22 Fevereiro 2021
"Enzo Bianchi foi para mim um mestre de eclesialidade e me surpreende que ao seu redor tenha se acumulado o grupo do ressentimento anti-institucional, que vê por toda parte complôs tramados contra o verdadeiro cristianismo. É uma falsa ecumenicidade que se baseia em um distanciamento do catolicismo construído no ressentimento", escreve Massimo Faggioli, historiador italiano, professor da Villanova University, EUA, em artigo publicado por Avvenire, 21-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nas comunidades eclesiais recém-fundadas, a passagem do fundador ao primeiro sucessor em uma posição de autoridade é naturalmente problemática. Dada a história ainda jovem dessas comunidades nos anos em torno do Vaticano II, esse tipo de transição é um dos elementos característicos do momento presente na história da Igreja Católica. Não é uma questão totalmente nova: estamos acostumados a identificar a ideia de "cisma" na Igreja com o cisma papal, mas a história também está cheia de cismas monásticos. A situação da comunidade de Bose, porém, é diferente daquela de outras comunidades eclesiais e dos cismas monásticos. É diferente pelo importante papel que desempenhou na Igreja italiana e europeia nos últimos cinquenta anos: o ecumenismo, a recepção do Concílio Vaticano II, a redescoberta da Palavra.
Eu também pertenço à "geração Bose" - ou melhor, a uma das três ou quatro gerações de católicos (e não) que, graças à comunidade fundada por Enzo Bianchi em 1965, redescobriram a fé cristã, mas também uma ideia eclesial reconciliada. A história de Bose, no entanto, também é diferente pela personalidade carismática do fundador no cenário público, diferente de qualquer outro fundador na epopeia pós-conciliar. Pode-se traçar um paralelo com Thomas Merton: monaquismo, ecumenismo, sucesso como intelectual público. No entanto, Merton não fundou sua própria comunidade e nunca teve que lidar com o problema de transição e gerenciamento de sua herança espiritual (mas também material) devido à sua morte aos 53 anos de idade em 1968.
Aqueles que foram e vão para Bose, em contato com seus irmãos e irmãs, há muito tempo tinham uma noção e evidência da deterioração da situação da comunidade. A que foi desencadeada pela renúncia de Enzo Bianchi não é a primeira crise da história de Bose. Mas nos últimos anos a situação piorou devido a um problema de dupla autoridade que se colocou de forma dramática, devido à personalidade do fundador.
A renúncia do prior Bianchi foi interpretada pelo mesmo de forma nominalista, como se nunca tivesse ocorrido, a ponto de deslegitimar a autoridade não só do novo prior, mas também de todos os demais cargos e da própria comunidade que havia eleito. Também aqui, uma história conhecida em muitas comunidades eclesiais. A diferença nesse caso é a escolha de se basear na notoriedade pública do fundador. Uma escolha grave para cada pessoa que tenha se tornado um ponto de referência eclesial - ainda mais se monástico.
Aqui existem duas questões básicas. Há uma questão eclesial: para uma comunidade eclesial, em situação de exceção, existem diferentes tipos e graus de autoridade adequados e chamados a decidir. No caso de Bose, nunca houve dúvida de que a autoridade competente para Enzo Bianchi fosse a Igreja Católica e o Papa. O fundador é católico, assim como a grande maioria dos membros.
O respeito pela instituição não se deve em proporção inversa à notoriedade pessoal. Dissenso é algo diferente de rebelião.
Depois, há uma questão hermenêutica. A divisão dos juízos tornados públicos (tanto na mídia de massa quanto nas redes sociais) sobre o caso Bose também é afetada por dois tipos diferentes de identificação.
Há aqueles que foram a Bose, reconhecendo os grandes méritos do fundador no ecumenismo, na atividade editorial, na difusão da patrística e do cristianismo oriental, mas também conhecem os limites dessa realidade monástica, e esperam e rezam para que Bose possa historicizar o fundador e reformular suas intuições.
Depois, há aqueles que foram a Bose atraídos pela personalidade do fundador que haviam conhecido através da mídia de massa.
Existem duas concepções diferentes de Igreja e comunidade aqui. Ninguém pode tirar nada do fundador, dos seus méritos históricos para a comunidade que criou e para toda a Igreja. O problema é quando alguém se torna incapaz de distinguir o fundador da comunidade, mesmo diante de graves distorções no exercício da autoridade. O problema é quando, a partir de fora, se transforma a pessoa do fundador no símbolo de um partido eclesial ou político a ser brandido contra uma série de alvos ideológicos: a Idade Média, o Vaticano, os bispos, o monaquismo não suficientemente ecumênico e assim por diante.
O que o Papa Francisco havia dito no Sínodo dos Bispos de 2015 sobre a necessidade de abandonar as hermenêuticas conspiratórias parece ter caído em ouvidos surdos: um convite não dirigido apenas ao Sínodo. Da hermenêutica da suspeita oito-novecentista, a Igreja agora tem que acertar as contas com uma hermenêutica da desconfiança que se tornou dominante - e, evidentemente, não apenas entre os chamados tradicionalistas que se opõem ao Papa Francisco. Neste clima eclesial, as tomadas de posição contra o Vaticano, contra a instituição eclesiástica sempre encontrarão aplausos.
Enzo Bianchi foi para mim um mestre de eclesialidade e me surpreende que ao seu redor tenha se acumulado o grupo do ressentimento anti-institucional, que vê por toda parte complôs tramados contra o verdadeiro cristianismo. É uma falsa ecumenicidade que se baseia em um distanciamento do catolicismo construído no ressentimento.
O monaquismo também tem um aspecto institucional. A regra é uma instituição que ajuda a dar-se uma forma de vida, numa concepção de autoridade que liberta, na qual o carisma não é um fim, mas um instrumento ao serviço da comunidade e de toda a Igreja.
É evidente que nos últimos anos o exercício institucional da autoridade do fundador assumiu aspectos altamente problemáticos em Bose. A visita apostólica e a disposição indicada foram a oportunidade de um novo começo - também para o fundador. O atual impasse encontrará uma saída em algum momento. Mas o caso de Bose espera soluções também em um nível mais geral. A divisão em “partidos” em torno do caso Bose diz muito sobre o atual momento eclesial.
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Para a comunidade monástica de Bose não servem os “partidos”. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU