03 Setembro 2019
Este é o fim de semana do Dia do Trabalho nos Estados Unidos, então talvez seja justo que, depois de um agosto relativamente lento, o Papa Francisco tenha começado setembro trabalhando. Ele nomeou 13 novos cardeais no domingo, incluindo 10 elegíveis para votar no próximo papa.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 02-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Indiscutivelmente, não há nada que qualquer papa faça que traga mais consequências do que nomear cardeais. Eles não apenas se tornam imediatamente as lideranças mais influentes da Igreja, mas também, algum dia, elegerão um novo papa – e, deve-se acrescentar, as chances são extremamente boas de que o novo papa seja um deles.
Como resultado, sempre vale a pena examinar as escolhas de um papa para tentar determinar o que se pode fazer com elas. Por isso, eis aqui cinco palpites rápidos sobre os nomes anunciados por Francisco para o próximo consistório, a ser realizado em 5 de outubro, durante o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia.
Pelo menos informalmente, São Paulo VI estabeleceu um limite de 120 cardeais com idade para votar em 1975, sobre a teoria de que um número mais alto do que esse complicaria um conclave. Desde então, seus sucessores honraram esse limite pelo menos com a mesma frequência tanto na exceção quanto na regra – São João Paulo II o superou quatro vezes em nove consistórios, levando por duas vezes o total de eleitores com idade de votação para até 135.
Desta vez, Francisco não está desrespeitando o limite de maneira tão flagrante, mas ele o está superando mesmo assim. Atualmente, existem 118 cardeais com menos de 80 anos, e nenhum deles ultrapassará esse limite até o dia 5 de outubro.
É verdade que quatro cardeais completarão 80 anos em outubro, teoricamente cedendo ao papa seis vagas. No entanto, ele está nomeando 10 novos eleitores, e esse número de vagas não estará aberto até novembro de 2020, mais de um ano a partir de agora, quando o cardeal Donald Wuerl, dos EUA, completará o seu 80º aniversário.
Com toda a honestidade, talvez seja hora de revogar o limite de 120 cardeais, já que os papas parecem ignorá-lo mais ou menos de acordo com a sua vontade. Por outro lado, talvez também seja um bom lembrete de como a lei tende a funcionar no catolicismo – muitas vezes, na realidade, mais como um ideal do que como uma expectativa real.
Este será o terceiro consistório do Papa Francisco consecutivo em que nenhum novo cardeal norte-americano foi nomeado. Na verdade, esse é o sexto consistório dele no total, e em apenas um ele nomeou alguns norte-americanos, embora, nessa edição de 2016, ele tenha indicado três de uma só vez – Kevin Farrell, do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida do Vaticano; Blase Cupich, de Chicago; e Joseph Tobin, de Indianápolis (que logo depois se mudou para Newark).
O candidato óbvio para os norte-americanos, que novamente ficou esperando junto do altar, desta vez, é o arcebispo José Gomez, de Los Angeles, uma das maiores arquidioceses do mundo e que tem sido liderada por um cardeal desde 1953.
Pensava-se que Francisco estava se abstendo de nomear Gomez até que o seu antecessor, o cardeal Roger Mahony, completasse 80 anos, mas este será o quarto consistório desde que isso aconteceu. Também se costuma dizer que Francisco prefere nomear cardeais das periferias em vez dos centros de poder estabelecidos, mas isso obviamente não é um absoluto – caso contrário, como explicar a presença de Matteo Zuppi, de Bolonha, nesse consistório, especialmente levando-se em consideração que a Itália já tem consideravelmente mais cardeais do que os EUA?
Dada a forte defesa por parte de Gomez dos direitos dos imigrantes e seu potencial perfil como o primeiro cardeal hispânico nos EUA, pode parecer ainda mais inexplicável que o papa mais pró-imigrante da história e o primeiro da América Latina não tenha feito essa escolha.
Talvez a explicação seja tão simples quanto o fato de Gomez, um membro do Opus Dei, geralmente ser visto como um conservador doutrinal e, portanto, não exatamente a menina dos olhos de Francisco. Talvez Gomez também sofra do fato de que Francisco sempre sentiu um certo grau de ambivalência em relação aos EUA e simplesmente não se sente obrigado a fazer o que os norte-americanos esperam. Talvez isso tenha a ver com o fato de Gomez estar associado ao modo desajeitado com que os bispos dos EUA lidaram com um conjunto preliminar de normas sobre a responsabilização dos bispos em 2018, no qual eles foram percebidos como que tentando encurralar o papa.
Seja como for, Gomez ainda tem um caminho a percorrer para ser oficialmente apelidado de Harold Stassen do Colégio dos Cardeais, já que o político de Minnesota e a principal metáfora norte-americana da futilidade buscou a indicação republicana para presidente por nada menos do que oito vezes antes de finalmente desistir.
A conclusão mais óbvia a ser tirada do consistório de 2019 provavelmente é de que Francisco é um papa que sabe cuidar dos seus amigos, já que vários dos novos barretes vermelhos vão ser entregues a assessores e aliados importantes.
O arcebispo José Tolentino Mendonça, por exemplo, é um teólogo e poeta português que fez uma carreira de engajamento com o pensamento secular e que, antes de ser nomeado por Francisco como arquivista e bibliotecário vaticano em 2018, raramente era visto usando vestes clericais, exalando um espírito de simplicidade semelhante ao do próprio pontífice.
O arcebispo Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, membro da mesma ordem jesuíta do papa, é considerado um forte progressista e um apoiador confiável de Francisco entre os bispos europeus. Entre outras coisas, ele assumiu fortes posições em favor do empoderamento dos leigos e escreveu um memorável artigo na revista La Civiltà Cattolica, editada pelos jesuítas, opondo-se ao nacionalismo populista.
Zuppi, de Bolonha, é membro da Comunidade de Santo Egídio, o favorito do papa entre os novos movimentos da Igreja Católica e um forte defensor dos imigrantes e dos pobres.
Por sua vez, o padre jesuíta Michael Czerny tem sido o braço direito do papa nas questões dos migrantes e refugiados a partir do seu cargo no Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano.
(Czerny, aliás, também é um lembrete de que esse papa insubmisso nem sempre espera formar e nomear cardeais que já são bispos.)
Poderíamos continuar, mas este ponto deve ficar claro: este é um consistório em que Francisco está elevando uma corte de clérigos com ideias semelhantes, posicionando-os para ajudar a fazer avançar a sua agenda agora e também para ajudar a assegurar que o próximo papa, quem quer que seja, não seja alguém inclinado a atrasar o relógio.
Em outras palavras, Francisco sairá deste consistório em uma posição mais forte para liderar – e, se essa é uma boa notícia ou uma má, naturalmente dependerá do fato de um determinado católico gostar da direção que ele está seguindo.
Cinco dos 10 novos cardeais com idade para votar nomeados por Francisco no domingo pertencem a ordens religiosas: dois jesuítas, um missionário comboniano, um capuchinho e um salesiano. Dois dos três cardeais “honorários” também são religiosos, incluindo outro jesuíta e um membro dos Pobres Servos da Divina Providência.
Em parte, as escolhas refletem a ênfase missionária desse papa, uma vez que as ordens religiosas têm sido o principal braço missionário da Igreja, especialmente em partes do mundo tradicionalmente consideradas como periferias.
Em outro sentido, no entanto, também faz parte de uma escolha estratégica desse papado enfatizar novamente as ordens da Igreja estabelecidas e tradicionais, em oposição aos “novos movimentos” percebidos como que desfrutando de um maior favor com João Paulo II e Bento XVI.
Sendo ele mesmo membro de uma ordem religiosa, Francisco tornou prioritária a cura da relação entre o Vaticano e as ordens desde a sua eleição, e esse consistório é uma extensão lógica dessa agenda.
Por fim, a nomeação do arcebispo britânico Michael Fitzgerald como um dos três cardeais “honorários” com mais de 80 anos fala muito para os antigos vaticanistas, já que ele se junta a um conjunto crescente de figuras que já inclui o cardeal alemão Walter Kasper, por exemplo, e o cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga, cujas carreiras pareciam paralisadas nos anos de João Paulo II/Bento XVI e que foram reabilitadas por Francisco.
Membro dos Missionários da África, comumente conhecidos como “Padres Brancos” pela cor dos seus hábitos, Fitzgerald tem sido mais ou menos como a pessoa de referência do Vaticano sobre o Islã há quase duas décadas, tendo atuado como secretário do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso de 1987 a 2002 e depois como seu presidente de 2002 a 2006.
Fitzgerald é um verdadeiro islamista. Ele estudou na Tunísia ainda jovem, aprendendo árabe, e depois fez seu doutorado na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. Ele também atuou como professor na Uganda, ensinando Islã para estudantes muçulmanos e também cristãos, e no Pontifício Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos do próprio Vaticano. Além disso, ele foi um excelente pároco no Sudão.
Como uma personalidade educada e acessível, Fitzgerald era popular na cena romana. No entanto, após o 11 de setembro, sua abordagem pacífica em relação ao Islã começou a parecer contraditória para alguns católicos que queriam uma abordagem mais pesada. Quando o Papa Bento XVI o removeu do Conselho para o Diálogo Inter-Religioso em 2006, antes que o seu mandato normal de cinco anos se completasse e o despachou para o Egito como seu embaixador, muitos interpretaram essa medida como uma espécie de exílio.
Independentemente de como Bento XVI, de fato, entendeu a decisão – e, para que fique claro, ser o enviado vaticano ao Egito dificilmente é um passeio sem consequências –, muitos pensaram que isso significava que a corrida de Fitzgerald como uma figura significativa na Igreja havia terminado.
Avancemos 13 anos, e agora Fitzgerald está prestes a se tornar um Príncipe da Igreja. Talvez a lição aqui seja de que, assim como nenhuma vitória no catolicismo provavelmente seja final ou completa, o mesmo pode ser dito sobre qualquer derrota.
Aguarde o tempo suficiente, esteja você subindo ou descendo, e as rodas também podem girar a seu favor.
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Cinco palpites sobre os novos ''Príncipes da Igreja'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU