Conselho de Cardeais, “um plano para ressuscitar”. Entrevista com os cardeais Pedro Barreto, Juan Omella e Cristóbal Romero

Foto: PxHere

04 Julho 2020

No último 24 de junho, celebrou-se o Encontro Digital Vida Nueva, sob o título “Conselho de Cardeais: um plano para ressuscitar”. A emergência sanitária provocada pela pandemia do coronavírus propiciou que, pela primeira vez, esta mesa redonda fosse completamente remota. Nela, participaram purpurados de três continentes: Pedro Barreto, arcebispo de Huancayo (Peru), Cristóbal López Romero, arcebispo de Rabat (Marrocos) e Juan José Omella, atual presidente da Conferência Episcopal Espanhola.

A entrevista é de José Beltrán, publicada por Vida Nueva, 04-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Três cardeais chave no pontificado de Francisco”, tal e como destacou em sua alocução inicial o diretor de Instituições Religiosas do Banco Sabadell, Santiago Portas. Por um lado, desde a América, tomou a palavra o cardeal jesuíta Pedro Barreto, arcebispo de Huancayo (Peru), além de primeiro vice-presidente da Conferência Episcopal Peruana e vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônia (Repam). A voz da África se alçou desde o Marrocos, onde reside o cardeal salesiano Cristóbal López Romero, arcebispo de Rabat. Do olhar europeu, contribuiu Juan José Omella, arcebispo de Barcelona e atual presidente da Conferência Episcopal Espanhola.

Moderados pelo diretor de Vida Nueva, José Beltrán, os três pastores abordaram em primeira pessoa os principais desafios que o documento papal apresenta, tanto para a Igreja como para a sociedade. Um compromisso compartilhado para que, como destaca Francisco, em “Um plano para ressuscitar”, voltemos a “sentirmo-nos artífices e protagonistas de uma história comum e, assim, responder mancomunadamente a tantos males de que se queixam milhões de irmãos ao redor do mundo”.

Eis a entrevista.

Ser sinal de esperança

Ao iniciar a leitura de “Um plano para ressuscitar”, Francisco se pergunta: “Como podemos fazer para enfrentar essa situação que nos supera completamente? O impacto de tudo o que acontece, as sérias consequências que já estão sendo relatadas e vislumbradas, a dor e o luto por nossos entes queridos nos desorientam, nos angustiam e nos paralisam”. É neste contexto que o Peru se move hoje, tornando-se um dos principais focos da América Latina. Como ser um sinal de esperança e alegria em meio a tantos vestígios de morte?

 


Cardeal Pedro Barreto Jimeno. Foto: Vatican News

Pedro Barreto – Na verdade, não é fácil dizer “regozijar-se”, como o Papa reconhece na meditação. A missão da Igreja é anunciar a alegria do Evangelho, mas, como o próprio Francisco reconhece em seu “plano para ressuscitar”, não é fácil transmiti-lo a uma pessoa que está sofrendo as consequências da pandemia em um país como o Peru que já tem mais de 260 mil infectados e quase 8 mil mortos.

Infelizmente, o Peru não é um caso isolado, e a expansão mundial significa que todos estamos experimentando esse sofrimento global. E diante dessa tragédia palpável, “regozijar-se” também é real e possível, porque, no meio da dor, encontramos a possibilidade de olhar para Jesus, que já passou pelo sofrimento e pela morte e, agora ressuscitado, nos dá a mensagem de alegria.

Assim como há o contágio de covid-19, também percebo um contágio de esperança, de solidariedade, que está sendo vivida por todos os cantos do Peru. Em nossa diocese, temos diversos refeitórios que servem comida desde as Cáritas paroquiais. É admirável ver a entrega, por exemplo, das carmelitas descalças do Mosteiro de San José de Huancayo, que preparam comida para tantos que têm fome.

Esse gesto de caridade das freiras contemplativas, de tantos leigos comprometidos e de tantas mulheres é um testemunho de como trazem essa alegria em meio à angústia. Estou convencido de que o Peru, como toda a humanidade, está aprendendo a viver uma experiência na qual o valor da vida começa a ser reconhecido.

Também percebemos a necessidade de cuidar do meio ambiente, ao verificar os efeitos diretos sobre a natureza diante dessa pausa que foi dada à Casa Comum com o isolamento social obrigatório. Tudo isso nos coloca no caminho da ressurreição e da vida.

 

É esse mesmo sentimento de estar em caminho que o senhor vive, Cristóbal López? Não será fácil gritar aos quatro ventos que tem um “plano para ressuscitar” em um país com maioria islâmica...


Cardeal Cristóbal López. Foto: Agência Salesiana

Cristóbal López – A palavra ressurreição e a realidade que carrega não pode ser expressada da mesma maneira em um ambiente cristão que em um entorno muçulmano. Para nós, a Páscoa é fundamental, é o dinamismo essencial da vida cristã. Não obstante, aos muçulmanos não diz muito, assim como o termo “ressuscitar”, porém com eles podemos compartilhar outras expressões equivalentes, que também podem ajudar a compartilhar a vivência ressuscitadora que nós encarnamos.

Por exemplo, construindo um mundo novo, realizando o sonho que Deus quer, cumprindo sua vontade... Resumindo, entre meus vizinhos, sinto-me chamado a viver a experiência pascal, que é morrer e ressuscitar, passar da escravidão à liberdade, das trevas para a luz, do ódio para o amor... É por isso que queremos mostrar a eles que é possível passar da morte para a vida, morrer para o velho, para o velho mundo e subir para uma nova vida, assim como faz Francisco na meditação.

Seja no Marrocos ou em qualquer outro lugar, temos que nutrir a esperança utópica de que um novo mundo seja possível. Ele já está nascendo, embora aparentemente não vejamos muito disso. O profeta já disse isso, em uma das citações que o Papa lança no documento: “Olha, estou realizando algo novo, já está brotando, não o percebem?” (Is 43, 18b). Devemos ser especialistas em descobrir os brotos verdes desse novo mundo que está começando a germinar, para incentivar todos a se unirem a essa grande empreitada de conversão. Para ressuscitar, é claro que devemos morrer, não podemos nos poupar do passo difícil da conversão.

Em maio, o Pacto Educativo Global deveria ter sido oficialmente constituído, mas teve que ser adiado para o outono (europeu) devido à pandemia. No documento preparatório, falava-se de uma conversão para um nível ou dimensão tripla: uma conversão pessoal, que consiste em mudar o estilo de vida; uma conversão ecológica, passando do antropocentrismo para o biocentrismo, ou seja, que o homem não é criado como o elemento principal da criação, mas faz parte dela, está inserido nela; e uma conversão social, que deve nos levar à irmandade cósmica universal.

Como cristãos, devemos nutrir a esperança utópica de que outro mundo é possível. Para alcançar a ressurreição, devemos morrer para o mundo e para a pessoa idosa que somos através dessas três conversões. Além disso, ouso acrescentar, de outra categoria paralela, a urgência de uma conversão política e religiosa. De qualquer forma, estamos tentando ser sinais do Reino de Deus que o Senhor veio inaugurar e lançar. Mesmo com dores de parto, continua a nascer em nosso século XXI.

 

A Espanha enfrenta o chamado “novo normal” com uma recuperação frenética das atividades. Essa normalidade se parece com a antiga, mas com máscaras? A sociedade entrou nessa dinâmica de conversão de que Cristóbal López fala?


Cardeal Juan José Omella. Foto: Iglesia Barcelona

Juan José Omella – Tudo depende de cada um. Uma pessoa que passou pelo hospital, infectada pelo coronavírus, disse-me recentemente: “Eu não pensei em muitas coisas na minha vida, mas sentir que estava na cama em um corredor e escutar os médicos falando ‘acabou de morrer’, referindo-se ao vizinho do andar de cima e, depois de um tempo, ouvindo outro ‘acabou de morrer’, referindo-se ao da cama ao lado, me fez pensar muito sobre o significado da vida, aonde vamos, e isso me fez levantar questões espirituais”.

Este testemunho que vivi em primeira pessoa não é isolado. Todos nós nos perguntamos essa questão, sofrendo ou não da doença. Talvez neste período vimos muitas atitudes, valores e circunstâncias morrerem que agora não podemos mais ter da mesma maneira. O que acontece conosco é o ditado: às vezes vemos mais as árvores velhas que caem e fazem barulho, e não somos capazes de apreciar o novo que está nascendo. Mas qual é a coisa nova que está surgindo e que o Papa nos apresenta em “Um plano para ressuscitar”?

Fico com uma frase que Francisco escreve: “Vimos a unção derramada por médicos, enfermeiros, funcionários de mercados, faxineiros, cuidadores, transportadores, forças de segurança, voluntários, padres, freiras, avós e educadores, e tantos outros que foram incentivados a dar tudo o que possuíam para trazer um pouco de cura, calma e alma à situação”. É verdade.

Vimos o grande amor e solidariedade que brotam nestes dias de confinamento e trabalho duro em hospitais, por parte dos profissionais de saúde, de tantas empresas, de famílias... algo novo está surgindo em todos esses espaços, o que nos diz: “Não podemos continuar assim, como antes”. Temos que nos encontrar mais, nos relacionar, nos abrir para valores espirituais... é por aqui que vai a conversão. Como disse Dostoiévski: “Somente o amor salva”.

A beleza do amor é o que salva, e descobrimos uma grande beleza do amor em todas essas pessoas dedicadas. Esperemos que o que já está surgindo, que está sendo visto e sentido no coração das pessoas, se enraíze bem no coração da nossa sociedade e torne cada um de nós cúmplices em transformá-la. Paulo VI já falou da civilização do amor, uma proposta que João Paulo II mais tarde desenvolveu.

Lá temos que seguir em frente. Já estamos nesse caminho. Estou convencido de que nessas semanas todos tivemos alguém próximo a nós que passou por uma situação de morte, de não encontrar uma saída e, naquele momento, fomos capazes de transmitir a essa pessoa necessitada a luz da Ressurreição. Veremos se sabemos como suportar e permanecer. Que cada um ouça a si mesmo e discirna sobre esse convite.

 

Certamente, neste tempo, encontraram pessoas ao seu lado que, em meio a dificuldades, desenvolveram “os anticorpos necessários da justiça, caridade e solidariedade”...

 

Cristóbal López – Tivemos uma avalanche de solidariedade. Em Rabat, a partir da paróquia, foi estabelecido um sistema de distribuição de alimentos para pessoas em situação de emigração sem recursos. Lembro-me de uma das pessoas que veio pedir ajuda. Quando ele viu a organização que estava sendo lançada por meio de voluntários, a primeira coisa que ele fez foi dizer: “Eu também posso ajudar”, e ele se inscreveu para colaborar com o grande grupo de 120 pessoas que trabalhavam alternadamente para atender às demandas.

É um sinal mínimo, mas suficiente, para perceber que, se cada um de nós fizer a nossa parte, podemos realizar a revolução da ternura, a globalização da solidariedade, a erradicação de pragas, como a fome e o desemprego... quando nos reunimos para fazer o bem, somos uma força imparável.

 

Juan José Omella – Sou testemunha todos os dias como uma ressurreição espiritual e material está ocorrendo ao meu redor. O desejo de orar, de ser ouvido, de ter acompanhamento espiritual e sacerdotal, de querer receber a Comunhão cresceu em muitas pessoas... tanto naqueles que passaram pelo hospital quanto entre aqueles que passaram por quarentena em casa. Há uma fome pela Palavra de Deus, uma fome de celebração, de encontrar os irmãos...

Basta ver tantas conexões para seguir a Eucaristia no Youtube e na televisão, para verificar que muitas famílias acham que a Palavra de Deus as sustenta, quando antes elas deixavam de lado. Nesse sentido, devemos valorizar a grande resposta de padres e catequistas, que conseguiram se conectar de mil maneiras e satisfazer essa fome.

Por outro lado, ao falar sobre o material, há alguns dias perguntei às Missionárias da Caridade de Madre Teresa de Calcutá, em Barcelona: “Como vocês estão? Precisam de algo para os pobres nas paróquias de San Agustín e Santa Ana?”. A resposta foi: “Veja, esse é o milagre de todos os dias: solidariedade. Ontem ficamos sem comida. À noite, um grande empresário nos ligou e disse: ‘Irmãs, vocês têm comida?’.

Nós respondemos: ‘Já acabou, o armazém que temos em casa está vazio’. ‘Não se preocupem, amanhã de manhã um caminhão com comida irá aí’”. Ele cumpriu com sua palavra e forneceu provisões para um mês. Quando elas me disseram, fiquei impressionado com a generosidade que está brotando das pessoas. É maravilhoso! Nos momentos mais difíceis, a bondade cresce no coração das pessoas, de todos.

Além disso, quanto mais pobre você é, mais você deseja compartilhar. Estou vendo aqueles gestos da viúva do Evangelho, que dá as duas moedas que necessita para viver, mas que os compartilha com os outros. Todos nós precisamos um do outro, e apenas o amor, a solidariedade, que nos salvará. Assim, por um lado, sofremos porque as paróquias não tinham coletas, mas, por outro, as doações se multiplicaram através do portal digital “Dono a mi iglesia”.

Quando encaramos o mundo com um olhar atento e contemplativo, descobrimos tanta beleza do amor nos corações das pessoas... A humanidade não é tão ruim quanto alguns nos fazem ver, não é tão ruim. Há muita bondade que vem do coração de Deus.

 

Pedro Barreto – Tenho gravada a imagem de uma reunião virtual em que um pároco comentou que uma pessoa bateu à porta da paróquia e disse chorando: “Não tenho nada para alimentar meus filhos”. Esta imagem atinge o coração de cada um de nós que compõe a Igreja, mas também pessoas de boa vontade e pessoas de outras religiões. Não estamos vivendo um momento de desgraça, como muitos podem pensar, mas um kairós.

Deus nos faz trazer o bem que há em nós. Diante dos sinais de corrupção que ultrajam e tiram proveito da dor e da fome do povo, há um forte fluxo de graça que Deus nos oferece. No encontro com o irmão de carne e osso, vemos, como Francisco diz, o rosto sofredor de Jesus. Há uma necessidade urgente de sentir essas feridas sangrentas, para que possamos nos converter verdadeiramente ao outro, em solidariedade.

Neste período de pandemia, os refeitórios nas ruas são sinais do esforço da Igreja, a expressão da resposta de Deus à fome de muitas famílias. É verdade que não podemos resolver todos os problemas, porque só temos cinco pães e dois peixes. Não sejamos oprimidos: Deus está encarregado de multiplicá-los. Nestes tempos, de modo especial, temos que ser instrumentos dessa caridade de Deus na pessoa de Jesus para alimentar o mesmo Jesus que está com fome.

São Paulo nos diz: “Vençam o mal à custa de fazer o bem. Se houver desesperança, coloquem esperança, se houver tristeza, coloquem alegria...”. Este é o espírito que deve reinar nesta conversão a Deus, para alimentar os irmãos em nossa casa comum.

 

Em “Um plano para ressuscitar”, o papa questiona o leitor com várias perguntas que agora as farei para cada um de vocês.
Cardeal Omella, Francisco, pergunta, em meio a uma pandemia social e econômica: “Estaremos dispostos a mudar os estilos de vida que mergulham tantos na pobreza, promovendo e encorajando-nos a levar uma vida mais austera e humana que permita uma distribuição equitativa dos recursos”?

 

Juan José Omella – Esse é o grande desafio que temos. Essa pandemia que nos faz sofrer, tem consequências muito duras, mas tem que nos abrir os olhos para vermos que há muitos irmãos no mundo que sofreram durante anos com a pandemia da fome, da guerra... há uma resposta pessoal que devemos dar a cada um. Por exemplo, bispos e padres disseram: “Do nosso salário, vamos dividir uma parte com a Cáritas e com os pobres”.

É o ponto de partida para ir mais longe, para que nossos países desenvolvidos sejam mais solidários com os mais pobres, com todos aqueles que estão passando fome no mundo. O papa Francisco nos pergunta repetidamente: “O que se faz com o comércio de armas? Mantém as guerras e destruição”. Não sejamos hipócritas, conversamos muito sobre solidariedade, por um lado, mas acabamos vendendo armas, por outro.

É claro que essa crise nos leva a aprender a viver com menos coisas e com mais coração, mais abraços e fraternidade. Este é o desafio que o coronavírus nos coloca: será possível, tendo o descoberto, seguir por esse caminho de maior pobreza, mas de maior amor? A pandemia nos globalizou. Na Catalunha, estamos sofrendo o fechamento da fábrica da Nissan, mas há muitas outras fábricas que fecham em outras partes da Espanha e do planeta.

Diante disso, irmãos governantes, irmãos que têm empresas, irmãos que têm casas e famílias, por que não trabalhar juntos, governos e instituições públicas? Vamos nos unir e juntos podemos transformar o mundo, nossa Casa Comum. De alguma forma, através dessa emergência de saúde global, a natureza também falou conosco, como fez o Sínodo da Amazônia: “Somos todos irmãos, ajudemo-nos”.

 

Precisamente, o próprio papa Francisco se pergunta em relação à Casa Comum: “Adotaremos, como comunidade internacional, as medidas necessárias para impedir a devastação do meio ambiente ou continuaremos a negar as evidências?”. Cardeal Barreto, estamos levando a sério a exortação Querida Amazônia dentro e fora da Igreja?

 

Pedro Barreto – A Amazônia é um dos pulmões do mundo que deve ser cuidado, assim como outras partes do mundo. Ao nos fazer essa pergunta, Francisco já nos respondeu muito mais profundamente. Muitos de nós pensamos que o Sínodo da Amazônia seria convocado em um dos nove países amazônicos. Mas quando ele nos chama em Roma, no centro da cristandade, ele nos enviou uma mensagem clara: a Igreja está “se amazonizando” e precisa “se amazonizar”.

Ao convocar este Sínodo, o Papa faz com que toda a Igreja sinta a importância de proteger a natureza e a água, mas acima de tudo, as culturas indígenas, com as quais temos muito a aprender. É por isso que ele chama sua exortação de Querida Amazônia, porque envolve genuinamente amar verdadeiramente o que temos ao nosso redor. Porque a Amazônia não é apenas o bioma que fornece 20% do oxigênio do mundo, mas um amálgama de culturas, de vida e de populações.

Testemunhei como os indígenas dizem “irmão Francisco” ao Papa com muito carinho, porque veem que ele é uma pessoa que não está longe de suas necessidades, que representa Cristo e a Igreja. Este Papa abre os braços e convida a participar ativamente da experiência eclesial do Sínodo. Não devemos esquecer que o Papa nos convida a ler o Documento Final do Sínodo e a aceitá-lo na íntegra como parte integrante de sua exortação.

Temos de tornar realidade os quatro sonhos da Querida Amazônia: social, cultural, ecológico e eclesial. É hora de uma irmandade de respeito pelos direitos humanos. Reconhecer culturas antigas significa defendê-las hoje mais do que nunca, porque se sentem ameaçadas por esse apetite voraz de recuperar o investimento econômico através da exploração de minerais. É um grito de solidariedade e esperança que as populações indígenas enviam a nós, entusiasmadas e identificadas com o irmão Francisco e sua causa.

Não esqueçamos que a Amazônia foi, ao mesmo tempo, amada e ferida pela Igreja. Desde o início da evangelização, a Igreja está presente na Amazônia, com muitos mártires, no estilo de Santo Irineu, que era a semente de novos cristãos e que hoje também é a semente de pessoas solidárias que pensam e sentem a urgência de cuidar da vida desde a sua concepção até o seu fim natural, de respeitar a pessoa e as culturas, de cuidar do nosso ambiente natural e criar esta nova Igreja que João XXIII sonhou no Concílio Vaticano II.

Agora cabe a cada um de nós viver esse convite do Papa para valorizar a Amazônia. Que a Europa e outros continentes vejam que é um presente de Deus para a humanidade, o que exige um passo cultural, ecológico e eclesial para a renovação da Igreja e da humanidade.

 

O Marrocos é um país de trânsito para milhares de pessoas que querem chegar à Europa de todos os cantos da África. O Papa fala: “Seremos capazes de agir com responsabilidade contra a fome que tantos sofrem, sabendo que há comida para todos?”

 

Cristóbal López – Espero e desejo que sim, mas não sei se seremos capazes. Há uma frase de uma música do meu compatriota Carlos Cano que diz: “Sem amor, não somos nada. Sem justiça, somos menos”. Pedimos às pessoas, comunidades, amor, solidariedade, gestos concretos, que ajudem o próximo. Mas, em uma escala global, governos e instituições políticas devem fornecer justiça. A fome não terminará se as leis do comércio e a economia internacional não forem alteradas.

A desigualdade entre continentes, tomando a Europa e a África como exemplo, nunca será preenchida com uma esmola de 600 milhões de euros para o desenvolvimento, como ouvimos hoje em dia. É ridículo. Acima de tudo, quando se sabe que as multinacionais europeias tiram 20 bilhões de euros por ano da África. Por esse motivo, há uma necessidade urgente de globalizar a justiça, a solidariedade traduzida em justiça.

Assim como nesta pandemia, são considerados números de até trilhões de euros, muito menos do que o necessário para acabar com a fome. Os recursos são apenas disponibilizados a todos. Para isso, você precisa superar o que chamo de nacionalismo egoísta, atrofiado e ridículo. Refiro-me ao nacionalismo espanhol, francês, alemão...

Como é possível que, em uma emergência de saúde como a que estamos enfrentando, alguns países roubem as máscaras de outros, alguns impeçam outros de enviar respiradores em seus aeroportos...! Salve-se quem puder? É duro admitir que não somos capazes de fazer uma política comum para lidar com uma pandemia.

Essa crise nos forçou a fechar as fronteiras, cada região, cada casa, cada pessoa... Não sei se mais tarde poderemos abrir todas as fronteiras até que existam, para que os bens sejam capazes de satisfazer a fome no mundo. Ainda existem milhões de pessoas que morrem de fome todos os anos e ainda mais que ficam desnutridas e doentes para sempre por causa da desnutrição.

Os recursos estão lá, mas não pode ser que o objetivo dos políticos seja buscar apenas o bem de sua nação. Ele me examina toda vez que ouço um político dizer: "Fazemos isso porque é bom para a Espanha e os espanhóis". De alguma forma, eles estão lançando outra mensagem: “Se o que é bom para mim incomoda marroquinos ou chilenos, que lhes caia um raio”.

Isso me faz pensar: somos ou não somos uma família, uma humanidade inteira composta de irmãos? O desafio é construir uma irmandade universal, uma globalização de solidariedade que assume a forma de mudar as leis do comércio internacional, profundamente injustas e feitas pelos países ricos contra os países pobres.

Estou convencido de que a fome e muitas outras manchas podem acabar, para tornar mais fácil para todos terem assistência médica, acesso à educação primária... Nestes anos, grandes progressos foram feitos, mas é preciso sensibilizar ainda mais os governos e organismos internacionais. Devemos dar passos adiante. Por exemplo: o que a ONU está fazendo hoje diante desses problemas? Que autoridade a ONU tem para dizer a Trump que ele não pode agir assim, que o que é bom para você não é bom para o mundo?

Eu não perco a esperança porque o Espírito me dá, me é dada pelo Cristo ressuscitado, mas humanamente sei que é uma luta muito dura, porque continuamos nos apegando ao nosso, para defender nosso território, vamos chamá-lo de país ou nação, e não somos capazes ainda de ver todo o mundo como nosso. Será difícil sairmos disso até internalizarmos um slogan de uma jornada do Domund, de muitos anos atrás, da época de Paulo VI: “Todo homem é meu irmão, minha casa é o mundo; minha família, a humanidade”.

 

É a vez das perguntas dos usuários da Internet.
Cristina Inogés, de Zaragoza, envia a seguinte mensagem: “Um plano de ressuscitar” começa falando sobre o luto de mulheres transformado em alegria por Jesus. Quando e como se transformará o atual luto das mulheres em alegria, em uma Igreja que tem pouco a ver conosco?

 

Cristóbal López – As mulheres são como homens. Temos que redescobrir o batismo e a dignidade dos filhos de Deus que esse batismo nos dá. Nossa alegria não é ser bispos ou cardeais ou ser ordenado. A alegria deve surgir de ser e se sentir filhos de Deus e, então, se somos isso ou aquilo, não importa. Temos que mudar a eclesiologia.

Nós somos o povo de Deus, e nesse povo de Deus todos temos a mesma dignidade, e as mulheres a têm. Sendo cardeal, não sou mais nem menos do que qualquer outro. Devemos superar o clericalismo que também está nas mulheres e que consiste em acreditar que ser sacerdote ou mais é como um trampolim.

Eu disponho do meu solidéu cardinalício e minha batina para a mulher que desejar usá-los, se isso a deixa feliz. Mas saiba que não acrescentará nada. Porque se você quer ser uma mulher completa, basta ser uma mulher e uma cristã. Não baseie seu sentimento de plenitude em acreditar que ele não está completo se você não tiver a ordem sacerdotal. Temos que redescobrir a dignidade dos filhos e filhas de Deus.

 

Juan José Omella – Temos um conceito equivocado de que o ministério sacerdotal ou cardinalício é poder. É serviço. Jesus Cristo disse isso muito claramente no Evangelho, mas infelizmente nós interpretamos mal e vivemos errado ao longo da história. Francisco e o Concílio Vaticano II repetem: verdadeiro poder é serviço. Todos nós podemos nos servir da alegria de ser filhos de Deus, é isso que é importante.

Um homem e uma mulher servem igualmente se tiverem amor, não buscarem poder e respeitarem o outro. Em algumas congregações em Roma, quando um cardeal vai em visita, ele também se submete à mulher leiga ou religiosa secretária que está naquela congregação, e deve prestar contas a ela... Avancemos por esse caminho.

 

Pedro Barreto – Concordo com os dois cardeais e também coloco meu solidéu sobre a mesa. Se as mulheres na América Latina se retirassem do trabalho pastoral e do serviço que prestam pelo amor de Jesus, a Igreja não teria força no continente. Em Huancayo, há leigas e religiosas, adultas, idosas e jovens, que fazem tudo e são quem transmitem a alegria do Evangelho às comunidades.

Na Amazônia, as mulheres desempenham um papel muito importante. Tanto é assim que podemos dizer que são sacerdotisas, não no sentido litúrgico, mas pelo conceito de que fortalecem a vida familiar, assumem um serviço de amor e sustentam a preocupação pelos pobres. As mulheres têm muito a oferecer e estão oferecendo muito à Igreja e à sociedade.

Não acho que as mulheres indígenas tenham a ilusão de serem sacerdotes. Elas vivem e defendem a dignidade e a equidade dos direitos de mulheres e homens. Devemos andar nesse sentido de comunhão, e qualquer responsabilidade que tenhamos na Igreja deve ser vivida desde um serviço humilde e desinteressado, sem chamar a atenção, como fazem as mulheres, na Igreja e no mundo.

 

Juan José Omella – É verdade que podemos nos encher de belas palavras sobre o papel das mulheres na Igreja. Mas vamos dar um passo para que isso aconteça em nossas dioceses e paróquias, onde realmente contamos com todos de maneira mais eficaz e com mais responsabilidade. Queremos nos comprometer, não apenas em deixar o solidéu, mas em deixar verdadeiramente a responsabilidade para os outros.

 

De Madri, Laura Ramírez pergunta: precisamos de um “plano para ressuscitar” a política? Como esses princípios seriam aplicados em uma reunião como a realizada pelo cardeal Omella com a vice-presidente do governo, Carmen Calvo, na qual foram levantadas questões que podem gerar confronto, como reforma educacional, abusos, impostos e matrículas?

 

Juan José Omella – A política é uma das atividades mais nobres do ser humano, mas deve ser exercida a partir do amor; não para ganhar dinheiro ou ter poder, mas do serviço ao bem comum, que em uma sociedade plural envolve diálogo, encontro com todos e escuta de todos. Eu desejo que a política não se torne um lugar de exclusão, insultos, do “mas e você...? ”.

Trata-se de todos que contribuam, gerenciem o bem comum, contando com todos para o bem comum. Oxalá o façamos, sabendo que, ainda que existam políticos corruptos, também são muito dedicados, que amam o serviço ao povo e buscam o bem comum. Vamos continuar nesse caminho e ressuscitar essa nobre tarefa da política, do serviço ao bem comum. Em relação à reunião com o vice-presidente, sinto-me mais à procura de encontro do que de desacordo.

Espero que continuemos assim. A Igreja não busca privilégios nesses relacionamentos, mas se coloca em uma atitude de trabalho com os outros, lado a lado. Isso não significa que, às vezes, não concordemos, especialmente em questões morais, mas, por respeito, queremos colaborar e trabalhar para o bem da sociedade e dos irmãos. É por isso que viemos, para servir e não para ser servido.

 

Cristóbal López – Estou vendo tudo isso desde à margem, porque não estou na Espanha. No Marrocos, eles estão trabalhando em um clima de disciplina e grande unidade. O partido do governo precisa concordar com outros cinco partidos para obter a maioria e isso dá a obrigação de trabalhar juntos. Debates bruscos e tensos não ocorrem como no Congresso espanhol.

Temos de pôr um fim àquele modo de fazer política em que a oposição necessariamente discorda de tudo o que o governo faz, no qual é impossível que algo que não veio de nós seja aprovado. Devemos olhar para cima, ver o bem comum como o horizonte utópico que nos mobiliza e sermos capazes de abrir caminho com aqueles que são adversários.

No Paraguai, aprendi uma frase bastante plástica: “Temos que dialogar até que nossas bocas sangrem”. Isso seria muito necessário em nossa política atual. Acima de tudo, o respeito deve ser trabalhado. Sofro muito quando ouço insultos, acusações sem provas... Nada disso constrói. É comum ouvir essa expressão dos cidadãos: “Eles se insultam e depois apertam as mãos, saem e tomam uma cerveja juntos...”.

A partir daí, o Parlamento não se torna um teatro? Em uma aparente guerra declarada? Temos que ajudar os políticos a serem diferentes, escolher aqueles que são capazes de dialogar, de trabalhar juntos, de ouvir, quem tem a voz cantante... Infelizmente, os que estão cantando até agora estão um tanto desafinados.

 

María Pilar Linde, de Málaga: Que palavra expressariam às religiosas e aos padres idosos para que contribuam com a ressurreição em tempos de pandemia?

 

Pedro Barreto – Quero lhes dizer uma palavra: obrigado. Vejo na mais antiga de nossas comunidades um tempo dado de maneira simples nos lugares mais remotos. Um agradecimento que acompanha um pedido de autenticidade. Estamos vivendo um tempo de renovação na Igreja, em que todos devemos viver no lugar onde Deus nos colocou: na família, na vida consagrada, como bispos... Todos olhando para Jesus e os pobres e, a partir deles, podendo dizer que o Reino está presente. Porque os pobres nos evangelizam.

 

Última rodada. Depois de meditar o “plano para ressuscitar”, deixem uma rápida reflexão para levarmos às nossas casas...

 

Cristóbal López – O Reino de Deus está no meio de nós. Trabalhemos para fazê-lo maior e peçamos a Deus: “Venha a nós, o vosso Reino”!

 

Juan José Omella – O centro é a pessoa humana, que é a imagem de Deus. Seja desde o ponto de vista da ecologia, da economia, da política... Que respeitemos a pessoa humana em sua dignidade. O Papa diz-nos que, para conservar essa dignidade, é necessário fazer realidade as três Ts: teto, terra e trabalho. Porque o ser humano é imagem viva de Deus.

 

Pedro Barreto – A conversão a Cristo, aos irmãos e irmãs, especialmente aos pobres e o cuidado com nossa Casa Comum. Tudo está interligado: nossa própria vida com o Senhor, entre nós e a natureza.

 

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