28 Abril 2020
Passada a Páscoa, a pandemia talvez esteja passando. É um tempo de ressurreição, para aqueles que são levados pela tragédia a buscar um sentido além da morte, para aqueles que são frustrados pelos limites da ciência, entristecidos por ritos virtuais, para aqueles que são contra tabacarias abertas e igrejas fechadas. É um tempo de ressurreição para quem interpreta a crise econômica e sanitária como uma grande oportunidade de colocar as religiões de volta no centro. É um tempo de ressurreição para aqueles que não acreditam no Cristo que vence a morte, para aqueles que não estão nem perto da retórica do cristianismo cultural e ainda assim querem mudar, começar de novo, levantar-se, e essa vontade se chama justamente assim, vontade de ressurgir. Sobre o sentido da ressurreição no tempo em que vivemos e no tempo que nos espera, "La Lettura" apresentou algumas perguntas a dois observadores competentes da fé e das crenças: Roberta De Monticelli, 68 anos, filósofa, e Enzo Pace, 76 anos, sociólogo.
A entrevista com Roberta De Monticelli e Enzo Pace é de Marco Ventura, publicada por La Lettura, 26-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Essa pandemia que também nos privou dos funerais mudará nossa relação com a morte?
Enzo Pace – Morremos sozinhos, sem sermos acompanhados pelo consolo de que alguém celebrará a morte. Assim, a pandemia nos devolve à morte porque nos coloca dramaticamente diante da solidão do morrer. Isso contrasta com a grande remoção da morte imposta pelo modelo vitalista das sociedades secularizadas. A morte que parecia deslizar na interioridade dos indivíduos com o vírus se torna uma questão coletiva. Até mesmo as religiões são questionadas.
Enzo Pace – A forma como um evento de morte é elaborado coletivamente é uma das últimas coisas sobre as quais as religiões têm algo a dizer e, no entanto, mesmo as religiões se acomodaram para não falar sobre a morte, exceto nos funerais.
Não somos mais capazes de falar da morte. Portanto, não conseguimos mais falar de Ressurreição?
Enzo Pace – A ressurreição é um problema de tempo e a secularização mudou justamente a categoria fundamental de tempo. A verdadeira secularização não reside no fato de que as pessoas vão pouco à missa, mas que a espera pelo fim dos tempos tenha desaparecido como horizonte temporal. De fato, existem mil sentidos dados à palavra ressurreição. Não sabemos mais o que significa.
Roberta De Monticelli – Retornar à vida após a morte é uma dimensão da fé pessoal que é misteriosa demais para se falar. Nós, por outro lado, falamos da morte e da vida como viventes, afinal Cristo também diz: "Que os mortos enterrem os mortos".
Vamos falar sobre isso então. Como viventes.
Roberta De Monticelli – Pensando no que nos espera depois da pandemia, me retorna à lembrança o céu que, em Guerra e Paz, o príncipe Andrei vê quando está deitado no chão depois de sofrer a ferida que o levará à morte. O imenso céu se abre, vazio, silencioso, domina a vida e a morte, preenche o príncipe com uma espécie de quietude iluminada.
Essa é a ressurreição?
Roberta De Monticelli – Não há ressurreição em Tolstoi. Não em um sentido mais teológico. O grande céu é o mundo dos valores: pode se abrir longe, vasto nos momentos de clímax, decisivos, mas na realidade sempre está sobre as nossas cabeças, porque a experiência do bem e do mal está na vida cotidiana. E esse céu de valores está vazio e, no entanto, é tão pacífico, porque os valores não se veem, se sentem.
Sentiram-se valores nestas últimas semanas?
Roberta De Monticelli – Pesou muito sobre a alma italiana, de nós todos, o rebaixamento, a aviltação e a humilhação infinita desse céu. O caos na comunicação, a baixeza do teatro político, os cidadãos tratados como crianças mimadas ... houve talvez apenas uma semana de exceção, um momento de perplexidade que também foi um momento de esperança.
Sentimos falta do sentido do transcendente?
Enzo Pace – Nossa sociedade tende a fazer desaparecer nem tanto a questão da transcendência, mas o elemento da comunidade. Os indivíduos continuam a acreditar, mas acreditam à sua maneira. Subjetivando e individualizando. Assim, não apenas as autoridades e instituições religiosas são enfraquecidas, mas também os laços sociais.
Onde procurar, então, ver uma possibilidade da Ressurreição?
Roberta De Monticelli – Penso no Espírito, o que recria, que revive, que inflama. Eu me pergunto por que não se diz mais na missa, como antigamente: Introibo ad altare Dei, ad Deum qui lætificat iuventutem meam. Eu me aproximo do Deus que desperta, que inflama minha juventude. Acredito que o Espírito seja isto: morte e vida estão aqui, agora, não são o sobreviver após a morte. Como no Evangelho, venit hora et nunc ... chega a hora e é esta, em que o Pai será adorado em Espírito e Verdade, não nesse monte ou nesse templo. Eis, então, está o contínuo morrer por dentro, ou ressurgir por dentro, que é poder respirar com um céu sobre a cabeça.
Essa não é doutrina cristã.
Roberta De Monticelli – Não, a doutrina cristã vê a incompatibilidade do céu e da terra, porque sem a salvação do alto não podemos nos salvar. E depois há a ressurreição pascoal, onde o grão deve morrer porque o novo trigo nasça.
Se o Espírito é crucial, algumas igrejas se sentirão mais à vontade que outras.
Enzo Pace – Em nossa sociedade se desgasta esse tipo de força que é a sociologia da espera, fundada na promessa da segunda vinda, de um tempo em que o reino de Deus virá à Terra. A sociologia da espera está presente acima de tudo no evangelismo milenar e pentecostal, enquanto as igrejas históricas relegaram o tema escatológico às páginas de alguns teólogos.
As mega-igrejas pentecostais latino-americanas, africanas e asiáticas não ficarão fechadas por muito tempo.
Enzo Pace – Diante do sofrimento da vida cotidiana, pregam o fim dos tempos e pregam que as coisas estão indo mal porque nos afastamos da fonte da verdade.
Na crise também assistiremos à "ressurreição" dos conservadores?
Enzo Pace – Haverá a tentação de dizer que devemos redescobrir a primazia da tradição para combater a mudança dos últimos tempos. Isso poderia fortalecer a pressão para o nacionalismo religioso, inclusive católico, em defesa de uma identidade coletiva cada vez mais ameaçada. Será dito que devem ser restabelecidos os limites do crer contra a sua fragmentação. O que é necessária uma fonte de verdade certa, uma autoridade doutrinária e não apenas compassiva como se critica ao Papa Francisco.
No entanto, se as religiões sairão bem da pandemia e se abrirem espaço na recessão, será precisamente por causa de sua capacidade de fazer o bem.
Roberta De Monticelli – Existe o forte elemento da razão ética que não por acaso personifica o atual papa jesuíta. Aqui há o sentido animador de uma instituição Igreja que recupera a modernidade, que amplia o conceito de cada um seu quinhão no sentido de um dever para cada coisa da criação.
Enzo Pace – A espera é banalizada porque se resume a regras morais. O ato de crer é reduzido a uma série de comportamentos éticos. Uma visão ética. Mesmo nesta situação muito dolorosa, quantos padres e leigos fizeram isso e aquilo ... mas sempre são obras.
As obras deveriam testemunhar a fé, não a substituir.
Enzo Pace – Walter Benjamin escreveu em 1921 que o capitalismo se tornou um culto sem sonhos e sem descanso. Se o cristianismo se deixa arrastar, sua parte crítico-profética se perde cada vez mais.
Os líderes religiosos serão o primeiro exemplo de ressurreição?
Roberta De Monticelli – A temperatura do fogo é conforme a palavra, escreveu o poeta Mario Luzi. O que importa a um verdadeiro cristão a secularização? Ele deve encontrar a palavra nova, que inflama agora. Se alguém ainda acreditasse ... O que ficará no futuro do Papa que celebra em uma praça São Pedro deserta?
Foto: Vatican News
Enzo Pace – A criação de uma comunidade virtual pode estabelecer um circuito virtuoso com a comunidade real, mas o contrário também é possível. A pandemia coloca à dura prova a comunidade de proximidade territorial e fortalece a tradição clerical, uma igreja governada por funcionários. A ideia do Vaticano II, a presença ativa dos leigos, é enfraquecida.
Roberta De Monticelli – Ver a Praça São Pedro vazia, sob a chuva, com esse homem sozinho que ora diante de Cristo ... essa sim é uma cena digna de uma grande cultura cristã, e ainda assim é um espetáculo frio, longe, não havia os homens e as mulheres de fé.
Apresenta-se uma oportunidade. Seremos capazes de aproveitá-la?
Enzo Pace – O nosso cristianismo tem uma grande capacidade de inventar obras. Mas, para voltar a ser uma figura vital, pelo menos nas sociedades secularizadas, deve ser capaz de se reconectar o fazer com uma visão na qual viver e morrer têm uma perspectiva.
Roberta De Monticelli – Penso nessa Páscoa perdida, adiada, nesta primavera, que deve ser honrada muito além de um passeio no campo. Precisamos de um renascimento que comece pelas almas, pelos jovens, e que crie possibilidades de florescimento, de sopro, de respiração, de revitalização.
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Ressurreição. A Páscoa não é um passeio no campo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU