17 Abril 2020
Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: “A paz esteja com vocês.” Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor. Jesus disse de novo para eles: “A paz esteja com vocês”. “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.” Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: “Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.”
Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos disseram para ele: “Nós vimos o Senhor.” Tomé disse: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos de Jesus, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.”
Uma semana depois, os discípulos estavam reunidos de novo. Dessa vez, Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: “A paz esteja com vocês.” Depois disse a Tomé: “Estenda aqui o seu dedo e veja as minhas mãos. Estenda a sua mão e toque o meu lado. Não seja incrédulo, mas tenha fé.” Tomé respondeu a Jesus: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus disse: “Você acreditou porque viu? Felizes os que acreditaram sem ter visto.”
Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu nome.
Leitura do Evangelho de João 20,19-31. (Correspondente ao Segundo Domingo de Páscoa, ciclo A do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Este segundo domingo de Páscoa, também chamado Domingo da Misericórdia, conclui a Oitava de Páscoa e inicia-se uma nova semana. Relata-se uma nova aparição de Jesus Ressuscitado que acontece à tarde do primeiro dia da semana como se fosse uma continuação daquele primeiro dia da semana que Jesus aparece a Maria Madalena. Mas o cenário onde acontece esta nova aparição de Jesus já não é no sepulcro senão na comunidade. É uma semana considerada como um só dia.
Como disse o Papa Francisco, fazendo referência ao momento histórico que estamos vivendo, “Se ficarmos com o olhar fixo no sepulcro, sem entender (e reconhecer) a Palavra de ressurreição e a grande e urgente novidade que está diante de nós, a opção será "pelo deus dinheiro: retornar ao sepulcro da fome, da escravidão, das guerras, das fábricas de armas, das crianças sem escola”.
Voltando ao nosso texto, lembremos que nos evangelhos as aparições de Jesus Ressuscitado têm acentuações diferentes, Jesus aparece a diferentes pessoas: a Maria Madalena, ou a duas ou três mulheres, aos discípulos no caminho à Galileia, aos dois discípulos que iam para Emaús. Nesta semana foram lidas estas leituras das aparições de Jesus Ressuscitado que relatam os quatro evangelhos e as experiências que os discípulos e discípulas de Jesus viveram. São narrativas de uma riqueza impressionante. No texto deste domingo Jesus aparece à comunidade reunida.
Era o primeiro dia da semana. Vai começar uma nova criação no primeiro dia de uma nova semana. Este primeiro dia sinala a importância deste dia para os cristãos e a separação da sua reunião como comunidade da celebração do sábado como acontecia com os judeus.
Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou.
Pensemos neste grupo de pessoas que estão reunidas, num espaço fechado porque têm medo das autoridades judaicas. Jesus, seu amigo, seu Mestre, tinha sido condenado e morto numa cruz! Eles sabiam que isso que tinha acontecido com seu amigo e Mestre podia acontecer também com cada uma das pessoas que esteve com ele. E, além disso, elas são da Galileia, quase sinônimo de pessoas rudes, toscas, consideradas ignorantes, sem cultura nenhuma. Ou seja, a única alternativa é ficar “com as portas fechadas”, enclausurados num espaço conhecido e possivelmente procurando dar ânimo uns aos outros.
Possivelmente eles relembravam o que tinham vivido ao lado de Jesus, no momento que cada um deles foi chamado para segui-lo, as pregações, os milagres e sinais, suas palavras que confortavam as multidões e enchiam de alegria os corações das pessoas desprezadas pela sociedade em geral. Mas junto com estes acontecimentos podiam perceber a sequência no agir das autoridades dos judeus com o objetivo de matar Jesus. Lembrariam também esta sucessão de fatos até levá-lo à morte.
Fazemos memória destes acontecimentos narrados pelo evangelista. Num primeiro momento o perseguem porque cura no sábado, depois O criticam porque tinha dito “eu sou o pão que desceu do céu” (6,41) e discutem até que começa a andar pela Galileia porque os judeus querem matá-lo (7,1). Mais adiante tentam prendê-lo (7,30.44), pegam pedras para atirar em Jesus, que sabe que procuram matá-lo e por isso se esconde, depois novamente pegam pedras para apedrejar Jesus porque o acusam de blasfemo e de se fazer passar por Deus (8,31) e, finalmente, logo após a ressurreição de Lázaro, as autoridades judaicas decidem matar Jesus (9,53).
E os discípulos também têm medo das autoridades dos judeus. Qual é seu horizonte? O que aguardavam? O que aconteceu com as promessas realizadas ao seu Mestre? Jesus tinha-lhes prometido que ia estar sempre no meio deles. Neste contexto de desamparo, insegurança diante do ambiente hostil, “Jesus entrou, ficou no meio deles e disse: ‘A paz esteja com vocês’”.
“Jesus entrou” lembra-nos dos discípulos que correm ao sepulcro movidos pelo anúncio de Maria Madalena. João chega primeiro ao túmulo, mas “não entrou”, e Pedro chega atrás e “entrou no túmulo”. Em seguida entra o primeiro discípulo, que “viu e acreditou”. Estes dois discípulos já sabiam que Jesus não estava fisicamente no túmulo, mas isso não leva a acreditar no Ressuscitado.
Jesus entra no meio da comunidade que está reunida e com medo das autoridades. Ele se apresenta Ressuscitado na vida da comunidade e lhes transmite a paz. Como tinha prometido “Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz”. Jesus lhes oferece a paz que ele viveu durante sua vida, que comunicava nos fatos e acontecimentos, nos sinais, nos últimos momentos da sua vida.
Por isso tinha dito: “A paz que eu dou para vocês não é a paz que o mundo dá. Não fiquem perturbados, nem tenham medo”. É esta a paz que Jesus Ressuscitado oferece-lhes estando no meio deles. Sua presença ressuscitada é consolo para viver as situações de dificuldade que devem atravessar.
Uma simples e profunda descrição que nos leva a pensar também na nossa vida e nos momentos que vivemos situações similares: perceber que tudo ao nosso redor é escuridão, preferir ficar encerrados ou ter medo. Mas Jesus aparece nessa situação!! Ele não aguarda que tudo seja resolvido para estar presente no meio de nós. Pelo contrário, sua luz se manifesta ao anoitecer, ainda de portas fechadas. Ele é quem dá o primeiro passo sem preocupar-se com o estado ou a situação em que cada um/a se encontra.
“Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado”. Mostra-lhes os sinais do seu amor e entrega. O corpo que eles viram ensanguentado é o mesmo que neste momento reconhecem na presença de Jesus que está no meio deles. Desta forma revela-lhes sua identidade no seu corpo que foi crucificado.
”Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’”. Jesus “soprou” lembra-nos o sopro da criação: “Deus soprou sobre o homem de argila infundindo-lhe a vida de Deus” (Gn 2,7).
No começo o homem se torna um ser vivente e neste momento os discípulos ficam cheios do Espírito Santo, a vida nova do Ressuscitado, e constituem-se numa comunidade animada assim pelo Espírito. Já não é a criação de uma pessoa, mas a criação de uma nova comunidade animada pelo Espírito do Ressuscitado, a comunidade dos homens e mulheres como filhos e filhas de Deus.
Tomé disse: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos de Jesus, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.”
A figura de Tomé representa esta dificuldade de quem não acredita na presença do Senhor Ressuscitado. E como Tomé, nós também averiguamos certezas. Mas também como Tomé, somente junto com a comunidade reunida nossos olhos se abrem e temos capacidade para reconhecer a presença de Jesus. Jesus não se manifesta no individualismo, mas sim se faz presente na comunidade, e nela responde às dúvidas expressadas por Tomé para acreditar na presença do Senhor Ressuscitado. Por isso, separado da comunidade, não é possível ter a experiência de Jesus vivo. Só unido à comunidade seus olhos se abrirão e seu coração arderá escutando-o falar nos irmãos e irmãs, em toda pessoa que tenta seguir Jesus.
Neste domingo somos convidados a reconhecer a presença de Jesus Ressuscitado no meio da nossa comunidade no difícil momento que estamos vivendo. E assim seremos testemunhas "como as mulheres, as primeiras a anunciar a Ressurreição, e aquele grupo de galileus que realmente entendeu o que significava ser discípulos, estar disposto a arriscar suas vidas em favor dos outros, a dar tudo para que os mais pobres não percam a esperança. (Disponível aqui.)
Junto com o Papa Francisco peçamos ao Senhor o “contágio da ressurreição, ou seja, da esperança e da solidariedade. Para que todo homem se torne como Maria de Magdala, e dê uma virada de 180 graus. De costas para o sepulcro, o dinheiro, a morte e olhando para a vida real das verdadeiras pessoas e, em primeiro lugar, dos pobres.”
Na paz que inunda meu corpo,
desde minhas costas coladas à terra,
deixar-me-ei refazer por Ti?
Aqui tudo renasce da terra!
As flores vermelhas dos flamboyants,
e o brilho esfaqueado das palmas!
Atravessa-me de brisa e de sol,
de azul e de tarde.
estou rodeado de mar
e não há naves em meu porto!
Meus fantasmas saíram de noite
desde os sótãos de meu castelo.
Que no silêncio da escuridão
te saiba aqui, na ausência
que me deixa crescer sozinho
desde o sepulcro calado
que ninguém ressuscita sozinho.
Ressuscitar desde o mais profundo,
Ressuscitar desde o mais morto.
Benjamin Gonzalez Buelta
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