18 Fevereiro 2021
A Santa Sé concedeu cinco dias ao antigo prior Enzo Bianchi para se separar da comunidade por ele fundada em 1965 e se mudar para a paróquia de Cellole, em San Gimignano, juntamente com alguns de seus colaboradores mais próximos.
O ultimato da Santa Sé não aconteceu da noite para o dia. No dia 13 de maio, o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, já convidava o ex-prior e alguns de seus colaboradores próximos a deixar a comunidade, devido ao descontentamento de alguns membros.
Desde a época em que era arcebispo em Buenos Aires, Bergoglio advertiu repetidamente contra a centralização do poder de alguns movimentos religiosos.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 11-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Toda autorreferencialidade não é boa, nunca vem do bom espírito”. Quem sabe se o Papa Francisco, falando diante dos Focolares recebidos em audiência no sábado passado, estivesse pensando também na Comunidade de Bose, que se prepara para começar um novo capítulo, de uma vez por todas. Com efeito, a Santa Sé concedeu cinco dias ao antigo prior Enzo Bianchi para se separar da comunidade por ele fundada em 1965 e se mudar para a paróquia de Cellole, em San Gimignano, juntamente com alguns de seus colaboradores mais próximos. É o que informa o comunicado assinada pelo padre Amedeo Cencini, o delegado pontifício que desatou a meada de Bose com a autorização do papa. Agora a Bianchi e seus colaboradores foi confiada "em comodato” a sede da Toscana, que deixa de ser uma comunidade separada de Bose após oito anos de atividade: "Uma decisão difícil e dolorosa para nós, mas infelizmente inevitável e que não pode ser mais procrastinada", diz o comunicado. O ultimato da Santa Sé a Enzo Bianchi não é uma decisão tomada da noite para o dia. No dia 13 de maio, o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, já convidava o ex-prior e alguns de seus colaboradores próximos a deixar a comunidade, devido ao descontentamento de alguns membros.
Antes da decisão definitiva, Bose foi destino de várias visitas apostólicas durante anos. Uma primeira "visita fraterna" da abadessa de Blauvac, Anne-Emmanuelle Devénche, remonta a 2017 e levou à demissão de Bianchi. A religiosa juntou-se então ao Abade Guillermo Tamayo e Cencini em uma segunda visita apostólica, que terminou com a ordem de afastar o ex-prior. Nos meses que transcorreram entre a carta de Parolin e a última palavra definitiva de Cencini, Bianchi teria se recusado a sair por vontade própria da localidade de Magnano para se mudar para outro lugar, conforme predisposto pela Santa Sé. Agora, porém, é a própria comunidade que renuncia a um de seus cinco mosteiros, desde que Bianchi corte o cordão que a liga a Bose. A nota do Vaticano também impõe uma proibição absoluta a Bianchi e seus "irmãos" de usar os nomes de "Fraternidade Monástica de Bose, Monastero di Bose, ou semelhantes, em publicações, pôsteres, sites": para alguns, trata-se de uma damnatio memoriae injusta e excessiva.
No entanto, como indica a eleição do prior Luciano Manicardi, a Santa Sé não questiona a doutrina ou a vida monástica da comunidade, tal como foi concebida por seu fundador. A carta assinada por Parolin o especifica: “A Santa Sé traçou um caminho de futuro e de esperança, indicando as linhas mestras de um processo de renovação, que acreditamos dará um impulso renovado à nossa vida monástica e ecumênica”. Contudo, o fato de a documentação coletada desde os tempos de as primeiras denúncias ainda ser desconhecida está alimentando o "mistério" de Bose. Mas o caso Bianchi também revela a fragilidade da passagem do bastão às novas gerações por um líder carismático, protagonista da renovação pós-conciliar da Igreja e investido de funções públicas. Desde a época em que era arcebispo em Buenos Aires, Bergoglio advertiu repetidamente contra a centralização do poder de alguns movimentos religiosos: entre os anos 1980-90, por exemplo, as tensões entre os bispos latino-americanos e alguns movimentos exigiram a intervenção das Congregações Romanas.
Para o papa, portanto, o verdadeiro inimigo do carisma religioso é o poder carismático, como ele amargamente lembrava em 2018 falando do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, que caiu em desgraça após inúmeras denúncias: "Seu longo governo personalizado tinha em alguma medida poluído o carisma que o Espírito havia originalmente doado à igreja; e isso se refletia nas normas, bem como na práxis de governo e de obediência e no modo de vida”. Em oito anos de seu pontificado, o Papa Francisco viu vários movimentos religiosos em situação de crise, muitas vezes sufocados por líderes que não deixavam espaço: um aspecto fortemente denunciado pelo cardeal Christoph Schönborn que, dirigindo-se aos estudantes universitários de Viena em 2019, falou de "instituições fechadas" vinculadas aos fundadores vistos como "líderes carismáticos". Recentemente, os dossiês sobre os abusos na igreja têm pesado na análise de algumas realidades religiosas, apenas aparentemente estáveis. As investigações sobre o padre Jean Vanier, fundador da comunidade L'Arche, por exemplo, são o último de muitos casos que emergiram em escala global, todos unidos por uma relação entre fundadores absolutistas e ambientes de silêncio conivente, propensos a tolerar abusos.
A lista das ordens religiosas afetadas pelos escândalos elaborada pelo jesuíta Hans Zollner em La Civiltà Cattolica em 2017 é significativa: os Legionários de Cristo, a comunidade missionária de Villaregia, o grupo chileno do padre Fernando Karadima, para citar alguns. Por isso, Bergoglio, ao mesmo tempo que assinala a riqueza de muitos movimentos religiosos alinhados com a missão da Igreja contemporânea, alerta para os perigos de uma autonomia excessiva que às vezes pode pôr em risco o carisma do próprio movimento.
Com a carta apostólica em forma de motu proprio Authenticum charismatis, Francisco modificou assim a norma do direito canônico e vinculou a construção de institutos de vida consagrada à autorização da Santa Sé: “Um sinal claro da autenticidade de um carisma é o seu aspecto eclesial, a sua capacidade de se integrar harmoniosamente na vida do Santo Povo de Deus para o bem de todos”. A herança do Vaticano II nesse sentimento harmonioso entre realidade particular e Igreja universal, o caso da Comunidade de Bose é coerente com a linha da Igreja liderada por Francisco. Dirigindo-se várias vezes à Cúria Romana, o papa falou repetidamente do abuso de poder como uma "praga" que causa um contra-testemunho.
Em 11 de fevereiro, há oito anos, o Papa Bento XVI revelou, no gesto de renúncia, a mensagem revolucionária de quem renuncia ao exercício do poder por algo maior: Bergoglio só pode ter isso em mente na renovação da Igreja que se abre ao tempo presente: “É melhor ser corajosos e enfrentar os problemas com parrésia e verdade. A autocelebração não presta um bom serviço ao carisma”.
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A decisão sobre Bose expressa a linha de Francisco sobre os riscos dos carismas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU