08 Abril 2021
“Este ano nos ensinou de uma forma sem precedentes o que significa esperar pela ressurreição da carne. Suspeito que mesmo depois que a covid-19 fique para trás na memória – Deus apresse esse dia – não esqueceremos tão cedo a alegria da ressurreição. Talvez a lembrança disso nos torne mais pacientes com a carne dos outros. Talvez nos dê mais compaixão por nossa própria carne também”, escreve Roberto J. De La Noval, doutorando em Teologia na Universidade de Notre Dame, em artigo publicado por Commonweal, 03-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Um novo humor permeia todas as conversas socialmente distantes, agora que a vacinação contra a covid-19 nos EUA está em andamento. E, eu talvez acrescentaria, o atraso na distribuição não foi nada para diminuir esse humor. Apesar das falhas morais e logísticas do programa de vacinação do nosso país, é inegável que a esperança entrou em cena de uma nova e palpável maneira. Aí se enxerga um fim ao pesadelo; essa é a razão suficiente para a alegria. Essa é a alegria da ressurreição, de nova carne para a humanidade.
Nós antecipamos um retorno à vida como nós a conhecíamos, a comunhão com o outro de variadas formas. Nós aguardamos ansiosamente o retorno do velho e alegre alvoroço, restaurantes e bares e cafés cheios, com conversas e barulho. Também esperamos o que não podemos esperar: aqueles encontros casuais que constituem a emoção do dia a dia. A totalidade da comunidade humana – que deve incluir aqueles rostos sem nome, aqueles mistérios passageiros que existem no fundo de nossas rotinas cotidianas – está a apenas alguns meses, não anos, de distância. Em breve, serei capaz de sorrir para um estranho com mais do que apenas meus olhos.
“A paz esteja convosco”, disse o Cristo ressuscitado a seus discípulos, quando apareceu no meio deles, atrás de portas que eles haviam fechado com medo. Dizer as mesmas palavras um para o outro, em um domingo comum, significaria ressurreição; cantar um com o outro ainda mais. Alguns domingos atrás, o celebrante na missa anunciou que as restrições ao canto público haviam sido relaxadas e as pessoas deveriam mais uma vez se juntar aos cantos das partes principais da missa. Quase ninguém o fez. O medo sufocou demais o santuário, e ansiamos por ouvir as palavras: “Não tenham medo”, para que então nós possamos revestir a carne sacramental de Cristo, exposta e presente entre nós, com um traje adequado de louvor.
O coronavírus quebrou o ritmo de nossos relógios sociais, interrompendo a mais humana das atividades: marcar o tempo com rituais e celebrações. Alguns dos místicos entre nós relatam que vivem em um “agora eterno” desde o início da pandemia. Mas para aqueles de nós que ainda não alcançaram essa altura espiritual, a recorrência do mesmo, repetidas vezes, tornou cada dia um limbo inevitável. Tanto nossos calendários seculares quanto religiosos nos lembram que o tempo não foi feito para ser vazio e sem direção, que em vez disso, deve pulsar com uma melodia em espiral em direção ao futuro. A pandemia abafou essa música. Em breve poderemos ouvi-la novamente.
Muitos de nós passamos o Dia de Ação de Graças e o Natal sozinhos, interagindo com amigos e familiares apenas por meio de uma tela. E nós tivemos sorte: centenas de milhares de estadunidenses morreram quando as férias chegaram. Por causa da alta transmissibilidade do vírus, seus entes queridos foram impedidos de viver o luto na proximidade física do falecido. Ainda assim, esperamos que, depois de apenas mais alguns meses, nossas lágrimas reprimidas possam fluir novamente, à medida que os membros da família se reúnam em segurança para se abraçarem e homenagearem seus amados que morreram.
Este ano nos ensinou de uma forma sem precedentes o que significa esperar pela ressurreição da carne. “Em minha carne verei a Deus”, proclamou Jó de seu próprio isolamento e dor; e assim foi que em carne humana Deus foi visto, reaparecendo no corpo após o horror da crucificação e desaparição. A doutrina cristã da Ressurreição – tão repugnante para as sensibilidades gregas quando São Paulo a pregou pela primeira vez no Areópago – tornou-se muito compreensível após o trauma coletivo que sofremos: é claro que Cristo voltou para seus amigos e sua mãe em sua carne, porém transfigurado; é claro que duvidar que Tomé quisesse sentir seu caminho para a Ressurreição. “Eu toco, logo existo” será nosso novo refrão quando formos finalmente levantados da cova.
Suspeito que mesmo depois que a covid-19 fique para trás na memória – Deus apresse esse dia – não esqueceremos tão cedo a alegria da ressurreição. Talvez a lembrança disso nos torne mais pacientes com a carne dos outros. Talvez nos dê mais compaixão por nossa própria carne também. E talvez possamos compreender mais intimamente o porquê de a carne ser nosso destino eterno e o porquê de Deus a tornar sua para sempre.
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Do que nós estávamos sentindo falta... A alegria da ressurreição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU