12 Abril 2021
Em seu blog Come Se Non, 09-04-2021, o teólogo italiano Andrea Grillo escreve que “o artigo de Massimo Recalcati sobre a Páscoa e a reação de Marco Cassuto Morselli e Massimo Giuliani [disponível em italiano aqui] merecem uma retomada pacata e ampla”.
“Aqui – afirma o teólogo – gostaria apenas de levantar muito brevemente uma questão que mereceria uma ampla discussão, que não diz respeito apenas à compreensão da Páscoa, mas também à própria ideia de teologia, de revelação e de vida eclesial.
“Sobre tudo isso – continua Grillo – é necessário um diálogo aberto e sincero, que pode ser enriquecido pelas diversas abordagens que as disciplinas individuais e os autores individuais podem oferecer. Acredito que é possível escrever coisas úteis e construtivas sobre esses dois textos.
Segundo o teólogo, “aprender a ouvir a fundo a linguagem do outro é uma parte decisiva da própria ‘entrega pascal’. E é um desejo que pede muito senso de dever e, ao mesmo tempo, é um dever com o qual o desejo custa a estar no mesmo passo”.
Grillo é teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, despedimo-nos de Hans Küng, grande teólogo católico, e hoje, 9 de abril, comemoramos o aniversário da morte de Dietrich Bonhoeffer, grande teólogo luterano.
Tanto o primeiro quanto o segundo se moveram na tradição cristã com uma profunda demanda de “tradução”, de atualização, de repensamento. Eles se perguntaram: de que modo podemos “dar a palavra” à Palavra?
Nessa tarefa, que é totalmente qualificadora para o trabalho do teólogo, eles se confrontaram a fundo com as duas grandes “escolas” que o cristianismo elaborou no contexto moderno: de um lado, a grande tradição da “teologia liberal” e, de outro, a “teologia da revelação”.
Não é por acaso que tanto em Küng quanto em Bonhoeffer há um “convidado de pedra”: ou seja, Karl Barth. Küng foi ganhando experiência no cotejo com Barth, enquanto Bonhoeffer teve Barth como interlocutor constante, ora em aliança, ora em conflito.
A reivindicação “revelada” que Barth fez valor ao longo do século XX – quase como um “convertido”, depois de ter sido, ele mesmo, profundamente liberal – produziu não apenas uma “crítica ao liberalismo”, mas também, especialmente do outro lado do oceano, um “pós-liberalismo”.
E a pergunta terrível, que Bonhoeffer formulou no início de 1943, sobre “quem permanece firme?” – o homem da razão? O homem do sentimento? O homem da vontade? – nos ajuda a compreender o que está em jogo:
“Quem permanece firme? Somente quem não tem como critério último a própria razão, o próprio princípio, a própria consciência, a própria liberdade, a própria virtude, mas que está pronto para sacrificar tudo isso ao ser chamado para a ação obediente e responsável, na fé e no vínculo exclusivo a Deus; o homem responsável, cuja vida não quer ser nada mais do que uma resposta à pergunta e ao chamado a Deus. Onde estão esses homens responsáveis?”
Esse texto de Bonhoeffer mostra muito bem também os limites da própria recepção que oferecemos de Bonhoeffer: este pode ser realmente um pensador “da secularização”? O próprio Küng, que estudou a justificação, que refletiu sobre a “infalibilidade”, sobre Deus e sobre a Igreja, que visou a uma “ética mundial”, deixa-se compreender com uma abordagem simplesmente “liberal”?
É nesse horizonte que gostaria de colocar a questão levantada por Marco Morselli e por Massimo Giuliani no texto “A Páscoa de Recalcati”, com o qual criticaram duramente o artigo de Recalcati publicado no jornal La Repubblica no dia 3 de abril, intitulado “Páscoa, a vida além da lei”.
Proponho-me a examinar alguns aspectos do discurso de Recalcati, tentando compreendê-lo dentro da história de uma hermenêutica liberal da tradição cristã, à qual ele me parece pertencer indiretamente.
Obviamente, é preciso considerar que Recalcati não é um teólogo e propõe, com toda a legitimidade, uma interpretação que assume apenas alguns aspectos da tradição pascal: por exemplo, ele concentra a Páscoa apenas na ressurreição, deixando de fora a paixão e a morte. Mas é precisamente esse gesto hermenêutico sintético e inevitavelmente redutor que desperta interesse e questionamentos.
As passagens do texto de Recalcati são claras: a Páscoa de ressurreição é um evento não fechado no passado, mas que depende de quem adere a ele na fé. Daí aquela que Recalcati chama de “tese” de Jesus:
“A vida é mais viva do que a morte, é o que dá morte à morte, é o que permite sair das trevas do sepulcro e recomeçar.”
Tendo assumido que a pregação de Jesus se concentra nessa tese, Recalcati deduz daí duas consequências muito importantes: de um lado, a qualidade “extramoral” do anúncio e, de outro, a subversão da relação com a Lei. Eis as suas palavras:
“É a linha extramoral que atravessa a palavra de Jesus, enquanto o juízo moral define a vida justa como aquela que se adequou à vontade da Lei, e a vida que cai no pecado como aquela que vive contra a Lei. Pois bem, Jesus subverteu esse critério de juízo com decisão: a vida justa é a vida viva, é a vida que deseja a vida e que sabe gerar frutos. Daí o repensamento radical da noção deuteronômica da Lei.”
Essa argumentação sintética abre à segunda parte do texto, em que Recalcati define essa “sublevação” como a identificação da Lei da Boa Nova com o desejo. Daí uma série de consequências inevitáveis: a negação do sacrifício como negação do desejo, porque o dever do desejo não suporta nenhuma negação. O único dever é o desejo, e todo dever parece masoquismo. A “dissociação” entre Lei e Graça seria o coração da ressurreição. E, também no juízo final, salva-se “a vida que soube estar viva”, que é identificada nos “mais frágeis”, ou seja, aqueles que sabem manter uma amizade, e não uma rejeição pela falta.
Como bem disse Aristóteles, para compreender, é preciso reduzir. Todo ato de inteligência é uma “recondução” ad unum. Recalcati não é o primeiro a utilizar com grande força o conceito de “vida” para compreender o Evangelho. Que a “vida em plenitude”, que “ter a vida” é “vida viva”, “vida de desejo”, porém, é pouco demais. Se toda “lei” é superada pela vida do desejo, o risco é de que falte toda alteridade, toda correspondência, todo confronto.
Como Michel Henry havia tentado provar com maestria nas suas grandes obras dedicadas ao Evangelho de João, o resultado de uma fenomenologia da vida corre o risco de permanecer totalmente privado de fenômenos. Até Jesus, nessa ressurreição, permanece sozinho. Ele não precisa nem de um Pai cuja vontade deve fazer, nem de um Espírito em relação ao qual pode se despedir, doando-o e confiando a ele a custódia do dom. Esse Jesus parece sem Pai, sem Espírito e sem Igreja.
Um ponto me parece muito sério: a insistência na “qualidade extramoral” do evento pascal, a partir da qual, porém, não se deveria chegar a uma espécie de volatilização do outro. O outro é sempre decisivo e não é apenas “alienação”. Existe um outro “mais externo ao meu extremo”, e existe um outro “mais interno do que o meu íntimo”.
Talvez seja aí também que Recalcati queira nos levar. Para honrar aquela alteridade que não está simplesmente em uma exterioridade institucional e legal, mas também em uma interioridade correlata e não dominável. Também no desejo fala um outro de si mesmo. Isso seria precioso se não se tornasse evanescente, correndo o risco de uma espécie de “autorreferencialidade do desejo”.
Esta breve releitura pode ajudar a esclarecer algumas coisas. Por um lado, existe o problema de uma “leitura laica” da Páscoa como leitura redutora dos “dados”. O evento pascal não é simplesmente “vida que vence a morte”, mas também pôr a vida em jogo, até a sua perda. Ele tem uma relação não linear com o desejo. O dever do desejo não pode ser estranho ao desejo do dever, como cumprimento de si somente em, para e com um outro.
Essa superação do sacrifício, da Lei e da moral não é uma abolição, mas uma releitura e um cumprimento. A lei e a moral são estruturas insuperáveis do desejo. Caso contrário, a negação do sacrifício se torna facilmente, mesmo que imperceptivelmente, negação do outro. E é essa “não relevância do outro”, essa possível “contumácia do outro” que moveu a clara reação do texto de Morselli-Giuliani. Porque, para além do tom afiado e até mesmo duro, eu senti, nas palavras deles, a mesma força e o mesmo escândalo com que Barth, talvez até injustamente, mostrava como em Bultmann, mas também em Schleiermacher, havia não apenas a “conciliação” e a “mediação” entre Evangelho e mundo, mas também a redução do Evangelho ao mundo.
A fé, sob cuja luz a ressurreição aparece como evento, é um evento extramoral. Ai se nos esquecermos disso! E Recalcati lembra isso com justiça. Mas, precisamente por isso, ele precisa do sábado e do sacrifício, ou seja, de um tempo cumprido e de um outro irredutível. Não para se institucionalizar, mas para não se esvaziar.
Aqui, parece-me, a polaridade entre graça e lei não é superada, mas se aprofunda. Negar o desejo é desumano, e reduzi-lo à Lei é ilusório. Mas é igualmente desumano negar a Lei, reduzindo-a a desejo.
Estou convencido de que, sobre isso, uma tradição fenomenológica e psicanalítica, e uma tradição judaico-cristã podem estar muito mais próximas do que pareceu a partir desse debate acalorado. Não aceleremos os tempos, nem dos nossos diálogos, nem das nossas profissões de fé.
O Ressuscitado é o fim dos tempos: mas, na distensão temporal, o outro tem uma consistência irredutível. Permanece intimior intimo meo e exterior extremo meo.
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A Páscoa em Recalcati e a tradição judaico-cristã: uma questão séria. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU