04 Setembro 2019
Depois de seis anos como papa, Francisco continua refazendo o Colégio dos Cardeais à sua imagem, aumentando a probabilidade de que seu sucessor continue no mesmo caminho que o seu papado.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 03-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dez novos cardeais eleitores foram anunciados no domingo (1º de setembro) e serão “criados” em um consistório no dia 5 de outubro.
Com as nomeações, o Colégio aumentará para 128 cardeais eleitores, embora em 10 dias o número cairá para 124, quando quatro cardeais completarão 80 anos, idade em que não podem mais votar em um conclave papal.
Depois do dia 15 de outubro, 53% dos cardeais eleitores terão sido nomeados por Francisco. Embora não haja nenhuma garantia de como os cardeais votarão, as chances são de que seu legado será sentido profundamente no próximo papado.
Em suas escolhas, Francisco ignorou muitas das sedes cardinalícias, como Milão, Veneza e Filadélfia, das quais tradicionalmente se escolhiam cardeais, porque seus atuais arcebispos, como Charles Chaput, da Filadélfia, não estão em sintonia com o estilo ou a política de Francisco.
Em vez disso, ele escolheu homens que estão em sincronia com ele, como Joseph Tobin, de Newark, que foi criado cardeal em 2016, enquanto atuava como arcebispo de Indianápolis.
Desta vez, por exemplo, Francisco elevou o arcebispo de Rabat, no Marrocos, que nunca teve um cardeal, e até promoveu um simples bispo da Diocese de Huehuetenango, Guatemala.
Da Cúria Romana, Francisco escolheu o jesuíta Michael Czerny, um funcionário de nível médio que frequentemente se encontra com o papa sobre as questões imigratórias.
Os estatutos do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, no qual se localiza a seção de Czerny, têm uma cláusula especial que indica que a seção funcionará sob a direção do papa, “que a supervisionará do modo que julgar apropriado”.
Em outras palavras, embora a seção esteja no dicastério liderado pelo cardeal Peter Turkson, Czerny sempre se reportou diretamente a Francisco.
Na eleição de Francisco em 2013, 35% dos cardeais eram membros da Cúria, como é chamada a burocracia vaticana. Com estas novas nomeações, Francisco reduziu significativamente a voz da Cúria no Colégio: depois do dia 15 de outubro, a presença da Cúria cairá para 26%.
Ele também reduziu o número de cardeais italianos. Em sua eleição, 24% dos eleitores eram italianos; depois do dia 15 de outubro, o percentual cairá para 18%. A porcentagem de cardeais eleitores da Europa também caiu de 52% para 42%.
Os Estados Unidos também perderam votos sob o comando de Francisco, chegando a 7% contra os quase 10% com Bento XVI.
Os vencedores foram a América Latina, com 18,5%, um aumento de dois pontos percentuais; a África, com 14%, um aumento de quatro pontos percentuais; e Ásia, com 12%, um aumento de três pontos.
Em resumo, o próximo conclave será menos europeu e menos branco. Embora o Sul global (Ásia, África, América Latina e Oceania) representava 35% do Colégio na sua eleição, agora ele terá 44%. Esse é Francisco dando mais atenção às periferias da Igreja.
Mesmo assim, com 42% dos eleitores, a Europa, lar de apenas 26% dos católicos do mundo, ainda está sobrerrepresentada. A Igreja muda, mas o faz lentamente.
Três homens adicionais também foram nomeados cardeais, mas, como já têm mais de 80 anos, não poderão votar no próximo conclave.
O mais notável deles é o arcebispo emérito Michael Fitzgerald, que foi nomeado núncio (embaixador) no Egito por Bento XVI. Fitzgerald foi chefe do escritório vaticano para os assuntos inter-religiosos, até que Bento XVI o exilou no Egito, porque não gostava dos seus pontos de vista sobre o diálogo inter-religioso. Essa honraria papal agradará aqueles que pensam que Fitzgerald recebeu um mau tratamento e deveria ter sido criado cardeal antes.
O anúncio dos novos cardeais pegou a maioria das pessoas de surpresa, mas Francisco claramente queria tê-los em seu posto antes do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, que começa no dia seguinte ao consistório em que os cardeais serão “criados”.
O uso da Igreja da palavra “criar” em referência à nomeação de cardeais levou à piada clerical de que somente Deus e o papa podem criar algo do nada. Os cardeais não são “ordenados”, pois o cardinalato não é um sacramento, mas simplesmente um ofício na Igreja. Czerny será ordenado bispo antes do consistório, pois é habitual que todos os cardeais eleitores sejam arcebispos.
A idade média de todos os cardeais é de 72 anos. A média dos novos nomeados é de 66 anos, o que significa que eles permanecerão por um bom tempo.
Apenas quatro cardeais completarão 80 anos em 2020, portanto, a menos que haja uma repentina morte de cardeais, Francisco não terá outra chance de nomear novos cardeais até pelo menos 2021. O número de eleitores não deve exceder 120, mas o papa pode ultrapassar o limite, como João Paulo II fez em 2003, quando o número chegou a 135.
Além de eleger papas, os membros do Colégio dos Cardeais aconselham o papa sobre o governo da Igreja universal. Sem dúvida, um deles se tornará o próximo papa, já que o Colégio geralmente escolhe um dos seus membros.
Embora a saúde de Francisco pareça estar boa para um homem da sua idade, eventualmente, como todos nós, ele morrerá.
Os homens que Francisco nomeou cardeais serão decisivos na escolha do seu sucessor.
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Ao nomear novos cardeais, Papa Francisco confirma seu legado. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU