acompanhá-los, a impossibilidade de os jovens se encontrarem, o crescente analfabetismo religioso, a saturação do ensino à distância tiveram um efeito particularmente negativo. Nas atividades da Igreja propostas online, continua Dom Luca, verificou-se um "colapso devastador" na participação de menores de 19 anos. Como resultado da pandemia, o itinerário do passado parece se inverter e agudizar. Já desde a pré-adolescência verifica-se uma ruptura com os hábitos religiosos que há poucos anos ocorria mais tarde e, por outro lado, o retorno do interesse pela espiritualidade já ocorre entre os jovens de vinte anos. O estudioso Valerio Corradi, da Universidade Católica de Brescia fala a esse respeito de um comportamento em "U", onde a descida do interesse religioso é cada vez mais antecipada e onde a curva começa a subir após os 18 anos. Os abalos da pandemia atingem um mundo adolescente já em forte turbulência. Em um dossiê de 2015 da revista "Note di pastorale giovanile", o próprio Corradi falava de religiosidade em caminho "para um novo paradigma" imposto pela "fluidez de crenças" e usou um código QR como símbolo da "experiência religiosa dos jovens". O livro editado por Rita Bichi e Paola Bignardi foi lançado no mesmo ano pela editora Vita e Pensiero, em que a figura da relação entre os jovens e a fé na Itália é percebida na criatividade individual dos percursos. Daí o título: Deus à minha maneira.
Em 2016 o sociólogo Franco Garelli foi mais longe e questionou se aqueles percursos que o mundo católico olha com esperança não seriam inexoravelmente destinados ao ateísmo. No livro publicado pela Mulino, Garelli lança o desafio no título Pequenos ateus crescem e depois questiona aquele aparente destino no subtítulo Realmente uma geração sem Deus?. Nas conclusões do livro, o sociólogo de Turin identifica o desafio crucial justamente em uma espiritualidade juvenil que "parece ser uma espécie de ‘zona intermediária’ entre os que não acreditam e os que acreditam, entre aqueles que negam Deus ou são indiferentes à religião e aqueles que, ao invés, se reconhecem em uma realidade transcendente”. “Para alguns - esclarece Garelli - a espiritualidade pode ser o lugar onde se procura o sentido imanente de uma vida que reconhece a presença do mistério humano; para outros, pode ser um convite para viver uma fé religiosa humanamente fecunda, cuja harmonia terrena seria um sinal da riqueza de uma perspectiva transcendente”.
Apenas 5 anos após o lançamento do livro de Garelli, e em virtude daquele acelerador de mudança que é a pandemia, os novos adolescentes parecem ir ainda mais longe em sua experimentação espiritual. Eles agora obtêm recursos inéditos da composição multicultural e multirreligiosa da sociedade italiana, onde seus pares convivem não apenas com origens religiosas diferentes, mas, acima de tudo, com distinto estilo de vida religioso ou não religioso. Pode assim acontecer que entre os protestantes do Trivêneto se misturem os filhos das comunidades históricas valdenses e metodistas e os filhos da imigração ganense, e que as paróquias católicas do Piemonte atraiam muitos jovens muçulmanos, até mais de 10% dos que frequentam as escolas dominicais. Como pode acontecer que para tantas adolescentes muçulmanas as videoaulas do Alcorão no sábado à noite reúnam amigas da mesquita de quem sentem ainda mais falta agora, com um ramadã em lockdown, e como pode acontecer que para as mesmas garotas a escuta dos BTS crie laços com esses pares não-muçulmanos que nunca falam de Deus e ainda assim, como elas, precisam de uma banda coreana para tranquilizá-los, porque a pandemia vai acabar.
Assim, as peças de um quebra-cabeça se acumulam, cujo desenho foge aos adultos. Para adolescentes atordoados e entupidos de antidepressivos, o slogan "escuto a trap e experimentei a codeína" pode levar aos antípodas. Por um lado, pode-se abrir o caminho de uma espiritualidade profunda, de leitura e de escuta, de mestres e comunidades. Porém, por outro lado, o caminho para o consumo narcisista também pode se descortinar, vestindo uma jaqueta jeans com a imagem de um santo que não interessa, ou para a manipulação dessacralizante, Deus proteja meus irmãos que estão no tráfico nas ruas. Não há norma no laboratório espiritual do adolescente, não há padrão, nem mesmo maiorias e minorias. O batismo de Ilaria em Jeová não é mais exceção do que cada mudança na vida de seus pares de idade ou psicológicos de uma adolescência cada vez mais precoce e cada vez mais prolongada.
Nenhuma categoria de cientistas sociais e nenhum otimismo ou pessimismo de pastores podem efetivamente simplificar a riqueza do laboratório. Isso também se aplica a adultos, pais, professores, animadores, guias espirituais, influenciadores como Chiara Ferragni retratada como Virgem Maria e Dom Alberto Ravagnani do Doncast, o podcast do padre youtuber, ou educadores de roteiro, como as 5 freiras oblatas do Menino Jesus na documentário-reality Ti spedisco in convento (Te mando para o convento) que acolhem 5 garotas "transgressoras", contrafiguras de uma geração aniquilada pelo álcool, sexo, dinheiro e redes sociais. Longe de tudo isso, embora longe de estar ausente da mídia, a mãe católica Sarah Aquino usa outro registro para suas saudações no Facebook ao décimo filho "oficialmente adolescente" no dia de seu 14 aniversário: "Feliz aniversário, filho maravilhoso. Seja qual for a borboleta em que você se tornar no final da metamorfose, conserve o coração amoroso, o olhar tímido e o sorriso malicioso de hoje. Mas faça um favor, seja bom conosco (ou pelo menos tente): já somos velhos demais para sobreviver à turbulência de mais uma adolescência desenfreada. Deus o abençoe".
A espiritualidade adolescente em tempos do coronavírus é forjada com qualquer material e instrumento, do lado de cá e de lá da tela, na invenção e na tradição, no drama e na alegria. Cada adolescente acrescenta sua própria trajetória àquela coletiva de uma geração de jovens colocados à prova. Tão longe e tão perto de seus pares, a nova Testemunha de Jeová Ilaria decidiu viver assim, este tempo: com um batismo desejado e celebrado agora, aos 15 anos, em meio à pandemia; com a que ela própria define como “a melhor escolha da minha vida”.
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Filhos de um Deus menor de idade. A espiritualidade é do tipo “faça você mesmo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU