04 Agosto 2020
Joseph Moingt nos deixou. Um teólogo, que escreveu sua tese sobre Moingt e a defendeu na Universidade Católica de Louvain, compartilha as memórias do seu mestre e a dor pela sua perda.
O artigo é de Jean-Pol Gallez, publicado por Baptises.fr, 29-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Caro amigo...” Foi assim que J. Moingt se dirigiu a mim na nossa primeira troca de e-mails na época em que iniciei a minha tese de teologia em 2009, dedicada à sua trilogia “Deus que vem ao homem”. À medida que os nossos contatos se intensificaram, e os nossos encontros se sucederam nos anos seguintes, revelou-se para mim toda a densidade daquela interpelação simples e surpreendente como uma perfeita realização daquele “humanismo do Evangelho” no qual Moingt identifica o mais seguro fundamento da fé revelada.
Considerar Deus como o outro de si, como um amigo, indubitavelmente nos leva às fontes dessa fé, cuja busca incansável é a principal preocupação espiritual do jesuíta francês. Uma preocupação que naturalmente contagia toda a sua obra teológica, voltada à preocupação do anúncio da fé, que sempre desemboca no magnífico e eterno reflexo entre a fraternidade universal dos seres humanos e o rosto paterno do Deus de Jesus.
Esse é o espírito do cristianismo que se encontra no coração do dom do Espírito oferecido na partilha e no testemunho da “gratuidade de Deus”, cuja passagem eu percebi sensivelmente durante as minhas inúmeras conversas pessoais com Moingt. Perder tempo por amor aos outros: eis uma das maiores lições de sabedoria com as quais a frequentação com ele me enriqueceu. Era grande o meu estupor ao ver aquele homem tão simples me dedicar dias inteiros respondendo às minhas perguntas, comunicando-me o estado das suas pesquisas, abrindo-me generosamente os seus projetos de escrita... Enquanto o tempo se tornava curto para ele, no crepúsculo de uma vida de trabalhos sempre relançados.
Durante uma das nossas entrevistas, Moingt me entregou as anotações manuscritas da sua homilia proferida por ocasião dos 75 anos da sua entrada na Companhia de Jesus. Naquelas breves anotações, encontrei um eco direto daquela gratuidade de existência intensamente provada, enquanto Moingt meditava sobre a própria vida com Deus: “Agradeço pela sua paciência em me ensinar o valor do tempo perdido em escutar os outros [...]. Aquilo de que você foi capaz de se empobrecer pelos outros vai para o seu crédito e lhe enriquece. Foi isso que aprendi com a minha longa vida e por isso eu agradeço ao Senhor. Porque toda perda gratuitamente consentida é graça, é sempre ganho de graça”.
Nessa breve evocação do ser humano, eu noto acima de tudo, uma na outra, uma atitude espiritual inseparável de uma concepção da fé: nada tem valor senão na partilha das vidas e das ideias para se aproximar juntos da verdade. Para Moingt, esse é um dos desafios cruciais do futuro da teologia e da Igreja.
Por esse motivo, eu gostaria agora de me debruçar sobre esse aspecto da sua obra, da qual sublinho alguns fragmentos. A verdade é, acima de tudo, o esforço e a importância de pensar a fé, tomando cuidado para distinguir o que há de absoluto e de contingente dentro daquilo que Moingt chama de “ato de crer”: “A fé é imutável no seu ato; contínua, mas variável no seu pensamento” [1], convicção herdada da própria recepção do pensamento de Michel de Certeau e que especifica a sua relação com a tradição: “A Tradição, a verdadeira, aquela que é viva, não é repetição, mas incessante inovação em busca da Verdade plena rumo à qual o Espírito Santo conduz os fiéis” [2].
Nesse sentido, Moingt atribui uma importância preponderante à comunicação da fé, porque a revelação de Deus em Jesus é uma questão de relação e de linguagem compartilhada pelos seres humanos em um lugar e em um tempo específicos.
Para Moingt, todo cristão é responsável por esse trabalho no centro do qual é permitida e até desejável duvidar, porque “a dúvida é parte de toda busca pela verdade e de toda relação humana; [...] Não vejo como a fé poderia escapar disso, uma vez que ela se move no além do visível. [...] A fé é ‘abandono de garantia’ [...], isso também se aprende nas Escrituras e com a oração” [3].
Duvidar é, acima de tudo, ousar fazer a si mesmo as boas perguntas sobre a nossa fé, que só pode sair disso mais adulta. Por isso, “fazer teologia” constitui uma atividade própria da fé como tal e contribui para alimentá-la a partir de dentro.
Agradeço a Moingt por arrastar o seu leitor a buscar a verdade daquilo que ele pretende acreditar, sem temer os questionamentos às vezes profundos aos quais esse ato de abandono pode levar, mas cujo impulso é poderoso porque “a fé carece de uma qualidade interior quando a dimensão do compreender está ausente do crer, algo que não concerne à verificação daquilo em que se crê, mas sim à veracidade do ato de crer” [4].
A verdade também é uma forte atenção às perguntas que todo ser humano se faz, e que Moingt insere totalmente no seu trabalho teológico. Para Moingt, a pergunta sobre Deus não nos faz nos voltarmos ao céu – como as religiões –, mas sim aos seres humanos e à história, que é a única verdadeira maneira de honrar aquele Deus que vem ao encontro do ser humano.
Por isso, a pergunta sobre de Deus se torna aqui uma reflexão sobre o sentido da existência, porque a verdadeira religião do Evangelho é aquela que vive Deus “no coração da humanidade, naquele espaço espiritual estruturado pelas relações de caridade. Deus vive ali. Seu coração palpita ali, no coração da nossa história humana” [5].
Mas o princípio também vale para a Igreja! Toda a evolução teológica de Moingt testemunha uma consideração crescente pelas perguntas feitas pelos “simples fiéis”, levando a sério a sua fuga progressiva de uma instituição que defende muito pouco a liberdade de pensar dos filhos de Deus, que aprenderam a duvidar e a interrogar a doutrina oficial, ou que simplesmente se sentem desconfortáveis diante da sacralização das funções que deriva mais dos tempos da cristandade do que de um impulso evangélico. Aqui também está em jogo a tradição da fé, igualmente inseparável da responsabilidade de todo cristão, bem distante de uma “concepção aristocrática da tradição [que] tem o erro gravíssimo de esvaziar a fé da Igreja do ‘senso da fé dos fiéis’” [6].
Quem não compreende Moingt argumentará que ele faz tábula rasa da “tradição”. No entanto, a questão é clara, tanto no seu gesto implícito quanto nas suas palavras a esse respeito: “Nos meus livros, eu levo em consideração os dogmas da Igreja, mas eu os reinterpreto. Não creio neles – não os recebo – tal como foram formulados, mas me esforço para pensá-los tal como foram acreditados. [...] Eu levo em consideração a fé [...] que os inspirou” [7].
Entre a letra e o espírito, o Espírito nos impõe escolher. Agradeço a Joseph Moingt por defender a liberdade da nossa fé. Joseph Moingt faleceu em uma manhã... Na sua homilia que eu citei no início, ele se recusa a repensar muito sobre o seu passado e, fiel a um gesto teológico marcado pelo selo da Ressurreição, prefere olhar para o futuro: “Estarei na luz indecisa que filtra entre o pôr-do-sol e a aurora... Fui eu quem trouxe esse Deus recém-nascido até hoje, ou foi ele quem me trouxe até hoje para me levar daqui a pouco aos seus braços? A resposta me será dada em breve, no clarão que surge entre o dia que morre e aquele que nasce”.
[1] “L’homme qui venait de Dieu”, p. 78.
[2] “Croire quand même”, p. 41.
[3] “Croire quand même”, p. 45-46.
[4] “Dieu qui vient à l’homme”, t. 1, p. 488.
[5] “L’Évangile sauvera l’Église”, p. 145.
[6] “Croire quand même”, p. 178
[7] “Croire quand même”, p. 108.
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Joseph Moingt, entre a fraternidade humana universal e o rosto paterno de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU