31 Março 2020
“Nosso primeiro desejo nestes momentos dolorosos para toda a humanidade é que o teu nome de Pai seja reconhecido e respeitado. Que ninguém o despreze, prejudicando os teus filhos e filhas.”
O artigo é do teólogo e padre espanhol José Antonio Pagola, em artigo publicado em Settimana News, 29-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A oração do Pai-Nosso é uma oração curta. A única que Jesus deixou de herança aos seus discípulos. É uma oração estranha. Todos os cristãos a rezam, mas ela não fala de Cristo. Ela é rezada em todas as igrejas, mas nenhuma igreja é mencionada. Os católicos a proferem na missa dominical, mas ela não diz nada sobre nenhuma religião.
Como diz J. D. Crossan, é “uma oração revolucionária que proclama uma nova visão da história. Trata-se de um manifesto radical e de um hino de esperança em uma linguagem dirigida a toda a terra”.
Tu és nosso Pai, e isso lembra que somos todos teus filhos e filhas. Estás no céu, porque és de todos. Não estás ligado a nenhum templo nem a algum lugar sagrado da terra.
Não pertences a um povo nem a uma raça privilegiada. Não é propriedade de nenhuma religião. Não és só dos bons. Todos podemos te invocar como Pai.
É o nosso primeiro desejo nestes momentos dolorosos para toda a humanidade. Que o teu nome de Pai seja reconhecido e respeitado. Que ninguém o despreze, prejudicando os teus filhos e filhas.
Que não percamos a nossa confiança em ti. Que sejam expulsos os nomes de todos os deuses e ídolos que nos desumanizam. O dinheiro que nos divide e não nos permite ser irmãos, a violência que alimenta as nossas guerras, o poder que nos leva a desprezar os fracos.
Se tu reinares entre nós, a justiça, a igualdade e a paz reinarão na terra. Poderemos enfrentar juntos os problemas do planeta. Unidos como irmãos e irmãs, venceremos as pandemias que podem afligir a humanidade.
Que os ricos não reinem sobre os pobres; que os povos poderosos não abusem dos fracos; que os homens não dominem sobre as mulheres. Venha o teu reino e reine sobre a terra a fraternidade.
Que seja feita a tua vontade, e não a nossa. O coronavírus nos faz descobrir que, na terra, tudo está incompleto, vivemos tudo pela metade. Não queremos aprender que nós, seres humanos, somos frágeis e vulneráveis, que não podemos alcançar aqui a plenitude à qual, do fundo do nosso ser, todos nós ansiamos.
Pai, só podemos confiar na tua bondade insondável. Então, que não seja feito o que nós queremos, movidos pelo egoísmo, pelo consumismo e pelo nosso bem-estar. Seja feito o que tu queres, porque sempre buscarás o bem de todos.
Que nestes momentos tão duros para toda a humanidade a ninguém falte o pão. Não te pedimos dinheiro, não queremos riquezas para acumular, mas sim o pão cotidiano para todos.
Que esta pandemia do coronavírus nos recorde para sempre que a primeira coisa de tudo é a vida: que os famintos possam comer; que os pobres parem de chorar; que os migrantes e os refugiados sejam acolhidos por nós, para que possam sobreviver e ter uma casa.
Pai, perdoa as nossas ofensas: a nossa indiferença, a nossa incredulidade, a nossa resistência em confiar em ti. Ao longo destes anos, mudamos muito por dentro. Nós nos tornamos mais críticos, mas também menos consistentes. Mais indiferentes a tudo o que não seja o nosso bem-estar, mas mais vulneráveis do que nunca diante de qualquer crise.
Não nos é fácil crer, mas também nos é difícil não crer em nada. Queremos viver esta dura experiência como irmãos e irmãs.
Nestes momentos em que vivemos assustados, descobrindo a impotência que todos sentimos diante deste limite inevitável da morte, também nós queremos nos perdoar reciprocamente, uns aos outros.
Não queremos alimentar nem rejeições nem ressentimentos contra ninguém. Queremos viver esta dura experiência como irmãos e irmãs.
Somos fracos e limitados. Estamos experimentando isso agora mais do que nunca. Estamos sempre expostos a tomar decisões e a cometer erros que podem arruinar a nossa vida e a dos outros. Por isso, não nos deixes cair na tentação de te esquecer e de te rejeitar, Pai. Desperta em nós a confiança na tua bondade.
Precisamos de ti mais do que nunca. Tu podes abrir estradas para nos encontrar em cada um de nós: crentes e não crentes, ateus ou agnósticos. Que todos possamos sentir a força silenciosa, mas eficaz, no nosso íntimo.
Somos responsáveis pelos nossos erros, mas também vítimas. O mal e a injustiça não estão apenas nas nossas pessoas. Estão também nas estruturas e nas instituições, nas políticas e nas religiões. Por isso, terminamos a nossa oração com um grito: Pai, livra-nos do mal! Um dia, esta felicidade plena, à qual todos ansiamos, se tornará realidade.
As horas alegres e felizes que desfrutamos na terra e também as experiências amargas e dolorosas que vivemos; o amor, a justiça e a solidariedade que semeamos; e também os erros e as obtusidades que cometemos... Tudo será transformado na felicidade plena.
Não haverá nem morte nem dor. Ninguém ficará triste, ninguém precisará chorar. Um texto cristão, escrito em uma das primeiras comunidades, coloca na boca de Deus estas palavras: “Para quem tiver sede, eu darei gratuitamente da fonte” (Ap 21,6). “Gratuitamente”, isto é, não pelos nossos méritos; “para quem tiver sede da vida”, e quem não tem sede da vida eterna?
Cada um deve decidir como quer viver e como quer morrer. Eu creio e confio que o mistério último da realidade, que alguns de nós chamamos “Deus”, outros “Energia”, outros “Transcendente” e outros “nada”, é um Mistério de Bondade, no qual todos encontraremos a Plenitude da nossa existência.
Amém.
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“Pai Nosso”... também hoje. Artigo de José Antonio Pagola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU