06 Agosto 2020
“Moingt certamente não se resignou e defendeu a necessidade de uma mudança profunda, que levaria a Igreja a aliviar seu peso institucional, recuperar o verdadeiro humanismo evangélico, reconhecer o papel das mulheres e promover comunidades verdadeiramente fiéis ao Evangelho”, escreve o teólogo espanhol Juan José Tamayo, em artigo publicado por Religión Digital, 05-08-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em 28 de julho, morreu aos 104 anos, com a vitalidade e a clareza intelectual que sempre o caracterizaram, o teólogo jesuíta francês Joseph Moingt, que tem reconhecimento mundial no campo da reflexão teológica, é uma das vozes críticas mais ouvidas do catolicismo e é citado por figuras relevantes do pensamento filosófico atual, como Giorgio Agamben em seu livro O reino e a glória: Uma genealogia teológica da economia e do governo (publicado no Brasil pela editora Boitempo, em 2011). No entanto, ele não tem o reconhecimento de um setor importante da hierarquia eclesiástica, que sempre foi muito crítico à sua teologia.
Ele nasceu em 1915 em Salbris, Loir-et-Cher (França). Ingressou na Companhia de Jesus em 1938 e obteve seu doutorado em teologia em 1955 pelo Instituto Católico de Paris com uma tese sobre a Teologia Trinitária Tertuliana, orientada por Jean Danielou, publicada em quatro volumes alguns anos depois e amplamente citada no campo da filosofia política. Ele começou a ensinar teologia na faculdade jesuíta de Fourvière, em Lyon. Mais tarde, lecionou no Instituto Católico de Paris e no Centro Jesuíta Sèvres.
Continuou a ensinar após sua aposentadoria por meio de conferências, cursos monográficos e publicações traduzidas para vários idiomas e com numerosas edições. Foi o professor de várias gerações, educando-as em pensamento crítico, com pesquisa rigorosa no estudo das fontes do cristianismo e hermenêutica criativa dos textos fundadores, tanto judeus quanto cristãos.
De 1968 a 1997, dirigiu a prestigiosa revista Recherches de Science Religieuse, uma referência do pensamento teológico crítico pós-conciliar, juntamente com o International Journal of Theology Concilium. Ambas as publicações, que acompanho desde meus dias como estudante de teologia, constituem um dos exemplos mais brilhantes de diálogo intercultural, inter-religioso e interdisciplinar e um ponto de encontro para as diferentes tendências teológicas que coexistem em um clima de respeito e reconhecimento.
Moingt pertencia à geração de teólogos franceses pós-conciliares que marcaram a renovadora orientação da teologia em diálogo com o pensamento moderno e na busca de uma reconciliação entre racionalidade e cristianismo, após longos séculos de irreconciliação. Junto com ele, vale mencionar Paul Valadier, Christian Duquoc, Jean-Pierre Jossua, Jacques Dupuis, Claude Geffré, etc., seguidores da geração anterior pioneira, representados, entre outros, por Dominique Chenu, Yves Marie Congar e Henri de Lubac. Este último, professor do Instituto Católico de Paris, teve uma influência importante na orientação de sua pesquisa em teologia patrística. Com ele, trabalhou a teologia de Clemente de Alexandria.
Era um espírito livre e representava a consciência crítica do cristianismo institucional. Em seu livro de 2012, Hacer que la Iglesia católica se mueva, ele se pergunta se temos de nos resignar ao fato de que a Igreja se dobra em uma atitude autorreferencial e permanece em uma era do gelo, alheia aos desafios de nosso tempo. Moingt certamente não se resignou a isso e defendeu a necessidade de uma mudança profunda, que levaria a Igreja a aliviar seu peso institucional, recuperar o verdadeiro humanismo evangélico, reconhecer o papel das mulheres e promover comunidades verdadeiramente fiéis ao Evangelho. É precisamente o retorno ao Evangelho que salvará a Igreja da profunda crise causada pela perda de credibilidade que sofre. Isso é evidenciado em seu livro El Evangelio salvará a la Iglesia, de 2013.
Sua principal contribuição para a teologia é, sem dúvida, sua pesquisa em torno da figura de Jesus de Nazaré. Ele foi um dos teólogos que contribuíram para a mudança de paradigma do Tratado sobre el Verbo Encarnado, que ele próprio começou explicando e que era um glossário da fórmula dogmática “Cristo é uma só pessoa de duas naturezas”, a cristologia, que buscava uma nova linguagem sobre Jesus de Nazaré, em um clima de descrença, tentava explicar a fé em Cristo ante a racionalidade crítica e descobrir o Jesus histórico. Seus livros mais importantes sobre esse assunto são: El hombre que venía de Dios (Desclée, 1995) e os três volumes de Dios que viene al hombre (Sígueme, 2008, 2010, 2011) (sugiro que em edições subsequentes a palavra homme, do francês, seja traduzida para “ser humano”, para evitar a linguagem androcêntrica).
O nome de Moingt figura há tempo nos dossiês secretos do Vaticano, como figurou em décadas anteriores o seu companheiro jesuíta, também francês, o paleontólogo Teilhard de Chardin. Sua última obra é L’Esprit du christianisme, escrita em 2018 aos 103 anos. Considerava-a seu livro-testamento e talvez seja a mais atrevida, valente e conflitiva de sua extensa produção teológica. Poderia ter sido levado aos tribunais vaticanos, hoje com o nome de Congregação para a Doutrina da Fé. Mas felizmente os tempos mudaram e Moingt ganhou leitores de peso, como o papa Francisco. Em um próximo artigo oferecerei uma análise detalhada desta importante obra, que constitui uma síntese de seu pensamento.
As análises de Moingt serviram-me de guia em minha trilogia cristológica: Imágenes de Jesús. Condicionamientos sociales, culturales, religiosos y de género (Trotta, 1996); Por eso lo mataron. El horizonte ético de Jesús de Nazaret (Trotta, 2004, 2ª ed.); Dios y Jesús. El horizonte religioso de Jesús de Nazaret (Trotta, 2006, 4ª ed.) e em Diez palabras clave sobre Jesús de Nazaret (EVD, 2007, 3ª ed., 1ª reimpr.), da qual sou organizador.
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Joseph Moingt defendeu a necessidade de uma mudança profunda, que aliviasse o peso institucional da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU